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Livros de Alice Bailey

Do Intelecto à Intuição


Capítulo V – Etapas da Meditação

"O que farias no interior, oh Alma, minha Irmã?
O que farias no interior?
Tranca porta e janela para que ninguém possa ver:
Que a sós possamos estar
(A sós! Frente a frente
Nesse luminoso lugar!)
Quando de início começamos
A falar uns com os outros."
EVELYN UNDERHILL

Etapas da Meditação

Estudamos resumidamente os objetivos a que nos propusemos quando procuramos reorientar a mente para a alma e, através da união assim realizada, entrar em comunicação com um mundo superior do Ser. Procuramos utilizar o equipamento que uma série de experiências de vida nos fornecem e, quer comecemos o trabalho do ponto de vista do devoto místico, ou do ponto de vista do aspirante intelectual, certas condições fundamentais devem ser preenchidas, antes de proceder-se aos exercícios. As palavras do Reverendo R. J. Campbell resumem a nossa história e definem a nossa tarefa. Diz ele:

"No propósito de realizar a natureza do Eu, devemos sair da nossa eterna morada em Deus, a fim de lutar e de sofrer na ilusão do tempo e dos sentidos. Temos de vencer antes de penetrar na verdade eterna, que está para além de todas as aparências. Temos de dominar a carne e de expandir o espírito, e desprezar o mundo para o salvar e perder a vida para a encontrar."

Consideremos agora a situação e, o método ao qual devemos submeter-nos se queremos atingir o objetivo. Basta mencionar apenas as condições preliminares, pois são universalmente reconhecidas e particularmente realizadas por todo principiante, senão não estaria a entrar nesta fase particular de procura secular da verdade.

Estamos conscientes de uma dualidade em nós e de um estado de guerra entre os dois aspectos de que somos constituídos. Estamos conscientes de uma profunda insatisfação com a vida física no seu conjunto, e com a nossa incapacidade de captar e compreender a divina Realidade, que esperamos exista. Mas isso permanece para nós um elemento de fé e queremos a certeza. A vida dos sentidos não parece levar-nos muito longe no caminho que conduz ao nosso objetivo. Temos uma vida instável, levada às vezes pelos nossos mais altos desejos a um cume de maravilha, onde demoramos o tempo suficiente para uma visão da beleza e, depois, somos precipitados no abismo do nosso ambiente diário, da nossa natureza animal e do mundo caótico no qual o nosso destino nos colocou. Pressentimos uma certeza que nos escapa sempre; lutamos por um fim que nos parece exterior e que se subtrai aos nossos mais frenéticos esforços; esforçamo-nos, combatemos e angustiamo-nos a fim de alcançar uma realização que os Santos e os Conhecedores da raça têm continuamente afirmado. Se a nossa vontade é forte, se nossa determinação é perseverante e indomável e se as antigas regras e as fórmulas são compreendidas, podemos abordar o nosso problema sob um ângulo novo e utilizar, em vez de uma aplicação emocional e do desejo febril, o nosso equipamento mental.

Contudo, a atividade do coração tem o seu lugar e Patânjali, nos seus Aforismos, que guiaram os empreendimentos de centenas de Conhecedores, diz:

“As práticas que suscitam a união com a alma são, primeiramente, a aspiração ardente, depois a leitura espiritual e finalmente a completa obediência ao Mestre." (1)

A palavra "aspiração" vem do latim "ad" - para, e "spirare" - respirar para, assim o explica Webster, no seu dicionário. A palavra "espírito" vem da mesma raiz. A aspiração deve preceder à inspiração. Deve haver uma expiração da parte do eu inferior antes que possa haver uma inspiração do princípio superior. Do ponto de vista do misticismo oriental, a aspiração implica a ideia de fogo. Denota um desejo abrasador e uma determinação ardente que trarão finalmente três coisas ao aspirante. Isto projetará uma luz poderosa sobre os seus problemas e constituirá a fornalha purificadora na qual o eu inferior deve descer, a fim de que todas as escórias sejam consumidas e destruídas, assim como todos os obstáculos que possam retê-lo. A mesma ideia do fogo encontra-se em todos os livros do misticismo cristão, e vem-nos à mente muitas passagens semelhantes da Bíblia. A aceitação de "levar a cruz", de "entrar no fogo", de "morrer cada dia" (pouco importa qual o simbolismo empregado) constitui a característica do verdadeiro aspirante e, antes que possamos empenharmo-nos no caminho da meditação e seguir os passos dos inumeráveis Filhos de Deus que nos precederam, devemos medir a profundeza e a altura da empresa e congregar os nossos esforços para a árdua ascensão e para o esforço ardente. Temos de dizer com J. C. Earle:

"Passei o vale.
Suporto a cruz; a cruz suporta-me
A luz conduz-me à luz. Choro
de alegria com o que espero ver
Quando, escalada realmente a árdua elevação
A cada doloroso degrau que percorro
Atravesso mundos e mundos de luz
e penetro nalguma verdade profunda de Deus."

Partimos com uma compreensão emocional do nosso fim e de lá, através do fogo da disciplina, passamos às alturas da certeza intelectual. Isto é-nos descrito maravilhosamente na Bíblia, na história de Shadrach, Meshach e Abednego. Lemos que foram precipitados numa fornalha ardente e contudo o resultado desta aparente tragédia foi a libertação, no meio deles, da forma de uma quarta entidade cuja aparência era a do Filho de Deus. Estes três amigos são os símbolos do homem triplo inferior. O nome "Meshach" significa "ágil", uma faculdade do intelecto discriminador, o corpo mental. Shadrach significa "aquele que se alegra no caminho" e descreve a transmutação do corpo emocional e a reorientação do desejo para o Caminho; Abednego significa "um servidor do Sol" e assim ressalta o fato de que a única função do corpo físico é a de ser o servidor do Filho (o Sol), do Ego ou alma. (Vede Daniel, III, 23-24). Não há qualquer meio de escapar à fornalha ardente, mas a recompensa é proporcional à prova.

O significado da segunda condição "leitura espiritual" deve ser também compreendido. A palavra "ler" é de uma origem muito obscura e os filólogos creem serem duas as palavras responsáveis: uma do latim "reri", pensar, a outra sânscrita radh, ter bom êxito. Talvez sejam as duas ideias possíveis porque é certamente verdade que o homem que pode pensar com mais sucesso, e o que pode controlar e utilizar o seu aparelho de pensamento, é o homem que pode dominar mais facilmente a técnica da meditação.

A oração está ao alcance de todos. A meditação só é possível ao homem mentalmente polarizado, o aspecto sobre o qual convém insistir, pois encontra frequente oposição. Todas as pessoas que estão dispostas a submeter-se a uma disciplina e transmutar as suas emoções em devoção espiritual podem tornar-se santos, e numerosos são aqueles que o fazem. Mas, nem todos os homens podem ainda ser conhecedores, porque isto implica tudo que o santo realizou mais a utilização do intelecto e do poder de pensar através do conhecimento e da compreensão. Aquele que alcança o êxito é aquele ser que pode utilizar o sexto sentido para obter certos resultados específicos. Outra das origens sugeridas seria a de tomar conselho ou aviso de tal modo que três ideias fundamentais sobressaiam, a obtenção do sucesso por meio da mente e a realização da perfeição tomada de conselhos e da utilização de todos os meios de informação, a fim de adquirir o conhecimento.

Isto é o que fundamentalmente Patânjali entende quando emprega a expressão traduzida por "leitura espiritual". Na realidade significa ler com os olhos da alma, com a visão interna pronta a descobrir o que se procura. Entende-se que todas as formas são apenas símbolos de uma realidade interior ou espiritual, e que ler com o espírito pressupõe o desenvolvimento da faculdade de "ler" ou ver o aspecto vida que as formas exteriores velam e escondem. Isto aplica-se tanto à forma humana como a qualquer outra forma da natureza; todas as formas escondem um pensamento, ideia ou verdade divina e são a manifestação tangível de um conceito divino. Quando um homem o sabe, começa a ler espiritualmente, a ver para além da superfície e assim a contatar com a ideia que deu nascimento à forma. Gradualmente, à medida que ganha prática em fazer isto, chega a um conhecimento da Verdade e já não é enganado pelos aspectos ilusórios da forma. Isto, na sua aplicação mais prática, levará o homem, por exemplo, a negar o aspecto forma que o seu irmão possa assumir e a comportar-se para com ele na base da realidade divina oculta. Não é fácil agir assim, mas é possível com o treino da leitura espiritual.

A terceira condição requerida é a obediência ao Mestre.

Não é uma atenção servil às ordens de qualquer suposto mestre, atuando misteriosamente por detrás da cena, como tantas escolas esotéricas o pretendem. É muito mais simples. O verdadeiro Mestre, que solicita a nossa atenção e subsequente obediência, é o Mestre no Coração, a Alma, o Cristo interno. Este Mestre primeiramente faz sentir Sua presença pela "ainda pequena voz" da consciência, incitando-nos a uma vida mais elevada e menos egoísta e nos advertindo sempre que nos afastamos do estreito caminho da retidão. Mais tarde, vem a ser conhecido como a Voz do Silêncio, aquela palavra vinda do "Verbo Encarnado", que somos nós mesmos. Cada um de nós é um Verbo feito carne. Mais tarde ainda, chamamo-la Intuição despertada. Aquele que estuda a meditação aprende a distinguir com exatidão entre estas três expressões.

Este requisito, portanto, impõe a obediência implícita que o aspirante presta prontamente ao mais alto impulso que possa registrar em todos os momentos, custe o que custar. Quando essa obediência é efetiva, suscita da parte da alma um derramamento de luz e de conhecimento e o Cristo fez alusão a isso nestas palavras: "Se alguém fizer a vontade de Deus, reconhecerá se a minha doutrina vem dele”... (S. João, VII, 17.).

Estes três fatores - a obediência, a procura da verdade em todas as formas e uma aspiração ardente para a libertação - são as três partes da etapa da aspiração e devem preceder a da meditação. Não é necessário que sejam expressas em sua plenitude e perfeição, mas devem ser incorporadas à vida como regras vivas de conduta. Conduzem ao desapego, uma qualidade que o Oriente e o Ocidente enfatizam. Esta é a libertação da alma, da escravatura da vida da forma, e é a subordinação da personalidade aos impulsos superiores. O Dr. Maréchal exprime da maneira seguinte, a intenção cristã sobre este assunto:

"Que significa este 'desapego do eu'?”

“Primeiro, claramente, é o desapego do ego inferior e sensível - isto é, a subordinação habitual da carne ao ponto de vista espiritual, a coordenação da multiplicidade inferior sob uma unidade superior.”

“E depois, é o desapego do "Ego vanglorioso", o Ego disperso e caprichoso, o joguete das circunstâncias, o escravo da opinião flutuante.”

“A continuidade da vida interior não poderia acomodar-se a uma unidade flutuante.”

“Acima de tudo, é o desapego do ‘Ego orgulhoso’. Devemos ter uma compreensão exata disto, porque a humildade é justamente considerada como uma das notas mais características do ascetismo e do misticismo cristãos." (2)

Aqui insiste-se na subordinação da vida física, emotiva e mental, ao projeto divino de realizar a unidade, porque o capricho é a qualidade do aparelho sensorial e o orgulho da mente. O processo da meditação está dividido em cinco estágios, cada um conduzindo ao seguinte. Estudá-los-emos separadamente, porque em sua mestria poderemos acompanhar a firme ascensão do homem consciente e espiritual para fora do reino do sentimento até o do conhecimento e depois ao da iluminação intuitiva. Os cinco estágios poderão ser enumerados como segue:

1. A Concentração. O ato de concentrarmos a mente e de aprender a focá-la e assim usá-la.

2. A Meditação. A concentração prolongada da atenção, em qualquer direção, e a fixação persistente da mente sobre qualquer determinada ideia.

3. A Contemplação. Uma atividade da alma, desligada do mental que é mantida no estado de quietação.

4. A Iluminação. O resultado das três etapas precedentes, implicando o transporte à consciência cerebral do conhecimento obtido.

5. A Inspiração. O resultado da iluminação, na medida em que se demonstra na vida de serviço.

Estas cinco etapas, quando seguidas, conduzem à união e ao conhecimento direto da Divindade. Para a maioria dos que empreendem o estudo da meditação, a etapa que deve ocupar a sua atenção prolongada, praticamente com a exclusão de todas as outras, é a de concentração, o ganhar controle dos processos mentais. É de presumir que, numa certa medida, a aspiração esteja presente, senão não haveria o desejo de meditar. Assinalamos, contudo, que a aspiração não tem utilidade se não for sustentada por uma vontade forte, por uma capacidade de resistência e por uma paciente persistência a toda a prova.

I - O estágio da concentração

Em todas as escolas de misticismo adiantado ou intelectual, a primeira e imprescindível etapa é a aquisição do controle da mente. No século XIV, Meister Eckhart escrevia:

"São Paulo recorda-nos que sendo feitos à semelhança de Deus podemos alcançar uma visão mais alta e mais verdadeira. S. Dionísio diz-nos que para isto necessitamos de três coisas. A primeira é a posse da nossa própria mente. A segunda é uma mente livre. A terceira é uma mente que possa ver. Como adquirirmos esta mente especulativa? Pelo hábito da concentração mental." (3)

Isto está estritamente conforme o método oriental, que visa primeiramente a pôr o homem em condições de poder controlar o seu aparelho mental, de maneira que seja ele quem faz uso à vontade e não seja (como é frequentemente o caso) sua vítima, agitada por pensamento e ideias que não consegue eliminar, por mais forte que seja o desejo de fazê-lo.

Encontramos os mesmos ideais na antiga Escritura hindu, o Bhagavad-gītā:

"O mental oscila, ó Krishna, turbulento, impetuoso, forte; penso que é tão difícil de segurar como o vento.
Sem dúvida... a mente ondulante é difícil de conter-se; mas por uma prática assídua... pode ser mantida firme.
Quando a tua alma ultrapassara floresta da ilusão, não olharás mais para o que foi ensinado.
Quando desembaraçada do ensinamento tradicional, a tua alma se mantiver perseverante, firme na visão da alma, então ganharás a união com a alma." (4)

O primeiro estágio é, portanto o, controle da mente; isso significa o poder de fazer da mente o que quiserdes, e de pensar sobre o que for escolhido, de formular ideias e sequencias de pensamentos sob direção. Na maioria dos casos, a função da mente é antes de tudo a de receber mensagens do mundo externo, por intermédio dos cinco sentidos, e transmitidas pelo cérebro. Hume diz-nos que a mente é uma espécie de teatro onde várias percepções fazem sucessivamente a sua aparição. É a sede das funções intelectuais e um grande centro registrador de impressões de todos os gêneros, sobre os quais agimos ou recusamos a admissão se nos desagradam. A mente tem uma tendência para aceitar o que lhe é apresentado. As ideias dos psicólogos e da ciência com respeito à natureza da mente são muito numerosas para que falemos aqui delas. Alguns olham-na como uma entidade separada, outros como um mecanismo, do qual o cérebro e o sistema nervoso são partes integrantes. Uma escola trata-a como "espécie de estrutura superior não física... suscetível de ser estudada cientificamente e sujeita a desordens que lhe são próprias”. Alguns consideram-na como uma forma do eu, possuindo uma vida própria; como um mecanismo de defesa, construído no decurso das idades; como um aparelho perceptivo pelo qual entramos em contato com certos aspetos do Universo, inatingíveis de outro modo. Para outros, é simplesmente um termo vago, significando o meio pelo qual registramos o pensamento ou respondemos às vibrações, tais como as incorporações na opinião pública e nos livros escritos no decurso dos tempos. Para o esoterista é simplesmente uma palavra representando um aspecto do homem, que reage numa só direção - o mundo externo (mundo do pensamento e dos negócios), mas que poderia igualmente reagir noutro - e o mundo das energias sutis e do ser espiritual. É esta concepção que devemos ter nos nossos pensamentos enquanto estudamos a técnica da meditação. Todas as pequenas definições estão incluídas no resumo do Dr. Lloyd Morgan. Diz ele:

"... a palavra "mente" pode ser empregada em três sentidos; primeiro como Mente ou Espírito, referindo-se a alguma Atividade, para nós Deus; em segundo lugar, como qualidade emergente a um alto nível do avanço evolutivo; em terceiro lugar, como um atributo psíquico que interpenetra todos os acontecimentos naturais em correlação universal.” (5)

Aqui temos a ideia do propósito divino, da mente universal, dessa mentalidade humana que distingue o homem dos animais, na escala da evolução, e a referência também a essa consciência psíquica universal que penetra no animado e no chamado não-animado. É com a mente como qualidade que emerge a um nível elevado da evolução, que nós como humanos trabalhamos. Constitui para nós um modo ou um meio de contato que nos permite receber informações provenientes de várias fontes e transmitidas por diferentes meios. Por intermédio dos cinco sentidos, o homem toma consciência do mundo dos fenômenos físicos e da vida psíquica no qual está imerso. Não é só isto, pois a mente registra impressões emanando de outras mentes e os pensamentos dos outros homens (antigos ou modernos) são-lhe transmitidos pela palavra, pela escrita, pelo teatro, pela pintura e pela música. A maior parte é simplesmente registrada e armazenada, para encontrar mais tarde expressão como memória e pressentimento. As nossas ondas, reações emotivas, sentimentos e desejos, são igualmente registrados pela mente, quer de grau elevado, quer de baixo grau; mas para o indivíduo comum as coisas limitam-se a isto. Pensa-se verdadeiramente muito pouco sobre registros da informação e não ocorre nenhuma formulação clara de pensamento. Revestir as ideias com palavras que claramente as expressem é uma das funções da mente, mas quão poucas pessoas têm ideias e geram pensamentos verdadeiramente inteligentes! As suas mentes respondem ao que lhes é comunicado do mundo externo, mas não possuem qualquer atividade inerente, ou autoiniciadas.

Atualmente, no caso do indivíduo comum, o processo exerce-se do exterior para o interior, por meio dos sentidos para o cérebro. Este telegrafa as informações registradas para a mente que, por sua vez, toma nota. Normalmente o processo para aqui.

Mas para o homem realmente reflexivo, há mais do que isto. Em seguida ao registro, segue-se uma análise do incidente ou informação, sua correlação com outros incidentes, e um estudo da causa e efeito. A "substância-mental", como a chamam os orientais, põe-se em atividade; criam-se pensamentos-forma e imagens mentais construídas em relação à ideia apresentada. Então, se o deseja, o pensamento preciso do homem é impresso no cérebro e institui-se uma atividade de retorno. Mas, o místico ou o homem que começa a meditar, descobre algo mais. Constatam que a mente devidamente governada e disciplinada é capaz de respostas mais vastas e mais profundas: que ela pode tornar-se consciente de ideias e de conceitos emanados de uma região profundamente espiritual, e comunicadas pela alma. Em vez de impressões do mundo exterior, registradas pela face sensitiva e receptiva da mente, podem vir dos reinos da alma, sendo causadas pela atividade da própria alma ou por outras almas com as quais a sua possa estar em contato.

A mente entra então numa fase nova de utilidade e sua amplitude de contato inclui não só o mundo dos homens, mas também o mundo das almas. A sua função é a de servir de intermediária entre a alma e o cérebro e de transmitir ao cérebro as coisas de que o homem, como alma, se tornou consciente. Isto se torna possível quando as antigas atividades mentais são superadas por outra mais elevada, e quando a mente se torna temporariamente insensível a todas as chamadas exteriores que solicitam a sua atenção. Todavia, isto não se produz por quaisquer métodos de tornar a mente passiva ou receptiva, nem por qualquer sistema de tornar a mente vazia ou de mergulhá-la na negatividade, ou de outras formas de auto-hipnose. Isto é causado pela força expulsiva de um interesse novo e maior, e pela concentração uni direcionada das faculdades mentais focadas sobre um novo mundo de fenômenos e de forças. Este sistema é o da concentração, a primeira e a mais árdua das etapas que conduzem à iluminação da vida.

A palavra "concentração" vem do latim "con", junto,"centrare”, centrar. Significa "reunir ou trazer para um centro comum ou ponto focal"; implica reunião dos nossos pensamentos e ideias errantes e manter a mente firma e perseverantemente focada ou centrada no objeto da nossa imediata atenção, sem flutuação ou distração. Envolve a eliminação de tudo o que seja estranho ao objeto da nossa observação. Patânjali define-a assim: "O encadeamento da consciência perceptora a certa região é atenção ou concentração."

Isto implica, necessariamente, uma distinção entre o Pensador, o aparelho do pensamento e aquilo que é considerado pelo Pensador. Precisamos, portanto, distinguir entre nós mesmos, aquele que pensa e aquilo de que nos servimos para pensar: a mente. Então entra o terceiro fator, aquilo que é pensado.

Os estudantes farão bem, desde o princípio de suas práticas de meditação, em aprenderem a fazer estas diferenciações básicas e cultivar o hábito de fazê-las diariamente. Devem distinguir sempre entre:

1. O Pensador, o Eu real ou Alma.

2. A mente, ou o aparelho que o Pensador procura utilizar.

3. O processo do pensamento, ou o trabalho do Pensador à medida que impregna a mente (quando em equilíbrio) com o que pensa.

4. O cérebro, impregnado por sua vez pela mente, atuando como o agente do Pensador, no propósito de transmitir informações e impressões.

A concentração é, portanto, o poder de focar a consciência sobre certo assunto e mantê-la aí enquanto se queira; é o método da percepção apurada e o poder de visualizar corretamente, sendo a qualidade que permite ao Pensador perceber e conhecer o campo da percepção. Um sinônimo de "concentração" é a palavra "atenção", no sentido da atenção mantida numa única direção. É interessante registrar o que o Padre Maréchal diz a propósito. Assinala que a "atenção" é um caminho direto, que conduz à percepção total, à alucinação, ou, mais geralmente, à crença... Ela proporciona pelo menos uma unificação momentânea da mente, pela predominância de um grupo mental... Mas esta unidade mental, realizada até certo grau no fenômeno da atenção, é também a única condição subjetiva que, vimos, acompanha sempre a percepção verdadeira ou falsa, do real."

Qual é o meio mais fácil de aprender a concentrar? Um provérbio francês responde: "O melhor meio de eliminar é substituir"; - e um meio que pode ser empregado é o que se chama "a força expulsiva de uma nova afeição." Estar profundamente interessado num assunto novo e intrigante é ter a atenção focada num assunto fresco e dinâmico, tenderá automaticamente a tornar a mente uni direcionada.

Uma segunda resposta pode ser dada: estejais concentrados em tudo o que fizerdes durante o dia, e sempre. Se cultivarmos a perfeição nos afazeres da vida corrente, desenvolveremos rapidamente a concentração. A exatidão na fala forçar-nos-á a sermos atentos ao que é dito, lido ou ouvido, o que implica necessariamente a concentração e assim a desenvolvê-la. A verdadeira meditação é, no fim de contas, uma atitude mental e resultará de uma atitude de concentração.

O objetivo dos nossos esforços é, portanto, treinar a nossa mente de modo a torná-la nossa serva e não o nosso mestre e o de cultivar o poder de concentração preparatório ao trabalho verdadeiro da meditação. O estudante sério conservará, por conseguinte, sua profunda atenção a todos os assuntos da vida diária e aprenderá, assim, a regulamentar a sua mente como um aparelho para o seu pensamento.

Permitam aqui insistir sobre a necessidade de uma atitude, na vida, constantemente concentrada. O segredo do sucesso pode ser expresso em duas palavras: Prestai atenção. Na conversação, na leitura ou quando escrevemos, concentremo-nos sobre o que estivermos fazendo e assim, gradualmente, desenvolveremos a capacidade de nos concentrarmos.
Esta atitude deve ser completada por exercícios de concentração apropriados, a serem feitos cada dia com perseverança. Isto envolve a fixação da mente num objeto determinado, ou ainda, sobre um assunto escolhido para um pensamento. A isto sucede um processo de aprendizagem calmo e constante de abstrair a consciência do mundo exterior e das condições exotéricas, e focá-la à vontade sobre qualquer tema.

A prática diária e regular da concentração permite-nos vencer gradualmente a dificuldade de controle e termina em certos resultados enumerados assim:

1 - A reorganização da mente.

2 - A polarização do homem no seu veículo mental em vez de em seu veículo emocional.

3 - A retirada da atenção das percepções sensoriais e o aprendizado da centralização em si mesmo, no cérebro. A maior parte das pessoas utiliza, como os animais, o seu plexo solar.

4 - O desenvolvimento de uma faculdade de concentração instantânea, como uma preliminar â meditação.

5 - A capacidade de focar a atenção firmemente sobre qualquer pensamento-semente escolhido.

II - O estágio da meditação

Patânjali define a concentração como a manutenção da consciência perceptora numa certa região e a meditação como a conservação prolongada desta mesma consciência, numa certa região. Isto implica apenas uma diferença no fator tempo e parece fazer das duas etapas uma conquista de controle. Pela prática da concentração, o estudante deve adquirir um controle suficiente para não ter mais que se incomodar com a necessidade de recordar continuamente os seus pensamentos. Por conseguinte, uma concentração prolongada fornece à mente a oportunidade de agir sobre qualquer objeto dentro do círculo-não-se-passa da região escolhida. A seleção de uma palavra ou de uma frase como assunto de meditação, estabelece este círculo-não-se-passa e se a meditação é bem conduzida o intelecto nunca deixa de considerar o objeto assim escolhido. A mente permanece concentrada e continuamente atenta durante toda a duração da meditação. Além disso, não lhe é permitido fazer o que lhe agrada com o objeto ou pensamento-semente. Na concentração deve haver, em quem medita, uma consciência, durante todo o tempo em que esta utilizar a sua mente. Na meditação, esta consciência da mente sendo usada, perde-se, mas não pode haver nem devaneio nem o seguir ideias que aparecem por acaso em relação com o objeto do pensamento. O pensamento-semente foi escolhido com um propósito - quer em razão do seu efeito sobre quem medita, ou por seu efeito no serviço a outra pessoa, a uma obra espiritual, ou ainda, em alguma fase da busca de sabedoria. Em caso de sucesso, quem medita não reage, ou reage pouco, seja pelo prazer, ou pela ausência de prazer. As reações emocionais são transcendidas; por conseguinte, a mente é deixada livre para agir no seu próprio domínio. O resultado é uma clareza de pensamento desconhecido até então, pois a mente, de ordinário, está continuamente afetada por alguma espécie de desejo. Neste estado de consciência, o desejo é superado como o será mais tarde o pensamento no estado de contemplação. Quando a mente é inativada pela inibição ou por repetições persistentes, não pode ser transcendida na contemplação nem utilizada na meditação. Fazer o vazio na mente é não só loucura como realmente perigoso. Nos Aforismos de Ioga, de Patânjali, encontramos estas palavras:

"A conquista gradual da tendência que tem a mente de esvoaçar de um assunto para outro e o poder de fixar sobre um único ponto constituem o desenvolvimento da contemplação." (8)

A meditação é o resultado da experiência. É a obtenção instantânea de uma atitude mental, como consequência de uma longa prática. Vemos no Bhagavad-gītā que em toda ação se encontram os cinco fatores seguintes:

"1 - O instrumento material O cérebro
2 - O ator O Ego
3 - O órgão A mente
4 - O impulso A Energia
5 - O destino O carma" (9)

A meditação é uma atividade de gênero muito intenso e ver-se-á que comporta todos estes cinco fatores. O instrumento material que temos de empregar na meditação é o cérebro físico. Muitas pessoas pensam que devem ultrapassar o cérebro, atingir uma altitude extraordinária e estabelecer-se em qualquer pináculo de pensamento, até que se passe qualquer coisa de transcendente que lhes permita dizer que conhecem Deus. O que importa na realidade é controlar a nossa atividade cerebral e mental de tal modo que o cérebro se torne o receptáculo dos pensamentos e desejos da Alma ou Eu Superior, à medida que este lhos transmita por intermédio da mente. A mente é condicionada como da natureza do sexto sentido e o cérebro como uma placa receptiva. Estamos já utilizando os cinco sentidos como avenidas de percepção e eles telegrafam informação constante ao cérebro. Através deles a informação que diz respeito a cinco vastos campos de conhecimento, cinco espécies diferentes de vibrações, se torna acessível ao homem. Pretende-se que a mente sirva um propósito semelhante. Meister Eckhart resumiu na passagem seguinte o que representa a posição de todos os místicos em ambos os hemisférios:

"Primeiramente, vela para que os teus sentidos externos sejam devidamente controlados . . ; Agora, volta-te para os sentidos internos, os nobres poderes da alma, os inferiores e os superiores. Toma primeira os poderes inferiores. Eles são intermediários entre os poderes superiores e os sentidos externos. São excitados pelos sentidos externos; o que os olhos veem, o que os ouvidos ouvem, eles o apresentam ao desejo que, por seu turno, o apresenta ao segundo poder chamado julgamento, que o considera e, ainda uma vez, o passa ao terceiro poder, a razão ...

Um homem deve, acima de tudo, ter uma mente tranquila... o corpo deve estar repousado de todo o labor corporal, não apenas das mãos, mas ainda da língua, bem assim, dos cinco sentidos. É na calma que a alma se mantém mais clara; mas um corpo cansado é muitas vezes vencido pela inércia. Então, concentrando os nossos esforços, trabalhamos no amor divino para a visão intelectual, até que, abrindo o caminho através dos sentidos recolhidos, elevamo-nos, ultrapassando nossa própria mente, até a maravilhosa sabedoria de Deus... O homem, elevando-se até o cimo da sua mente, é Deus exaltado." (10)

Por meio da mente como instrumento dirigido, a alma pode manejar os impulsos ou correntes de pensamento. Estas forças afluem no campo da experiência do Pensador e este deve aprender a dirigi-los conscientemente, para trabalhar com elas a fim de obter o resultado desejado.

O quinto fator lembra-nos que é preciso atingir certo estado de desenvolvimento evolutivo, antes que a prática da meditação seja possível; certo trabalho deve ter sido realizado e certos aperfeiçoamentos em nosso instrumento feitos, antes que um homem possa meditar sem perigo e sabiamente. Nem todos os indivíduos estão equipados para meditar com a garantia de um sucesso pleno, o que não deve de modo nenhum desencorajar o aluno. Pode-se sempre começar e lançar fundações sólidas. O controle dos processos mentais pode ser iniciado e levado a alto nível de conquista, possibilitando à alma dispor de um aparelho pronto para o uso. Em relação às 3 partes da meditação - mas agindo de maneira unificada - a natureza física, ou natureza da forma, foi estudada; a qualidade que a anima e o motivo ou causa da manifestação da forma foram considerados. Ao mesmo tempo, a concentração tornou-se cada vez mais profunda e a meditação mais intensa. A atenção mergulhou cada vez mais no interior e as coisas externas foram persistentemente negadas; isto não foi realizado através de uma atitude passiva, mas por um interesse extremamente aguçado e vivo. O método da meditação foi positivo e não terminou numa condição negativa ou de transe. A mente esteve ocupada todo o tempo, mas numa só direção. Finalmente vem o estado chamado bem-aventurança, ou identificação. A consciência já não está concentrada no intelecto, mas torna-se identificada com o objeto da meditação. Consideraremos isto mais tarde.

Temos, portanto, quatro estados que se sumarizam como segue, e constituem o que se chama "meditação com semente".

1 - Meditação sobre a natureza de uma particular forma;

2 - Meditação sobre a qual idade de uma particular forma;

3 - Meditação sobre o propósito de uma particular forma;

4 - Meditação sobre a vida que anima uma particular forma.

Todas as formas são símbolos de uma vida que as habita e é pela meditação "com semente" que chegamos ao aspecto vida.

Em "Um Tratado sobre o Fogo Cósmico", encontramos as seguintes palavras:

"O aluno sábio considera todas as formas como sendo de natureza simbólica. Um símbolo tem três interpretações; ele próprio é já a expressão de uma ideia e esta ideia, por sua vez, tem por detrás um propósito ou um impulso inconcebível por enquanto. As três interpretações de um símbolo podem ser tratadas da seguinte maneira:

1 - A interpretação exotérica de um símbolo está grandemente baseada em sua utilidade objetiva e na natureza da forma. O que é exotérico e substancial serve a dois propósitos:

a) Dar algumas indicações vagas quanto à ideia e ao conceito. Isto liga o símbolo... ao plano mental, mas não o liberta dos três mundos da apreciação humana.

b) Limitar, confinar e aprisionar a ideia e assim adaptá-la ao grau de evolução que o homem atingiu. A verdadeira natureza da ideia latente é sempre mais potente e mais completa que a forma ou o símbolo através do qual ela procura expressão. A matéria é o símbolo de uma energia central. As formas de todas as espécies em todos os reinos da natureza e os invólucros manifestados, na sua mais larga relação e totalidade, são apenas símbolos da vida, mas o que é esta Vida, permanece ainda um mistério.

2 - A interpretação subjetiva ou significação é a que revela a ideia que está por trás da manifestação objetiva. Esta ideia, incorpórea em si mesma, torna-se uma concreção no plano da objetividade... Estas ideias se tornam aparentes ao aluno após sua entrada em meditação, do mesmo modo que a forma exotérica do símbolo é tudo que o homem que está apenas iniciando, pode ver. Assim que o homem começa conscientemente a usar o seu equipamento mental e a fazer contato com a sua alma, ainda que pequeno, três coisas ocorrem:

a) Ele ultrapassa a forma e procura responder por ela.

b) Com o tempo chega à alma que a forma encobre, e isto pela compreensão da sua própria alma.

c) Começa então a formular ideias, a criar e manifestar essa energia ou substância da alma que ele descobre poder manipular.

Treinar as pessoas para trabalhar na substância mental, é prepará-las para criar; ensinar-lhes o conhecer a natureza da alma, é pô-las em contato consciente com o lado subjetivo da manifestação e dar-lhes a capacidade de trabalho com a energia da alma; proporcionar às pessoas o desenvolvimento dos poderes da alma, é colocá-las em relação com as forças e as energias ocultas em todos os reinos da Natureza. Quando o contato com a alma e as percepções subjetivas são fortalecidas e desenvolvidas, então pode um homem tornar-se um criador consciente, cooperando com os planos de Deus. À medida que passa pelos diferentes estágios, a sua capacidade de trabalhar assim e sua capacidade de alcançar o pensamento que está por trás de todos os símbolos e formas aumenta. Já não é mais enganado pela aparência, mas conhece-a como a forma ilusória que encobre, aprisiona e confina um pensamento qualquer.

3 - O significado espiritual é o que existe por detrás do sentido subjetivo e que está velado pela ideia ou pensamento, assim como a ideia está velada pela forma que ela assume durante a manifestação exotérica. Esta significação espiritual pode ser considerada como a intenção que ocasionou a ideia e a conduziu à sua emanação no mundo da forma. É a energia dinâmica central responsável pela atividade subjetiva...” (11)

É este processo de chegar à realidade que está por detrás de toda e qualquer forma que resulta da ''meditação com semente". Implica a compreensão destes três aspectos da Vida divina. Eis porque aconselha aos estudantes tomar para assunto de meditação certas palavras específicas, ou um verso tirado de um livro sagrado, a fim de desenvolver a sua faculdade de penetração por detrás da forma das palavras e atingir assim o seu verdadeiro significado.

Penetramos no mundo das causas; devemos procurar aprender o Plano como existe na mente de Deus, e tal como se exprime a si mesmo através do amor emanado do Coração de Deus. Será possível às mentes humanas ir além do amor e da vontade de Deus? Neste ponto, exatamente, a Divindade é contatada. A mente cessa de funcionar e o verdadeiro estudante de meditação passa a um estado de identificação consciente com esta realidade espiritual a que chamamos o Cristo Interno, a Alma divina. O homem, neste ponto, entra em Deus.

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1 Bailey, Alice A., A Luz da Alma, 11,1,2.
2 Maréchal, Joseph, Studies in the Psychology of the Mystics, p. 166.
3 Pfeiffer, Franz, Meister Eckhart, 196-T97.
4 Bhagavad-Gitâ, VI, p.34-35 e II, p.52-53.
5 Morgan, C. Lloyd, Emergent Evolution, p. 37.
6 Bailey, Alice A,,A Luz da Alma, III, 1.
7 Marichal, Joseph, Studies in the Psychology of the Mystics, p. 90.
8 Bailey, Alice A., Luz da Alma, III, 11.
9 Bhagavad-Gitâ, XIII, 13-14.
10 Pfeiffer, Franz, Meister Eckhart, pp. 279, 47.
11 Bailey, Alice A., Tratado sobre o Fogo Cósmico, pp. 123 e seguintes

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