O Caminho Real

Caminho de Peregrinação de Ouro Preto a Diamantina
"A vida ou é uma audaciosa aventura, ou é nada." (Helen Keller)

Uma rota de magia, mistérios e de exuberante beleza natural no desenrolar do processo histórico de desbravamento e construção da cultura de parte da nossa história.


Quarto Dia - De Milho Verde a Diamantina

7:00 h
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Não importa se estão defasados ou não. Os galos são infalíveis e mais uma vez brindaram com sua cantilena pela madrugada. O dia amanhece muito luminoso, prometendo uma jornada alegre e carregada de expectativas. Completando o caminhar noturno, o caminhante anônimo vai até a borda adjacente do campo em frente da pousada e depara com uma bela visão do vale que se estende à sua frente. A sua mente, ainda harmônica proporcionada pela mansidão noturna, percebe que duas grandes e dramáticas histórias têm sido conservadas diante dos olhos dos Homens ao longo do tempo. Na história de Hércules relata-se o papel do aspirante no Caminho do Discipulado, onde é retratada, em qualquer época, a natureza do treinamento e realizações que caracterizam o homem que se aproxima da libertação, quando definitivamente toma em suas mãos a natureza inferior e, voluntariamente, submete-a à disciplina que fará emergir o divino. Nos seus esforços retratam-se as experiências preparatórias do grande ciclo final da Iniciação, prontamente respondidas pelo homem que aspira. Na vida e obra de Jesus, o Cristo, esse radiante e perfeito Filho de Deus, que “penetrou o véu por nós, deixando-nos o exemplo para que seguíssemos seus passos”, temos retratadas as cinco etapas do Caminho da Iniciação, que são os episódios culminantes para os quais os trabalhos de Hércules preparam o discípulo. O oráculo falou e, através dos tempos, se tem ouvido a palavra: “Homem, conhece-te a ti mesmo.” Este conhecimento é a mais importante realização no Caminho do Discipulado, e a recompensa de todo o trabalho realizado.
7:30 h
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O café já está servido quando o caminhante volta ao âmbito da pousada e alegremente saboreia as iguarias servidas. O grupo, ainda disperso, está absorto nos preparativos do dia.
8:00 h
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Lentamente, o grupo afina os preparativos para a partida. A disposição da Dona Margot e da Dona Gaia, proprietárias da pousada, para a conversação é estimulante à lentidão.

Na mente do caminhante anônimo a interrogação é prontamente respondida. O discipulado é a etapa final do caminho da evolução e aquele período na experiência do Homem no qual ele chega a ser definitivamente autoconsciente. É a etapa na qual ele, intencionalmente, se compromete a impor a si mesmo a vontade da alma - que é essencialmente a vontade de Deus - sobre a natureza inferior. Neste caminho ele submete-se a um processo forçado, para que a flor da alma possa desabrochar mais rapidamente. A inevitabilidade da perfeição humana sustenta sua disposição para entrar no caminho. Esta perfeição pode ser alcançada de duas maneiras. Pode ser o resultado do lento e contínuo crescimento evolutivo, levado avante sob o efeito das leis da natureza, ciclo após ciclo, até que, gradualmente, o Deus oculto possa ser visto, no homem e no universo. Ou pode ser o resultado de sistemática aplicação e disciplina por parte do aspirante, o que produz um desabrochar mais rápido do poder e vida da alma.

É hora de partir para Diamantina. O percurso é de muita beleza, de subidas e descidas íngremes. Estamos no platô da Serra do Espinhaço, com vales escarpados e talvegues grandiosos. O complexo rochoso apresenta a singularidade do mosaico claro/escuro característico da região, refletindo uma maravilhosa luminosidade nos dias ensolarados. Não demora muito e chega-se ao vilarejo de São Gonçalo do Rio das Pedras, onde chama a atenção o calçamento de rua com enormes pedras brancas.
9:15 h
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Do alto da íngreme escarpa rochosa avista-se o leito do jovem e revolto Rio Jequitinhonha que passa pelo “canyon” majestosamente esculpido na rocha. Para-se antes da ponte para um momento de rara beleza. É uma visão agreste, mas agradável, majestosa, cativante, empolgante.

A mente do caminhante anônimo aproveita a magia do local que mostra-lhe alguns importantes enunciados.

“A natureza expressa energias invisíveis através de formas visíveis”. Por trás do mundo fenomênico objetivo, humano ou solar, pequeno ou grande, orgânico ou não, estende-se um mundo subjetivo de forças, o qual é responsável pela forma externa. Por trás da concha material externa encontra-se um vasto império da EXISTÊNCIA, e é neste mundo de energias vivas que tanto a religião quanto a ciência estão agora penetrando. Todas as coisas externas e tangíveis são símbolos de forças criativas internas, e é esta ideia que serve de fundamento a toda simbologia. Um símbolo é uma forma externa e visível de uma realidade espiritual interna.

“A concepção de uma Deidade oculta jaz no coração de todas as religiões.” Esta é a realização mística e o objetivo da busca que a humanidade tem empreendido desde o início dos tempos. Os expoentes das religiões mundiais personificam nos seus ensinamentos um aspecto da busca, aceitando o fato de Deus como premissa básica, e pelo amor, devoção e adoração de seus corações, provando a realidade de sua Existência. O testemunho dos místicos de todas as épocas e raças é tão vasto que agora, por si mesmo, constitui um corpo de fatos comprovados e não pode ser contestado.

No transcurso dos tempos têm soado as palavras: “Eu sou aquele... que desperta o observador silencioso.” Tornou-se claro para os pesquisadores em todos os campos que no interior de todas as formas há um impulso para a expressão inteligente, e uma certa qualidade de vivência a que chamamos consciência, e que, na família humana, toma a forma de autoconsciência. Quando verdadeiramente desenvolvida, esta autoconsciência capacita o homem a descobrir que a Deidade oculta no universo é de natureza idêntica - embora muitíssimo superior em grau e consciência - à da Deidade oculta no seu interior. O homem pode, então, conscientemente tornar-se o Espectador, o Observador e o Percebedor. Ele não mais está identificado com o aspecto matéria, mas passa a ser Aquele que a usa como um meio de expressão.

Então, pode-se compreender o significado que a Deidade Cósmica pode exclamar: “Ouvi este grande segredo. Embora Eu esteja acima do nascimento e renascimento, ou Lei, sendo o Senhor de tudo que existe, pois tudo de mim emana, ainda assim Eu quero aparecer no meu próprio universo, e nasço, portanto, por meu Poder, e Pensamento, e Vontade.”

A vista não se cansa de apreciar a beleza agreste do local, mas...

9:40 h
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A encosta oposta do talvegue é vencida até o topo do vale e em pouco tempo alcança-se o lugarejo Vau, onde todas as casas estão fechadas e não se vê ninguém. Ao longo da rua, casas fechadas, obscuras. Nenhum movimento. Começa então uma longa subida e aos poucos vai sendo percebido o descortinar de um cenário de beleza indescritível. Ao alcançar o topo da serra, é preciso parar para deleite da vista e da alma. Como pode ser arquitetado e construído um cenário desta magnitude?

Contemplando a imensidão aberta, o caminhante anônimo se recorda do Amigo familiar. Mas, onde buscá-Lo, onde encontrá-Lo? A lembrança das casas fechadas e obscuras muda sua feição. Um vazio imenso invade o seu ser. Em momentos anteriores ele retornava triste e cansado. Agora, não. Ele sabe. Não existe dúvida. Para que o trabalho seja frutífero é preciso plena serenidade e linearidade. A simpatia que advém do discernimento intelectual com relação ao trabalho é fruto direto da tolerância, e a falta desta pode corroer muitos esforços. O Amigo familiar está mais próximo que se supõe. Deve-se recordar que a vida e o mundo internos não são contrários ao externo. Este mundo infeliz e cansado que tem lutado em vão durante incontáveis épocas para reconciliar os dois, necessita aprender a grande verdade: o mundo interno encontra-se dentro do externo, como lâmpada numa casa escura que ilumina seus aposentos, escadas, corredores e mobília, e converte a alma, qual fantasma inquieto que perambula impotente na penumbra e mistério, no feliz morador que encontra na casa alegria e calor. Chegar até nosso lar (como naquelas casas que, embora fechadas e parecerem obscuras, não obstante possuem luz) não significa nos dirigir a algum lugar, sem levar luz a esses lugares que agora são nossa morada. Talvez assim iluminados, os reconheçamos como as mansões da Morada do Pai e, sendo estas muito numerosas, podemos estar seguros que nelas todos os temperamentos e caracteres têm o que necessitam e são amorosamente cuidados. Há lugar para tudo e todos, e não é necessário que prevaleçam as nossas regras e pontos de vista, exceto nesse mesquinho domínio que chamamos “eu”, onde os Grandes Poderes se inclinam ante nossas leis com infinita cortesia e compreensão, exigindo-nos sempre a elevação de nossos ideais e que fixemos as estrelas que nos guiarão pelos roteiros descritos em nossos momentos mais sublimes.

Temos de ser firmes com o eu e indulgentes com os demais. Cultivar o equilíbrio, ter ampla visão e sentido da distância, da profundidade e altura, perspicácia para descobrir internamente o menor indício do mal, observando como do cume de uma montanha o pequeno montículo do pecado de um semelhante. Respirar o ar dos elevados cumes e levá-lo conosco como alento da infinita pureza das "nuvens". Se seu trabalho se fundamenta sobre princípios como estes, perdurará, e embora você nunca chegue a compreender a magnitude de sua realização (melhor assim), épocas futuras o verão e acenderão seus fogos na tocha que você sustenta na atualidade.

O Caminho que conduz ao Mestre é o caminho da imitação: não existe outro caminho. Jesus disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, ninguém poderá chegar ao Pai se não for por Meu intermédio". Falou como o Cristo. Somente na medida em que imitamos o Mestre podemos conhecê-lo. De que meios podemos nos valer para conhecer o que se encontra além do alcance de nossa consciência? Se Ele parece ser algo abstrato e indefinido, não será porque habita outro mundo remoto e totalmente diferente do nosso? Embora seja assim, isso se deve às nossas limitações. Na realidade Ele vive no mesmo mundo, vê o mesmo céu, os mesmos campos e flores, só que esse mundo é muito mais vasto e luminoso. Assim como as pedras, as plantas e os animais vivem também em nosso mundo, cada um em seu lugar e nível, mas sem ter nossa consciência, assim também nós, no mundo do Mestre olhamos e não vemos, tocamos e não sentimos.

Quando chegarmos a nos despertar suficientemente como para darmos conta que nos encontramos muito longe numa nuvem de dissimulações, então perceberemos nossas falhas e deficiências. Voltaremos nosso rosto e coração para Ele e entraremos no caminho; então, na medida em que adaptamos nossa mente e atos aos Dele, tratando de segui-Lo como nos indica, aprenderemos a perceber o roçar de Suas vestes quando volver diante de nós. Veremos as recentes pegadas de seus passos no caminho, e o tom de Sua voz nos chegará cada vez mais claro na medida em que a distância se encurta. Buscando, buscando sempre; adaptando-nos sem perder o entusiasmo - tão intensa é a busca - é como cresceremos nessa maravilhosa consciência onde teremos um pequeno recanto, onde ali entraremos em comunhão com Ele. Ela será, dia a dia, mais profunda, mais forte, mais plena na medida em que o amor, a fé e a obediência nos aproximam de Seu coração, até não existir um amigo mais íntimo que Ele, nem comunhão mais completa, nem compreensão mais vívida e constante. Mas o caminho é o caminho da imitação, no qual devemos lutar vigorosamente. Só por meio das dissimulações nos distanciaremos de um amor tão perfeito como o Dele.

Em silêncio, o caminhante anônimo retoma o seu lugar.

10:00 h
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O caminho continua emoldurado pelo cenário. Aos poucos, por entre as sentinelas de pedras começa a aparecer a auréola que coroa a encosta onde também brilhou Chica da Silva. Diamantina é ímpar. Não pode ser qualificada. O seu alvor sustenta o seu prestígio. Ninguém pode se atrever denominá-la. Mas, a lembrança do Inconfidente é forte. Ao empreender esta caminhada iniciada em Ouro Preto, rumo ao esplendor diamantino, à luz que guia e ilumina, que discerne e esclarece, nada mais simples chamá-la a Fulgurante Estrela do Norte, que ao destino tem guiado. O êxtase é sentido fortemente. Naturalmente, mas de forma contundente, aflora o canto de Arjuna diante do esplendor da Divindade:

“Perdoa-me que confidentemente,
Eu Te chamasse: Ó Krishna! amigo meu!
Perdoa-me esta leviandade
E a falta de respeito a Ti devido.

Perdoa as faltas minhas cometidas,
Talvez, no gracejar, em companhia,
Ou quando estava só, em pé, no leito,
Parado ou caminhando, em ignorância!

Ó Senhor do Universo! Pai de tudo!
Ó Fonte do Saber! Supremo Mestre!
Não há ninguém que seja igual a Ti.
Tu, infinitamente poderoso!

Humildemente, prostro-me a Teus pés,
Imploro, meu Senhor, Tua clemência.
Oh! sê-me afável, como o pai ao filho,
Como um amigo, ou um amante, ao outro.

Mirando as Tuas grandes maravilhas,
Me extasio, porém temor me invade;
Desejo em outra forma contemplar-Te;
Oh! Mostra-Te, Bondoso, noutro aspecto!”

O manto das pálpebras do caminhante anônimo fecha-se e molha o seu rosto avermelhado pelo calor do dia que avança rapidamente. O momento sublime é dignificado pelo silêncio.

Envolto por uma emoção contagiante, uma mistura de alegria, bondade, simplicidade, surpresa e uma vontade imensa de gritar, de chorar, de prostrar no chão selado por pedras e render glórias infinitas em doxologia ao Poder Infinito de Deus, rogando-Lhe clemência e bondade, o caminhante anônimo, juntamente com o grupo, entra na bela Pousada, em Diamantina, para merecido descanso.
13:00 h
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Reconfortado pelo almoço, de excelente qualidade, servido no restaurante da pousada, o grupo se organiza para visitação aos pontos de excelência da cidade. Fica combinado que o entorno, principalmente Biribiri, será visitado no dia seguinte pela manhã. Inicia-se, então, uma deliciosa e alegre turnê recheada de riqueza cultural. Nota-se por todos os lados um preparativo para o serão, indicando que a noite é para comemorar qualquer coisa: o luar, o frio, o calor, a alegria, a chegada, a despedida. Qualquer coisa.
17:00 h
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Retorna-se à pousada para descanso e novos preparativos para as promessas da noite. O jantar fica postergado pra mais tarde.

Galeria de fotos

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