Livros de Alice Bailey
OS TRABALHOS DE HÉRCULES
4º Trabalho
A Captura da Corça - Parte I
(Câncer, 21 de Junho - 21 de Julho)
O Mito
O grande Ser Que Presidia, que se sentava na Câmara do Conselho do Senhor, dirigiu-se ao Mestre em pé ao seu lado: “Onde está o filho do homem que é o filho de Deus? Como se está saindo? Como tem sido testado e com que serviço se ocupa ele agora?”
Volvendo os olhos para o filho do homem que é um filho de Deus, respondeu o Mestre: “Neste momento, nenhum, oh Grande Ser. A terceira grande prova forneceu vasto material para alimentar um estudante como ele. Ele medita e reflete”.
“Submetei-o a uma prova que exija dele a mais sábia escolha. Enviai-o a trabalhar num campo onde ele precise decidir qual a voz, entre todas as muitas vozes, que despertará a obediência de seu coração. Submetei-o a uma prova que também seja de grande simplicidade no plano exterior, e ainda assim uma prova que desperte, no lado interno da vida, a plenitude de sua sabedoria e a correção de seu poder de escolha. Que ele dê início à quarta prova.”
Hércules postou-se diante do quarto grande Portão; um filho do homem e contudo um filho de Deus. A princípio havia profundo silêncio. Ele não pronunciou qualquer palavra nem emitiu qualquer som. Para além do Portão descortinava-se a bela paisagem e, no horizonte distante, erguia-se o templo do Senhor, o santuário do Deus-Sol, as cintilantes ameias. No cimo de uma colina próxima viu um esguio cervo. E Hércules, que é um filho do homem e contudo um filho de Deus, a tudo observava, olhos e ouvidos atentos, e então ouviu uma voz, a voz partia daquele círculo brilhante da lua que é a morada de Ártemis. E a bela Ártemis dirigiu, ao filho do homem, palavras de advertência:
“A corça é minha, portanto não toque nela. Por longos anos eu a alimentei e cuidei dela quando jovem. O cervo é meu e meu deve permanecer.”
Então, de um salto surgiu Diana, a caçadora dos céus, a filha do sol. Pés calçados de sandálias, em passos largos movendo-se em direção ao cervo, também ela reclamou a sua posse.
“Não, Ártemis, belíssima donzela, não; o cervo é meu e meu deve permanecer”, disse ela. “Até hoje ele era jovem demais, mas agora ele pode ser útil. A corça de galhada de ouro é minha, e minha permanecerá.”
Hércules, de pé entre os pilares do Portão, observava e ouvia a disputa e perguntava-se por que as donzelas lutavam pela posse da corça.
Uma outra voz atingiu-lhe os ouvidos, uma voz de comando que dizia: “A corça não pertence a nenhuma das duas donzelas, oh Hércules, mas sim ao Deus cujo santuário podes ver sobre aquele monte distante. Salva-a, e leva-a para a segurança do santuário, e deixa-a lá. Coisa simples de se fazer, oh filho do homem, contudo (e reflete bem sobre minhas palavras) sendo tu um filho de Deus, deves ir à sua procura e agarrar a corça. Vai.”
De um salto atravessou Hércules o quarto Portão, deixando para trás todos os presentes recebidos para que não o embaraçassem durante a rápida caçada que o esperava. À distância, as donzelas em disputa tudo observavam. Ártemis, a bela, apoiada na lua e Diana, a bela caçadora dos bosques de Deus, seguia os movimentos da corça e, quando surgia uma oportunidade, ambas iludiam Hércules, procurando anular seus esforços. Ele perseguiu a corça de um ponto a outro e cada uma delas sutilmente o enganava. E assim o fizeram muitas e muitas vezes.
Durante um ano inteiro, o filho do homem que é um filho de Deus, seguiu a corça por toda a parte, captando rápidos vislumbres de sua forma, apenas para descobrir que ela desaparecera na segurança dos densos bosques. Correndo de uma colina para outra, de bosque em bosque, Hércules a perseguiu até que à margem de uma tranquila lagoa, estendido sobre a relva ainda não pisada, ele viu-a a dormir, exausta pela fuga. Com passos silenciosos, mão estendida e olhar firme, ele lançou uma flecha, ferindo-a no pé. Reunindo toda a vontade de que estava possuído, aproximou-se da corça, e ainda assim, ela não se moveu. Assim ele foi até ela, tomou-a nos braços, e enlaçou-a junto ao seu coração, enquanto Artemis e a bela Diana o observavam.
“Terminou a busca”, bradou ele. “Para a escuridão do norte fui levado e não encontrei a corça. Lutei para abrir meu caminho através de cerradas, profundas matas, mas não encontrei a corça; e por lúgubres planícies e áridas regiões e selvagens desertos eu persegui a corça, e ainda assim não a encontrei. A cada ponto alcançado, as donzelas desviavam meus passos, porém eu persisti, e agora a corça é minha! A corça é minha!
“Não, não é, oh Hércules,” disse a voz daquele que permanece próximo ao grande Ser Que Preside no interior da Câmara do Conselho do Senhor. A corça não pertence a um filho do homem, mesmo embora sendo um filho de Deus. Carrega a corça para aquele distante santuário onde habitam os filhos de Deus e deixa-a lá com eles.
“Por que tem que ser assim, oh sábio Mestre? A corça é minha; minha, porque muito peregrinei à sua procura, e mais uma vez minha, porque a carrego junto ao coração.”
“E não és tu um filho de Deus, embora um filho do homem? E não é o santuário também a tua morada? E não compartilhas tu da vida de todos aqueles que lá habitam? Leva para o santuário de Deus a corça sagrada, e deixa-a lá, oh filho de Deus.”
Então, para o santuário sagrado de Micenas, levou Hércules a corça; carregou-a para o centro do lugar santo e lá a depositou. E ao deitá-la lá diante do Senhor, notou o ferimento em seu pé, a ferida causada pela flecha do arco que ele possuíra e usara. A corça era sua por direito de caça. A corça era sua por direito de habilidade e destreza de seu braço. “Portanto a corça é duplamente minha,” disse ele.
Porém Ártemis, que se achava no pátio externo do sacratíssimo lugar ouviu seu brado de vitória e disse:
“Não, não é. A corça é minha, e sempre foi minha. Eu vi sua forma, refletida na água; eu ouvi seus passos pelos caminhos da terra; eu sei que a corça é minha, pois todas as formas são minhas.”
Do lugar sagrado, falou o Deus-Sol. “A corça é minha, não tua, oh Ártemis! Seu espírito está comigo por toda a eternidade, aqui no centro deste santuário sagrado. Tu, Ártemis, não podes entrar aqui, mas sabes que eu digo a verdade. Diana, a bela caçadora do Senhor, pode entrar por um momento e contar-te o que vê.
A caçadora do Senhor entrou por um breve momento no santuário e viu a forma daquilo que fora a corça, jazendo diante do altar, parecendo morta. E com tristeza ela disse: “Mas se seu espírito permanece contigo, oh grande Apoio, nobre filho de Deus, então sabes que a corça está morta. A corça está morta pelo homem que é um filho do homem, embora seja um filho de Deus. Por que pode ele passar para dentro do santuário enquanto nós esperamos pela corça lá fora?”
“Porque ele carregou a corça em seus braços, junto ao coração, e a corça encontra repouso no lugar sagrado, e também o homem. Todos os homens são meus. A corça é igualmente minha; não vossa, nem do homem, mas minha.”
E Hércules, retornando da prova, atravessou novamente o Portão, e encontrou o caminho, de volta ao mestre de sua vida.
“Cumpri a tarefa indicada pelo grande Ser Que Presidia. Foi simples, a não ser pelo longo tempo gasto e o cansaço da busca. Não dei ouvidos àqueles que faziam exigências, nem vacilei no Caminho. A corça está no lugar sagrado, junto ao coração de Deus, da mesma forma que, na hora da necessidade, está também junto ao meu coração.”
“Vai olhar de novo, oh Hércules, meu filho, entre os pilares do Portão.” E Hércules obedeceu. Além do Portão descortinavam-se os belos contornos da região e no horizonte distante erguia-se o templo do Senhor, o santuário do Deus-Sol, de ameias cintilantes. E numa colina próxima via-se uma esguia corça.
“Realizei a prova, oh sábio Mestre? A corça está de volta sobre a colina onde eu a vi anteriormente.”
E, partindo da Câmara do Conselho do Senhor, onde se sentava o grande Ser Que Presidia, ouviu-se uma voz: “Muitas e muitas vezes precisam todos os filhos dos homens, que são os filhos de Deus, sair em busca da corça de cornos de ouro e carregá-la para o lugar sagrado; muitas, muitas vezes.”
Então, disse o Mestre, ao filho do homem que é um filho de Deus: “O quarto trabalho está terminado, e devido à natureza da prova e devido à natureza da corça, a busca tem que ser frequente. Não te esqueças disto; medita sobre a lição aprendida.” (O Tibetano)
Síntese dos Signos
Caranguejo é o último do que poderíamos chamar dos quatro signos preparatórios, seja quando estamos considerando a involução, a descida da alma para a matéria, ou seja a evolução do aspirante, à medida que ele se esforça para subir do reino humano para o reino espiritual. Sendo equipado com a faculdade da mente, em Carneiro, e com o desejo, em Touro, e tendo chegado à compreensão de sua dualidade essencial, em Gêmeos, o ser humano encarnado entra, através do nascimento, em Caranguejo, no reino humano.
Câncer é um signo da massa, e as influências que dele fluem são consideradas por muitos esoteristas como causadoras da formação da família humana da raça, da nação e da unidade familiar. No que diz respeito ao aspirante, a história é um pouco diferente, uma vez que nestes quatro signos ele prepara seu equipamento e aprende a utilizá-lo. Em Carneiro ele se apossa de sua mente e procura submetê-la às suas necessidades, aprendendo o controle mental. Em Touro, “a mãe da iluminação”, ele recebe o primeiro lampejo daquela luz espiritual cujo brilho aumentará progressivamente à medida que ele se aproxima de sua meta. Em Gêmeos, ele não só se apercebe dos dois aspectos de sua natureza, como o aspecto imortal começa a crescer às custas do mortal.
Agora, em Caranguejo, ele tem seu primeiro contato com aquele sentido mais universal que é o aspecto superior da consciência da massa. Equipado, pois, com uma mente controlada, com uma capacidade para registrar a iluminação, habilidade para estabelecer contato com seu aspecto imortal e reconhecer intuitivamente o reino do espírito, ele está agora pronto para o trabalho maior.
Nos quatro signos seguintes, que poderíamos considerar como os signos da luta, no plano físico, para alcançar a conquista espiritual, está retratada a tremenda batalha por meio da qual o indivíduo autoconsciente, emergindo da massa em Câncer, reconhece-se como um indivíduo em Leão, o Cristo em potencial em Virgem, o aspirante esforçando-se para equilibrar os pares de opostos em Balança, e aquele que vence a ilusão, em Escorpião. Estes são os quatro signos de crise e de imenso esforço. Neles todos, a iluminação, a intuição e o poder da alma de que Hércules, o aspirante, é capaz, são utilizados ao máximo. Tudo isto tem seu reflexo, também, no arco involucionário, e podemos acompanhar uma sequencia semelhante de desdobramento. A alma alcança a individualidade em Leão, torna-se a nutriz de ideias e de capacidades em potencial em Virgem, oscila violentamente de um extremo a outro em Balança, e é submetida ao efeito disciplinador do mundo da ilusão e da forma em Escorpião.
Nos quatro últimos signos, temos os signos da conquista espiritual. O aspirante conseguiu, com seu esforço, sair do mundo da miragem e da forma, e em sua conscientização está livre destas limitações. Agora ele pode ser o arqueiro em Sagitário, avançando direto para a meta; agora ele pode ser o bode em Capricórnio, escalando o monte da iniciação; agora ele pode ser trabalhador do mundo em Aquário, e o salvador do mundo em Peixes. Assim ele pode reunir em si mesmo todos os ganhos do período preparatório e das batalhas duramente travadas nos quatro signos de penosa atividade; e nos quatro signos finais demonstrar os ganhos conseguidos e os poderes desenvolvidos.
Este breve resumo dos signos, no que eles afetam Hércules, servirá para dar uma ideia da maravilhosa síntese do quadro, e da firme progressão e do desdobramento controlado das várias forças que sutilmente desempenham a sua parte para produzir as mudanças na vida do homem.
Três palavras resumem a autopercepção objetiva ou do aspecto consciente do ser humano em evolução: instinto, intelecto e intuição. O signo que estamos agora estudando é o signo do instinto; mas a sublimação do instinto é a intuição. Assim como a matéria tem que ser elevada ao céu, o instinto igualmente tem que ser elevado, e quando foi assim transcendido e transmutado, ele se manifesta como intuição (simbolizado pela corça). O estágio intermediário é o do intelecto. A grande necessidade de Hércules agora é desenvolver a intuição e familiarizar-se com aquele reconhecimento instantâneo da verdade e realidade que é a alta prerrogativa e o potente fator na vida de um liberto filho de Deus.
Significado da História
Vemos, pois, que Euristeu mandou que Hércules capturasse a corça de galhada de ouro. A palavra “hind” origina-se de um antigo termo gótico que significa “aquilo que tem de ser agarrado”, isto é, algo que é esquivo e difícil de ser preso e guardado. Para Artemis, a deusa da lua, este gamo (*) era sagrado; mas Diana, a caçadora dos céus, a filha do sol, também o queria e ambas disputavam a sua posse. Hércules aceitou o encargo que Euristeu lhe dera e partiu para a captura da delicada corça. Perseguiu-a durante um ano inteiro, vagando de uma floresta a outra, vislumbrando-a num rápido relance para em seguida perdê-la novamente de vista. Os meses se passavam e ele não conseguia agarrá-la. Finalmente seus esforços foram coroados de êxito, ele capturou o gamo, atirou-o sobre o ombro e “manteve-o aninhado junto ao coração”, carregando-o para o templo sagrado em Micenas, onde o colocou diante do altar, no lugar sagrado. Então afastou-se, contente com o sucesso de sua missão.
Entre as histórias esta é uma das mais curtas, mas embora poucas coisas sejam ditas, este trabalho, quando refletimos sobre ele, é de profundo interesse e da maior importância a lição que ele encerra. O aspirante não obtém sucesso até que tenha transmutado instinto em intuição, nem há uso correto do intelecto enquanto a intuição não está presente para interpretar e ampliar o intelecto e produzir a realização. Então, o instinto estará subordinado a ambos.
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(*) Hind ou doe - corça ou cervo ou gamo, no original em inglês.