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BHAGAVAD-GITA


CAPÍTULO XIV: Os Três Modos da Natureza Material

Pérola 73. A SABEDORIA SUPREMA (versos 1 a 4)

1. A Suprema Personalidade de Deus disse: Volto a te expor esta sabedoria suprema, o melhor entre todos os conhecimentos, conhecendo a qual todos os sábios atingiram a perfeição suprema.

2. Fixando-se neste conhecimento, a pessoa pode alcançar a natureza transcendental, igual à Minha. Nessa situação, ela não nasce no momento da criação nem é perturbada no momento da dissolução.

3. A totalidade da substância material, chamada Brahman, é a fonte de nascimento, e é esse Brahman que Eu fecundo, possibilitando os nascimentos de todos os seres vivos, ó filho de Bharata.

4. Ó filho de Kunti, deve-se compreender que é com o nascimento nesta natureza material que todas as entidades vivas, em todas as espécies de vida, tornam-se possíveis, e que Eu sou o pai que dá a semente.

Como discutimos anteriormente, este mundo é uma combinação entre a alma espiritual e o corpo material. Existem os vinte e quatro elementos materiais que compõem a natureza material e são chamados de mahat-brahma, ou o grande Brahman. Esta natureza material pode ser comparada ao ventre de uma grande mãe e o Senhor é comparado ao Pai Supremo que fecunda a semente (na forma de entidades vivas) na natureza material. Dessa maneira, as diferentes entidades vivas surgem em várias espécies de vida de acordo com suas atividades passadas e, devido a associação com os modos da natureza material, elas se tornam enredadas neste mundo material. Isto significa que qualquer candidato ao desenvolvimento espiritual tem de conhecer estes modos, saber como eles atuam e aprender a livrar-se deles. Evidentemente, ninguém pode compreender claramente isto através de seu simples esforço intelectual. O próprio fato de estar influenciado pelos modos da natureza já desqualifica alguém para entender este tópico tão importante que aqui é descrito aqui como "o melhor entre todos os conhecimentos". Além disso, a importância deste capítulo é tamanha que, para despertar-nos maior interesse, o Senhor afirma que muitos sábios alcançaram a perfeição por conhecer este tema. Portanto, só mesmo uma pessoa que já esteja livre da influência destes três modos é que pode compreender este conhecimento perfeitamente e pode transmiti-lo sem a menor distorção. Aqui, portanto, iremos constatar que praticamente só o Senhor Krishna está nessa posição transcendental, por isso Ele está diretamente nos outorgando tal conhecimento sublime.

Qualquer conhecimento obtido neste mundo está sob a influência dos três modos da natureza, mas o conhecimento do Bhagavad-gita é conhecimento completamente transcendental por que foi transmitido pela Transcendência Suprema, e este conhecimento tem como propósito nos colocar exatamente nesta mesma posição.

Pérola 74. AS QUALIDADES DOS MODOS DA NATUREZA (versos 5 a 18)

5. A natureza material consiste em três modos – bondade, paixão e ignorância. A entrar em contato com a natureza, ó Arjuna de braços poderosos, a entidade viva eterna condiciona-se a esses modos.

6. Ó pessoa virtuosa, o modo da bondade, sendo mais puro que os outros, ilumina, livrando a pessoa de todas as reações pecaminosas. Aqueles que estão situados neste modo condicionam-se a uma sensação de felicidade e conhecimento.

7. O modo da paixão nasce de desejos e anseios ilimitados, ó filho de Kunti, e por causa disso a entidade viva corporificada está presa às ações fruitivas materiais.

8. Ó filho de Bharata, fica sabendo que no modo da escuridão, nascido da ignorância, todas as entidades vivas corporificadas ficam iludidas. Os resultados deste modo são a loucura, a indolência e o sono, que atam a alma condicionada.

9. Ó filho de Bharata, o modo da bondade condiciona o homem à felicidade; a paixão o condiciona à ação fruitiva; e a ignorância, cobrindo seu conhecimento, o ata à loucura.

10. Às vezes, o modo da bondade se torna preeminente, derrotando os modos da paixão e da ignorância, ó filho de Bharata. Às vezes, o modo da paixão sobrepuja a bondade e a ignorância, e outras vezes a ignorância derrota a bondade e a paixão. Dessa maneira, há sempre competição pela supremacia.

11. As manifestações do modo da bondade podem ser experimentadas quando todos os portões do corpo são iluminados pelo conhecimento.

12. Ó melhor entre os Bharatas, quando há um aumento do modo da paixão, desenvolvem-se sintomas de grande apego, atividade fruitiva, esforço intenso e anseio incontroláveis.

13. Quando predomina o modo da ignorância, ó filho de Kuru, manifestam-se escuridão, inércia, loucura e ilusão.

14. Quando alguém morre no modo da bondade, ele atinge os planetas superiores puros, onde residem os grandes sábios.

15. Quando alguém morre no modo da paixão, ele nasce entre os que se ocupam em atividades fruitivas; e quando morre no modo da ignorância, nasce no reino animal.

16. O resultado da ação piedosa é puro e se diz que está no modo da bondade. Mas a ação feita no modo da paixão resulta em miséria, e a ação executada no modo da ignorância resulta em tolice.

17. Do modo da bondade, desenvolve-se o verdadeiro conhecimento; do modo da paixão, desenvolve-se a cobiça; e do modo da ignorância, desenvolvem-se a tolice, a loucura e a ilusão.

18. Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas superiores; aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres; e aqueles no abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais.

Como ficará bastante claro neste capítulo, a natureza material influencia todas as entidades vivas de três diferentes modos: bondade, paixão e ignorância. Sob a influência do modo da bondade, uma pessoa sente maior sensação de felicidade e naturalmente sente-se atraída pelo avanço em conhecimento. Ela gradualmente se livra das atividades pecaminosas e, conseqüentemente, de suas reações, o que faz com que ela não sinta tanto as misérias deste mundo. Isto, na verdade, se torna até um problema para ela, por que ela acaba ficando induzida a se sentir superior aos outros. Devido ao conhecimento superior adquirido, tais pessoas têm a forte tendência de ficarem orgulhosas de suas posições e, assim, permanecem atadas de alguma maneira a este mundo material. Elas não sentem necessidade de tentarem libertar-se do cativeiro material e, por isso, ficam reencarnando em diferentes espécies de vida sob a influência da bondade. Devido à ilusão que a energia material lhes impõe, elas pensam que uma vida como cientista, filósofo ou poeta é agradável e não consideram que a verdadeira meta da vida é ser transferidos ao mundo espiritual. O modo da bondade é considerado o mais puro de todos e quanto mais aumenta sua influencia na pessoa, mais ela se torna limpa interna e externamente. Sua visão se torna cada vez mais correta e seus sentidos, tais como o paladar e a audição, mais refinados. Além disso, se a pessoa abandona o seu corpo sob a influencia do modo da bondade, ela será promovida aos planetas superiores, onde o desfrute dos sentidos é celestial.

Uma entidade viva sob a influência do modo da paixão tem grande anseio pelo prazer material. Assim, a principal característica da paixão é a atração entre o homem e a mulher. Uma pessoa na paixão tem a tendência de trabalhar arduamente e deseja constituir uma família feliz, com filhos belos e muitas condições propícias ao desfrute. Ela é geralmente muito apegada ao poder, prestígio e falsas honrarias e por isso tem que viver o tempo todo com bastante ansiedade. A característica da paixão é que uma pessoa sob sua influência nunca se sente feliz com a posição adquirida, pois suas propostas de gozo dos sentidos são intermináveis. Pode ser que esta pessoa declare ser feliz, mas sua felicidade é ilusória e só existe dentro de sua mente. Ela não pára de desejar e, por isso, acaba envolvendo-se com uma vida miserável. Tal pessoa apaixonada está sempre presa a uma vida de cobiça excessiva e, mesmo que tenha condições financeiras favoráveis para o desfrute, ela não pode experimentar tal felicidade por que não possui paz de espírito. Ela vive traçando planos e projetos para conseguir muito dinheiro e tem de se submeter a um constante esforço físico excessivo. Se uma pessoa, portanto, abandona seu corpo sob a influência da paixão, possivelmente ela voltará à forma humana de vida no planeta terrestre. Logicamente, isto irá depender do acúmulo de atividades piedosas ou pecaminosas que tenha executado.

O modo da ignorância é exatamente o oposto do modo da bondade – nada de conhecimento, nada de limpeza e nada de felicidade. A influência da ignorância degrada a pessoa, levando-a à loucura, e tal pessoa não pode entender as coisas como elas são. Tais pessoas são preguiçosas e relutam muito em receber qualquer instrução superior. Elas nem sequer são ativas com as pessoas no modo da paixão. Pelo contrário, sob a influência da ignorância, uma pessoa é indolente e tem grande propensão ao uso de drogas, bebidas alcoólicas e é muito adicta ao sono excessivo. Uma característica da ignorância é a propensão a entregar-se à matança de animais com o único propósito de satisfazer a exigências da língua. Certamente, o abate de animais inocentes é o mais grosseiro ato de ignorância. Na ignorância, a pessoa não é capaz de planejar sua vida e não tem metas superiores. Ela nunca se esforça para obter nada e é uma pessoa tola e sem inteligência. Suas atividades acabam resultando em miséria e uma pessoa que morre na ignorância perde a oportunidade que a vida humana lhe oferece e é forçada a nascer no reino animal ou em planetas infernais.

Pérola 75. O SENHOR É SEMPRE TRANSCENDENTAL (versos 19 a 20)

19. Quando alguém vê corretamente que em todas as atividades o único agente que está em ação são estes modos da natureza e quando conhece o Senhor Supremo, que é transcendental a todos estes modos, ele então alcança Minha natureza espiritual.

20. Quando é capaz de transcender estes três modos associados com o corpo material, o ser corporificado pode libertar-se do nascimento, da morte, da velhice e dos sofrimentos que são inerentes a eles, e mesmo nesta vida pode gozar o néctar.

Aqui se explica que, mesmo estando neste mundo material, uma pessoa poderá permanecer transcendental aos modos da natureza. Para isso, é necessário desenvolver sua consciência de Krishna. Como foi mencionado anteriormente, uma pessoa em consciência de Krishna desenvolveu uma visão diferente a respeito deste mundo, pois foi dotada com olhos de conhecimento. Tal pessoa compreende muito bem que o ser vivo não é o autor de suas atividades. Ela compreende que o ser vivo recebeu um corpo de acordo com seu karma e, assim, é forçado a agir conduzido pelos modos da natureza que ele adquiriu. Por isto, uma pessoa em consciência de Krishna segue as instruções dadas pelo Senhor no Capítulo Sete, onde se afirma que somente tornando-se uma alma rendida ao Senhor é que se pode superar a influência dos modos da natureza. Isto significa, portanto, que se quisermos nos livrar da influência dos modos da natureza, teremos que reconhecer o Senhor Supremo como a fonte transcendental de conhecimento e nos render a Ele. Esta rendição nos coloca além da influência material e nos permite saborear a felicidade natural da vida espiritual. Em outras palavras, o problema não se limita em estar neste mundo ou não; ou em se ter ou não um corpo material. O problema reside na forma que estamos utilizando este corpo ou no tipo de atividades que estamos executando neste mundo. Se utilizamos este corpo material a serviço do Senhor e ajustamos nossas atividades para Sua satisfação, certamente estaremos livre do enredamento material e iremos saborear o néctar espiritual da vida sublime em consciência de Krishna.

Pérola 76. OS SINTOMAS DA PESSOA TRANSCENDENTAL (versos 21 a 25)

21. Arjuna perguntou: Ó meu querido Senhor, através de quais sintomas reconhece-se quem é transcendental a estes três modos? Qual é seu comportamento? E como ele transcende os modos da natureza?

22-25. A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó Filho de Pandu, aquele que não odeia a iluminação, o apego e a ilusão quando estão presentes nem os deseja quando desaparecem; que não se abala nem se perturba com quaisquer das reações das qualidades materiais, permanecendo neutro e transcendental; sabendo que os modos é que são ativos; que está situado no eu e tem o mesmo comportamento diante da felicidade e sofrimento; que olha para um torrão de terra, uma pedra e um pedaço de ouro com a mesma visão; que é igual para o desejável e o indesejável; que é estável, igual no louvor e na repreensão, honra e desonra; que dá o mesmo tratamento tanto ao amigo quanto ao inimigo; e que renunciou a todas as atividades materiais – diz-se que essa pessoa transcendeu os modos da natureza.

Como um estudante bastante qualificado, Arjuna revela aqui o seu desejo de compreender os sintomas de uma pessoa transcendental aos modos da natureza material, qual o comportamento desta pessoa e como ela consegue atingir esta plataforma transcendental de existência. Este tema é muito importante para alguém que queira atingir esta condição de vida espiritual, pois, a não ser que saiba as respostas a estas perguntas, ele não terá um ponto de referência.

O Senhor Krishna começa explicando que uma pessoa que transcendeu os modos da natureza é livre da inveja. Como já foi afirmado, neste mundo existem diferentes classes de pessoas. Na bondade, as pessoas tornam-se iluminadas; na paixão, elas são muito apegadas às coisas materiais e na ignorância são tolas e iludidas, mas uma pessoa transcendental não se importa com isto. Ela nem inveja alguém que esteja materialmente bem situado e nem odeia uma pessoa com características nefárias. Ela permanece neutra, pois sabe que tudo está sendo conduzido pela influência da natureza material. Mesmo que alguém, sob a influência da energia ilusória do Senhor, coloque-se numa posição de como amigo ou inimigo, uma pessoa na plataforma transcendental dá a ambos o mesmo tratamento amistoso. Ser criticado ou elogiado neste mundo é inevitável, mas uma pessoa transcendental está numa condição de existência plena e não ganha nada ao ser elogiada e nem perde nada ao ser criticada. Por isso, ela nunca se abala diante das dualidades deste mundo. Certamente, tal pessoa está muito além das atividades materiais e suas reações e sempre permanece desapegada e mansa diante de qualquer coisa que aconteça. Por estar em consciência de Krishna, tal pessoa atingiu igualdade com Krishna. Por isso, ela nunca se deixa afetar diante das condições políticas e sociais e não tem necessidade de obter nada deste mundo, quer seja lixo ou ouro.

Pérola 77. A CONDIÇÃO DA EXISTÊNCIA LIBERADA (versos 26 a 27)

26. Aquele que se ocupa em serviço devocional pleno e não falha em circunstância alguma transcende de imediato os modos da natureza material e chega então ao nível de Brahman.

27. E Eu sou a base do Brahman impessoal, que é imortal, imperecível e eterno e é a posição constitucional da felicidade última.

Aqui encontramos a resposta do Senhor à pergunta de Arjuna de como uma pessoa consegue transcender os modos da natureza material. Tal pessoa terá que tirar sua consciência das atividades materiais e transferi-la para as atividades relacionadas com Krishna. Esta atividade de intercâmbio amoroso entre o Senhor e Seu devoto é conhecida como bhakti-yoga, ou serviço devocional, e é o único meio de se alcançar a plataforma transcendental. O Senhor é transcendental aos modos e se uma pessoa se absorve no serviço ao Senhor e se une à Ele com devoção, certamente ocupará uma posição transcendental semelhante. No entanto, o Senhor especifica aqui que tal serviço devocional tem que estar em seu estado pleno, o que significa que o devoto não deve prestar serviço ao Senhor com propósitos materiais. Na verdade, para se prestar serviço devocional ao Senhor, o devoto precisa estar na plataforma transcendental conhecida como Brahman ou, em outras palavras, precisa estar livre das contaminações materiais, tais como a especulação filosófica e os interesses fruitivos. O Senhor é o Param Brahma, ou seja, o supremo Brahman, e o devoto deve atingir a qualificação de Brahman para se relacionar com o Senhor. Este conceito de Brahman é considerado a primeira etapa no serviço devocional. Além deste nível de Brahman, pode-se expandir a compreensão até se chegar ao estágio do Paramatma, ou Superalma, e, ao progredir ainda mais, chega-se à percepção de Bhagavan, ou a Suprema Personalidade de Deus. Mas, como Bhagavan Sri Krishna é a base deste Brahman, o devoto pode atingi-lo naturalmente, caso se ocupe completamente em Seu serviço devocional. Na verdade, no Srimad-Bhagavatam se afirma que mesmo chegando ao estágio de Brahman impessoal, a pessoa estará correndo grande risco de cair de sua posição transcendental, caso não continue progredindo até a realização final da Pessoa Suprema, Sri Krishna. Aqui se afirma que este Brahman é eterno e imperecível. Deve ficar claro, portanto, que a felicidade eterna e imperecível proveniente deste Brahman também está incluída no serviço devocional ao Senhor.

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