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A HIERARQUIA, OS ANJOS SOLARES E A HUMANIDADE


Capítulo VII

DISCIPULADO E PERFEIÇÃO

Alguns aspirantes espirituais de muito boa fé e disposição para o trabalho interior alimentam a falsa ideia de que o discípulo que tenha conseguido estabelecer contato com o Mestre é um ser humano perfeitamente feliz, livre dos contratempos, problemas e dificuldades comuns ao gênero humano.

O contato com o Mestre, se bem que aguce extraordinariamente a percepção espiritual superior, também desenvolve a extremos inconcebíveis a "sensibilidade humana". Consequentemente, a vida do discípulo é um centro de tensão permanente onde coincidem, às vezes por um período de tempo bastante prolongado, as energias espirituais superiores e as forças kármicas da personalidade humana.

Por um lado, há as obrigações naturais e sociais comuns a todas as pessoas, ou seja, os deveres familiares, profissionais e os de relação de vínculo com os demais e, por outro, há os grandes deveres impostos pelo grau de desenvolvimento espiritual alcançado no Caminho, assim como os que são impostos pelo seu campo de serviço particular.

Essa tensão torna-se extremamente aguda pelo fato de, sendo a vida do discípulo eminentemente invocativa, atrair para si um tipo elevado de vibrações que ele deve tratar de controlar e projetar convenientemente no campo definido de sua esfera de irradiação pessoal.

Essas elevadas vibrações são de três tipos: as que procedem de sua própria Alma, as que provêm do Ashram a que pertence e as indescritíveis irradiações do Mestre que o está preparando para a Iniciação. Manter-se em equilíbrio nessa vertente tríplice de energias superiores de Raio é tarefa muito difícil, mas faz parte inexorável da vida do discípulo.

A maioria dos aspirantes espirituais no Caminho Probatório costumam ver somente o lado agradável desse processo, ou seja, o inefável prazer do contato com o Mestre, o direito de ingressar no Ashram, a conquista do conhecimento esotérico e o controle e desenvolvimento de certos poderes psíquicos. Frequentemente, esquecem o lado desagradável ou difícil criado pelo choque ou fricção das energias superiores invocadas sobre o corpo kármico do discípulo. Como todos os seres humanos, ele está sujeito a uma lei de herança interna e externa, cujos aspectos distintos, gravitando em seu espírito, às vezes produzem grande confusão e profundas contrariedades. Simbolicamente falando, discípulo é "uma presa igualmente disputada tanto por Deus quanto pelo Diabo", o Anjo da Presença e o Morador do Umbral, as testemunhas da Luz e os Anjos das Sombras.

A luta que se dá nos três níveis de atividade do discípulo, mente concreta, corpo emocional e corpo físico, gera uma crise intensa, cuja grandeza, profundidade e dramaticidade raramente são avaliadas pelos que o cercam. Basta dizer que discípulo acha-se "cravado na cruz da experiência". O Karma humano simbolizado pelo braço horizontal dessa cruz a Oportunidade Divina ou Senda Espiritual simbolizada por seu braço vertical devem chegar a um total equilíbrio antes que o discípulo converta-se em um Iniciado, em um homem perfeito.

Até que se produza esse acontecimento — e o caminho dessa realização é longo e penoso —, podem transcorrer várias vidas, ao longo das quais as experiências sucedem-se em um ritmo vertiginoso, com seus consequentes problemas e adversidades.

Felizmente o discípulo conhece certas regras e maneja certas leis que amenizam sua vida e lhe permitem suportar a enorme pressão do torvelinho de forças a que está submetido.

O fato de ser um discípulo e de tratar de ajustar-se ao supremo ditado da Lei é uma glória, mas também uma imensa responsabilidade. Ele é uma testemunha da Luz e um Servidor do Plano. Essas duas fases indicam o princípio e o fim, o alfa e o ômega do Propósito Criador da vida, desde quando inicia a busca espiritual como um simples aspirante, devoto mas ainda cheio de ilusões, até quando alcança a Iniciação mais elevada. O esforço, assim como o senso de responsabilidade que, em determinados estágios da busca, chega a tornar-se motivo de profunda dor, são proporcionais à altura alcançada no Caminho.

Crises e Tensões

As crises e tensões na vida de um discípulo agravam-se ou acentuam-se consideravelmente quando, devido a certos aspectos definidos de sua vida como servidor consciente da Hierarquia, deve apresentar-se perante o mundo como o que realmente é, como um discípulo do Mestre, pois então converge sobre ele a atenção mental nem sempre correta e devidamente focada de um grande número de aspirantes no Caminho, que o tomam como "exemplo de suas vidas". O ponto focal "discípulo" é, nesse caso, um alvo de impactos, a maior parte deles de caráter emocional, provenientes dos desejos, esperanças e temores de todos aqueles aspirantes que veem ou creem ver nele alguém em quem realmente podem confiar. Há também o elevado dever do discípulo de ser um testemunho vivo da Força e da Compreensão para todos os que nele pensam e confiam.

Por essas e muitas outras razões, a vida de um discípulo em encarnação física nem sempre pode demonstrar ostensivamente seu merecido desenvolvimento espiritual nem suas múltiplas qualidades adquiridas por força do sacrifício de "lavar seus pés no sangue do coração".

Há alguns anos tivemos a oportunidade de estabelecer contato íntimo com alguns Discípulos Aceitos. Tínhamos certeza de que o eram por termos constatado previamente sua filiação com alguns Membros da Grande Fraternidade branca. Al umas vezes, pudemos comprovar, com o consequente espanto, que, em suas relações sociais, pariam ter esquecido certas regras internas, como se momentaneamente tivessem perdido sua conexão com o mundo elevado das causas. Isso foi motivo de sofrimento muito intenso.

Um dia, enquanto esperávamos o Mestre, comentei o caso com R. e outros condiscípulos meus do Ashram. Naquela ocasião, o Mestre iniciou Sua prática assim:

"Não julgueis as coisas nem as pessoas pela sensibilidade que produzem, mas por seu grau de efetividade. Estejais seguros de que, se Nós exigíssemos de imediato uma plena sujeição às Leis internas, não haveriam discípulos a quem treinar nem servidores em quem fazer gravitar uma parte importante do Nosso Trabalho no mundo. Do mesmo modo que exigimos Intenção quanto ao mundo interior, também exigimos Trabalho eficaz no mundo exterior. E nem sempre os que realizam o Trabalho no mundo exterior são os melhores no mundo interior, porém o fato de "trabalharem sinceramente e se empenharem em nos ajudar" faz cem que os mantenhamos conectados cem a energia que emana dos Níveis Espirituais Elevados..."

Essas palavras do Mestre, que demonstravam seu grande interesse em resolver nossas menores dúvidas no mundo mental, deixaram uma profunda marca em meu coração e aprendi a suspender o julgamento quando se tratava de comentar a atitude de certos aspirantes e discípulos. As razões do Mestre eram conclusivas no sentido de que nem sempre o equipamento kármico de um discípulo permite que ele expresse claramente a grandeza de sua vida espiritual. Essa circunstância faz com que as regras de humildade que se aprendem no Ashram e que se devem praticar no mundo sejam o maior amparo do discípulo, no que se refere à crítica humana.

Missão e Sensibilidade

Na vida do discípulo, há particularidades que não podem ser julgadas superficialmente por aqueles que pretendem "estar trilhando o Caminho". Quanto a isso, devemos lembrar as palavras do Mestre D.K.: "A sensibilidade é uma prova de evolução espiritual, mas também é uma prova kármica na vida do discípulo." Existe uma relação muito direta entre "prova kármica" e "crise iniciática". Essa relação baseia-se na "precipitação de energias" na vida do discípulo. Seus corpos periódicos, a mente concreta, o corpo emocional e o corpo físico, altamente sensibilizados, atuam como um potente ímã que atrai sobre sua personalidade uma quantidade considerável de Karma que normal rente precisaria de várias vidas para ser consumado. Essa circunstância nos coloca novamente frente ao problema de "aceleração" do processo evolutivo planetário, do qual o discípulo é um elevado expoente.

A Humanidade como um todo também sofre as consequências da tremenda atuação de energias planetárias postas em ação nesses mementos drásticos de aceleração evolutiva ou de precipitação kármica, sendo prova da força desses terríveis impactos a interminável sequela de guerras e conflitos verificados em todos os lugares, desde o próprio princípio da História e as terríveis convulsões geológicas em muitas partes do mundo. Essa afirmação de modo algum é uma tentativa de justificar a guerra ou qualquer convulsão social ou geológica, mas simplesmente um desejo de evidenciar a pesada bagagem kármica que ainda está no fundo inconsciente da Humanidade e que a forte pressão das energias superiores de "precipitação" trazem à tona. à superfície da consciência, para que possa ser liberada. O discípulo a todo instante é uma dramatização superior do estado de consciência humana num momento cíclico ou histórico do inundo e, contemplando sua vida repleta de crises e tensões, delineia-se uma imagem clara do destino de emergência espiritual para o qual ele, e também toda a Humanidade em seus diversos níveis, está se preparando.

Portanto, os Ashrams da Hierarquia têm uma missão bem definida nesses momentos cruciais da história humana. As palavras de Cristo, "batei e abrir-se-vos-á, pedi e vos será dado", referem-se exatamente a esse direito de entrada nos Ashrams, pois é neles que se prepara o ser humano para seu destino espiritual glorioso. Esse direito, pago pelo preço da grande devoção e sacrifício em determinadas etapas, atualmente está ao alcance de todos os aspirantes do mundo. Não existe limitação para o enorme desejo do homem de progredir e de ocupar uma posição de honra nas fileiras dos Servidores da Humanidade.

Quando fomos admitidos pela primeira vez no Ashram, após fazermos os votos correspondentes (o juramento) perante Aquele que pode torná-los realmente sagrados e invioláveis, tivemos a honra de escutar muito do que estou dizendo hoje dos lábios do nosso glorioso Mentor. Uma das coisas que o Mestre recomendou especialmente foi "que vivêssemos profundamente conscientes da hora solene que a Humanidade estava vivendo", não apenas pela entrada do nosso planeta na zona de influência da constelação de Aquário (que marca o destino da Nova Era), como também pelas enormes pressões de energias extraplanetárias e de além do nosso Sistema Solar que convergiam sobre a Terra, preparando a Humanidade para certas mudanças fundamentais dentro da estrutura da sociedade organizada onde ela realiza a sua evolução atualmente.

Estamos vivendo momentos realmente dramáticos e decisivos na vida da Humanidade e todos podemos contribuir inteligentemente e com boa vontade para resolver as crises e tensões agudas deste angustiado período mundial. Pensem constantemente na possibilidade de serem admitidos em um Ashram, em seu Ashram. Não se acreditem inferiores a outros que já estão lá. Também podem estabelecer relações e vínculos de ordem espiritual superior se mantiverem firmemente o propósito de boa vontade, de amar e de servir. Vale a pena tentar. No final de determinado estágio, o Mestre aparecerá para dizer-lhes: "Vós haveis chamado, entrai. Haveis pedido, tomai." E então "os véus do Templo" que ocultam a grandeza infinita de suas próprias vidas começarão a ser rasgados.

"Quando o discípulo está preparado", quer dizer, quando penetrou profundamente em uma dimensão de vida superior à normal, "surge o Mestre".

Esse acontecimento é precedido por uma pequena luz que se irradia a partir do centro superior da cabeça do aspirante e que vai crescendo até ser visível por Aquele que, desde o princípio dos tempos, tem Sua Vida ligada à dele. É nesse momento, e não antes, que o termo "discípulo" começa a ter um significado real e prático e não simplesmente teórico. Então, a vida do aspirante começa a sofrer modificações profundas. Essas modificações, expressas por meio de tensões violentas e crises agudas, vão purificando-o paulatinamente até fazê-lo entrar "naquela grande corrente de vida espiritual" de onde praticamente já não se retorna.

Naturalmente, todos sabemos essas coisas que, por força de dizê-las, converteram-se em tópicos habituais, por isso seu significado realmente místico e espiritual e sua aplicação prática estão reservados apenas para aqueles que estão verdadeiramente ligados ao supremo propósito da vida.

Uma Luta na Dimensão Sutil

As pessoas que praticam o mal, mais por ignorância do que por qualquer outra coisa, só podem atacar o aspecto inferior daqueles por quem sentem algum tipo de animosidade ou antipatia. Para esse fim, utilizam coisas físicas etericamente relacionadas com os sujeitos que são alvo e objetivo de suas más intenções e atuam decisivamente sobre essas coisas. Essa atividade transmite-se por simpatia de vibrações em aspectos definidos de mal sobre os que foram proprietários ou utilizaram essas coisas e, assim, estabelece-se uma corrente ininterrupta de mal que vai de quem o pratica à coisa ou objeto de referência e daí ao sujeito a quem se pretende prejudicar; uma corrente magnética que, se não for devidamente cortada pela destruição desses elementos, chega a destruir progressiva e sistematicamente a rede etérica protetora de determinados órgãos físicos, sobre os quais atua até provocar a morte física pela destruição daqueles elementos de defesa ou provocar tensões negativas de ordem moral ou emocional que podem derivar também para a obsessão e a loucura.

"Toda forma de Magia Negra obedece ao mesmo princípio de separação humana, de negação da Luz Espiritual", isto é, do triunfo da ignorância, do egoísmo e da má vontade sobre as intenções corretas dos homens. Entretanto, sob o ponto de vista esotérico, existe uma diferença notável entre as formas de Magia Negra.

A diferença não é de base ou de princípio, mas de intensidade, de grau ou de nível. A Magia Negra do ignorante apenas bordeja as margens do físico e do astral inferior. A Magia do verdadeiro Mago Negro, daquele que sabe perfeitamente o que faz, origina-se principalmente no Plano Mental Concreto e atua conscientemente e com pleno conhecimento de causa, perseguindo fins que atentam não apenas contra a segurança física, emocional ou mental de determinados indivíduos mas que, decididamente e utilizando grandes poderes, combatem contra o próprio Plano do Criador, contra o processo de evolução humana e, de modo muito definido, contra todos aqueles que, de um modo ou de outro, tenham decidido colaborar para o desenvolvimento desse Plano.

Pois bem, os Magos Negros, aos quais devo referir-me por experiência, vão muito mais além, como já disse, não apenas pela inteligência que desenvolvem como também pelo grande poder que empregam. Uma das razões mais importantes para isso é que os Magos Negros propriamente ditos estão organizados em forma de Loja, seus membros seguindo um sistema de treinamento e processo de iniciação idênticos ou muito similares aos das gloriosas Hostes de Luz que constituem a Grande Fraternidade Branca do Planeta.

Pelo fato de esses Magos Negros estarem sujeitos a esse tipo de treinamento científico, que envolve o conhecimento da lei que rege as energias e forças planetárias, e de certos mantras de invocação dos devas inferiores ou elementais das sombras, que se desenvolvem e vivem no seio profundo do que poderíamos chamar "subconsciência planetária", o alcance do seu poder é enorme e seu raio de ação estende-se e alcança inclusive a vida dos próprios discípulos mundiais em processo de alinhamento com suas Almas e de integração com a vida espiritual.

Felizmente para esses discípulos e para toda a Humanidade, o poder dos "Magos Negros" termina nas fronteiras do mundo espiritual, onde começam a verdadeira e fecunda atividade dos Irmãos Maiores da Humanidade, dos Mestres de Sabedoria e Iniciados da Grande Loja Branca e o poder benéfico das Hostes de Luz.

No entanto, é preciso reconhecer que, até que os corpos inferiores de um discípulo não estejam devidamente purificados e controlados, a atividade dos Magos Negros pode fazer efeito sobre eles e convertê-los em "alvo de seus ataque: terríveis e maléficos..." Desejando ilustrar mais ampla e definidamente essa difícil passagem na vida de um discípulo espiritual, descreverei minha própria experiência pessoal.

Tentação e Magia Negra

Não vou repetir aqui o que todo verdadeiro aspirante espiritual obrigatoriamente deve saber sobre o poder invocativo dos Fogos Maiores ou de Redenção por meio de certos Mantras Sagrados. Limitar-me-ei a dizer que, em um Ashram da Hierarquia, onde se supõe que um discípulo que dele participa esteja convenientemente preparado espiritual e pessoalmente, somente lhe são confiadas fórmulas mantrâmicas de grande poder invocativo de modo muito discreto e reticente, assim mesmo quando a pressão de certas circunstâncias ou a gravidade de um caso concreto justifique. Em certa ocasião, há alguns anos, tive oportunidade de experimentar diretamente em minha vida pessoal o exercício dessa lei reguladora de transmissão de mantras de poder ou de invocação dos Fogos Sagrados da Natureza. Os veículos sagrados dessa transmissão espiritual foram primeiro a minha Alma e depois meu Mestre. Como sempre, os acontecimentos eram consequência de um viver intenso em prol da Realidade Superior pressentida. Por favor, examinem os fatos.

Tratava-se especificamente de contrapor a ação de fortes influências maléficas sobre minha vida mental e psíquica, provenientes, como mais tarde pude comprovar, de certas zonas definidas de Mal, radicadas em lugares remotos e sombrios do planeta. As qualidades de Bem que começam a ser desenvolvidas na vida de um discípulo imediatamente atraem a atenção não só das Forças Benéficas da Natureza que nelas encontram um novo fluxo para a Sua expressão, mas também, e de forma ainda mais evidente devido às características kármicas do discípulo, das intenções oblíquas dos adeptos e membros da chamada Loja Negra do planeta, uma Corporação de seres - não me atrevo a chamá-los de humanos - que praticam o mal conscientemente e opõem-se ao bem deliberadamente. Esses seres desgraçados, inteligentes, porém sem coração, alimentam-se - por assim dizer - da substância das sombras, trabalham principalmente durante a noite e, para a obtenção de seus fins ignóbeis, aproveitam-se da debilidade espiritual de uma parte considerável da Raça Humana, das energias de baixa vibração geradas pelas entidades situadas no arco descendente ou de involução da vida planetária, do poder gerado pela incrível luta do desejo não realizado dos homens, do escuro fluxo astral e etérico de suas inclinações baixas e do terrível choque promovido no mundo mental pelas ideias e vontades dos seres humanos, que originam a grande heresia da separação humana com sua espantosa sequela de guerras e conflitos. Toda essa força essencialmente material, separadora e destrutiva é aproveitada pelos "Senhores das Sombras", esses hábeis "Magos Negros", para semear nas consciências humanas as sementes do ódio e da destruição e concentra-se principalmente contra a vida dos que, por compreensão superior e de modo definido e constante, começam a se libertar de seus egoísmos particulares e seguir os caminhos do Bem.

Como sob esse aspecto eu estava amadurecido, não pude escapar da regra nem do processo, sendo a regra, no que refere ao discípulo, a tentação, e o processo, a crise. Em sua interação, a tentação e a crise subsequente são a prova mais amarga do Caminho, aquela que se conhece como "a Noite da Alma". Mas, se a firmeza espiritual é mantida e o desafio dos acontecimentos é aceito com nobreza e sem rancor, a Alma penetra mais profundamente na Luz, Amor e Poder Daquele que é Guia Espiritual da nossa vida...

Horas Terríveis

Durante a evolução desse processo a que me refiro, passei horas terríveis, matizadas por uma profunda dramaticidade, ainda mais evidenciadas pelo fato de que, naqueles momentos, inclusive a possibilidade de invocar a energia interior me era negada. Por um longo período de tempo, "não me era permitido sequer dormir". Na hora do repouso noturno, surgiam em meu quarto uma série de entidades de aspecto aterrador que constantemente me atormentavam com visões deprimentes que enfraqueciam minha imaginação e envenenavam meu ânimo. Era absolutamente impossível para mim concentrar minha mente no Mestre e no Ashram. Quando começava a recitar a Grande Invocação, uma fórmula de grande poder que sempre me ligava com a energia dos Lugares Elevados, ruídos por todas as partes da casa me impediam de coordenar suas estrofes. A imagem de Cristo, que eu habitualmente visualizava com grande nitidez e me servia como luminoso ponto de referência em minhas meditações, era suplantada por imagens horríveis e bestiais.

Ao Longo desse processo, para mim novo e inesperado, que considerava transcendido desde meu ingresso no Ashram, pude compreender por mim mesmo o alcance universal e profundo do estado que chamamos "tentação". Eram de fato tentações todas as intromissões de mal na minha consciência, isto é, daquelas visões, algumas mórbidas, outras nefastas, aqueles ruídos, intensas dores de cabeça, incapacidade de concentração, perda de percepção espiritual e uma debilidade física crescente. Todo aquele terrível pesadelo era objetivamente um convite a que voltasse atrás no caminho espiritual que havia empreendido e certamente me teria sido fácil fazê-lo, renunciando à vida de serviço e de comunhão com o Ashram e o Mestre e passando a levar a vida normal e corrente da maioria dos seres humanos. No entanto, a vida de um discípulo não é comum e corrente, entendendo-se por isso uma adesão sem luta e sem resistência ao fluir do habitual. Pelo contrário, é uma vida de esforço e de sacrifício que deve conduzir à integração espiritual perfeita. Conforme está muito bem expresso nos textos sagrados relativos à vida de um discípulo em encarnação física: "A pior tentação é viver sem tentações", pois elas fazem com que aflorem na consciência as fraquezas ocultas do discípulo, reavivam as brasas de paixão de um fogo que parecia morto, mas que estava apenas adormecido, e mostram as profundas sutilezas da morbidez pessoal, incrustadas nas dobras desconhecidas da consciência, que devem ser destruídas antes que se confronte o terrível poder do Fogo Iniciático.

O Mestre já havia nos advertido da existência desses impedimentos sutis dentro da consciência, mas eu tinha recebido Suas palavras mais como um ensinamento teórico destinado ao conjunto do nosso conhecimento do que como uma advertência sagrada de "vivermos profundamente conscientes frente à inevitável condição humana de nossa vida kármica". Durante o processo, nos momentos de maior intensidade da luta, de repente tive um vislumbre esclarecedor do alcance universal das palavras do Mestre e decidi renunciar ao descanso e ao diálogo prazenteiro com o habitual e aceitar o desafio crescente dos acontecimentos, tratando de amenizar o máximo possível os impactos dirigidos pelos Magos Negros aos meus corpos sutis.

Não sabia quanto aquele estado de coisas poderia durar; sabia apenas que devia resistir, lutar e amparar-me no Bem de minha Alma. Durante o dia, principalmente durante o período solar, o mais favorável para a meditação espiritual, esforçava-me para reagrupar meus pensamentos esparsos e debilitados e focalizá-los no Mestre e no Ashram, prosseguindo do melhor modo que me era possível com minhas tarefas profissionais e as próprias do campo de serviço que havia escolhido voluntariamente.

Enquanto isso, meu corpo físico, cada vez mais enfraquecido por causa dessa luta, principalmente pela impossibilidade de dormir e descansar à noite, corria o risco de atingir por desgaste um ponto crítico de tensão que, se ultrapassado, era previsível o aniquilamento físico com a consequente perda de uma oportunidade cíclica de evolução espiritual Foi exatamente quando cheguei a esse ponto de tensão extrema que ocorreu a Ação Universal.

A Ação Universal

Uma noite, quando me achava, como já há tanto tempo, sob a pressão das forças negativas a que me referi anteriormente e me preparava para passar outra noite sem poder dormir e enfrentar pacientemente todos os males possíveis e extenuantes daquelas forças, que já tinham marcado seu ato de presença dentro e ao redor de mim, clara e distintamente, ouvi ressoar a voz do Mestre em minha consciência. Um sentimento de alegria profundo e extraordinário fez meu coração oprimido transbordar de ternura. Nessa ocasião, o Mestre limitou-se a dizer-me: "Chegou o momento. Pronuncia estas palavras comigo e grava-as na tua consciência." Era um Mantra específico de grande poder, relacionado, como mais tarde pude verificar, com o Fogo de Shamballa.

Era uma estranha fórmula mágica aparentemente muito simples, mas dotada de certas inflexões que eu, seguindo o conselho do Mestre, tratava de repetir, e de certas pausas que sentia ressoar dentro de mim como um sino submetido à ação de uma tremenda badalada. Durante alguns momentos, enquanto eu recitava aquela fórmula mágica de invocação superior sob a direção oral do Mestre, pareceu-me recordar vagamente aquelas cadências e ritmos. Com efeito, aquele Mantra trazia à minha lembrança sons familiares, como se aquela não fosse a primeira vez que eu os emitisse ou os escutasse.

Seria aquela a invocação direta do Anjo Solar, do meu verdadeiro Eu Espiritual, ou por acaso uma síntese, naqueles momentos ao meu alcance, do Poder do Raio de minha vida que se expressava através da minha Alma Solar? Naquela hora, tudo me parecia possível, pois sentia ressoar dentro de mim a voz do Mestre, aquela voz tão intimamente conhecida, cujas inflexões evocavam em mim o cálido espírito do eterno e a aspiração às esferas e dimensões mais elevadas.

Imediatamente vi que um resplandecente Deva entrava em meu quarto. Seu rosto, de onde emanavam raios luminosos, expressava firmeza e resolução inabaláveis. Na Sua mão direita tinha uma espada cintilante que radiava centelhas ígneas, descrevendo movimentos circulares extraordinariamente rápidos contra todas aquelas formas e sombras terríveis que, já há tanto tempo, tinham se assenhoreado do meu quarto e do meu ânimo. Ainda que essa luta parecesse acontecer fora de mim, já que me era possível presenciá-la, sentia que ela se desenrolava profundamente dentro do meu coração, e seria totalmente impossível para mim descrever os gritos, gemidos e blasfêmias espantosos que a ação da espada flamejante do Deva causava no mais íntimo de mim mesmo...

Finalmente, o quarto ficou totalmente iluminado, apesar de eu não perceber nada objetivo, o que me demonstrava que aquela luta espantosa não tinha acontecido no Plano Físico, porém em outra dimensão mais sutil. Naqueles momentos, só percebia luz e, dentro da luz, o Anjo da Presença, o poderoso Deva Solar que tinha vindo me socorrer e que agora, contemplando-O serenamente, parecia-me íntima e estranhamente familiar, como se fosse parte consubstancial de mim mesmo.

A paz reinava então em meu espírito, uma paz que parecia ter perdido já há muito tempo. Quando, cheio de emoção, quis Lhe expressar meu agradecimento, Ele me fez um sinal imensamente amistoso como que de despedida e desapareceu do campo das minhas percepções.

A luz continuava brilhando dentro de mim e, apesar de estar plenamente consciente, ainda não distinguia nenhum dos objetos do meu quarto. Subitamente, senti dentro do meu ser aquele sentimento profundo de expectativa, impossível de ser explicado por palavras, que prenunciava a proximidade do Mestre, e Sua voz ressoou novamente em minha Alma silenciosa. Então O vi pela primeira vez fora do Ashram, ali ao meu lado, dentro do meu humilde quarto, nunca antes tão humilde quanto em Sua presença. Não me disse nada. Limitou-se a sorrir com inefável ternura e a me abençoar. Desapareceu em seguida como o Grande Deva Solar havia feito antes e paulatinamente minha consciência foi penetrando no mundo do habitual. Então comecei a perceber os objetos do meu quarto e a ficar plenamente consciente do meu cérebro físico. A paz que sentia em minha mente e meu coração era um testemunho imediato e inegável do meu contato com o Mestre e, com o espírito profundamente tranquilo e sossegado, pude entregar-me, já sem reservas, a um reconfortante descanso físico de que estivera absolutamente privado há tanto tempo.

Dias depois, no suave retiro do Ashram a que tinha acesso novamente, após a crise ter se consumado, o Mestre deu-me o seguinte ensinamento a respeito do meu estado e confiou-me, de acordo com meu tempo. amento e condição, um efetivo Mantra de dispersão das forças do mal que daí em diante tentassem penetrar na área da minha consciência. Ao fazê-lo, disse-me que os Mantras ou sons mágicos que tinha me transmitido oralmente no auge de minha crise paulatinamente iriam se apagando de minha memória. "Somente em determinado ciclo de tua vida", disse-me Ele, "voltarás a empregar aquele conjunto de palavras e sons que impediram que sucumbisses à pressão do mal e à atividade das forças negras do planeta mas, nesta ocasião, esses Mantras serão uma chave de poder universal em tuas mãos para salvar a Humanidade e não apenas para ajudar a ti mesmo." Olhando-me profundamente, prosseguiu: "Perceberás então que aquela Voz, a Voz do Ritmo Solar expresso em certas cadências, sons e palavras definidas, era a tua própria voz, a Voz de tua Alma, do Ser Imortal cuja eterna liberação e retorno à pátria Solar dependem única e totalmente de tua adaptação plena às leis do serviço universal e de abnegação fraternal em favor dos demais, assim como fizeram Buda, Cristo e todas as insignes personalidades da Raça."

Essas palavras aparentemente tão simples do Mestre tiveram para mim, um significado profundo e me permitiram entrever etapas futuras da Raça Humana em que a Divindade expressaria, através do homem, o poder da Vida Universal que engloba e unifica tudo, fundindo em um abraço eterno os dois grandes fluxos de energia, promotores de toda evolução possível, o da Matéria e o do Espírito, o da Vida e o da Forma que, no mágico equilíbrio de suas expressões aparentemente opostas, devem produzir a liberação da Alma, do Anjo Solar, da Consciência Humana.

O Anjo da Presença

Desejaríamos que a experiência que acabamos de relatar tenha cumprido sua finalidade de ilustrar este ponto tão vago e incerto que, em termos religiosos, denominasse "tentação". Na realidade, a tentação é um aspecto obrigatório na vida de um discípulo e de toda homem espiritual, já que é através de um processo ou sistema escalonado de tentações que o homem um dia consegui penetrar na Senda Iniciática e converter-se em um Mago Branco. em um Testemunho da Luz e em um Servidor do Plano.

Existe uma relação direta, sempre regida pelas leis da analogia, entre as tentações, as crises e os períodos de emergência espiritual. São aspectos consubstanciais de um processo único de perfeição, de uma intenção cada vez mais definida de penetrar o grande mistério da vida humana. A tentação e o processo de luta promovido por ela têm coma finalidade "purificar o espírito do homem" e torná-lo consciente dos poderes espirituais que residem em si mesmo. Sem a tentação, o processo evolutivo da Raça Humana seria muito longo. Sua ação obrigatória na vida do homem espiritual é uma oportunidade infinita de redenção. O homem comum não é "tentado", aquele cuja existência é de contemporização com o ambiente estabelecido, que está sempre de acordo com tudo que não lhe retire os interesses materiais nem lhe exija esforços demasiados. É realmente "tentado" somente aquele que tenha visto dentro de si um rastro de Luz e que tenha decidido seguir esse rastro até o fim. Isso quer dizer que a tentação, como processo universal de purificação, opera por graus dentro do coração humano e que à maior profundidade e à maior riqueza de qualidades correspondem maior intensidade de tentação e crise mais profunda.

Para os entendidos, para os que tenham entreaberto o véu de mistério de Ísis, trata-se na realidade da confrontação do discípulo com aquela Entidade que os esotéricos
chamam "O Guardião do Umbral". Trata-se de um misterioso Ser criado com as substâncias dos nossos pensamentos baixos e desejos vis gerados através do tempo, desde o próprio momento da individualização, em que o homem-animal das raças primitivas foi dotado pela primeira vez do princípio da mente, até os nossos dias. É o terrível Guardião dos Mistérios Sagrados e nenhum destes Mistérios pode ser revelado ao homem se antes ele não destruir essa misteriosa Entidade criada em nós e por nós com as rusticidades materiais da ignorância, da vilania e do egoísmo. Esse Ser é, por lei, o centro e o refúgio de todo sintoma de mal planetário, de toda atividade de Magia Negra no mundo, pois do mesmo modo que todo ser humano tem seu próprio Guardião do Umbral, seu próprio demônio tentador, na escala planetária, também existe o Guardião do Umbral do Mundo, criado e sustentado pela atividade dos Guardiães do Umbral dos homens, das raças e das nações e que é centro, sede e receptáculo de todo sedimento de mal no Planeta. É especificamente a esse Centro obscuro de Poder maléfico que sempre tenho me referido quando falo concretamente de "Magia Negra" em meus trabalhos escritos, do qual todos os que consciente ou inconscientemente praticam o mal neste mundo extraem seu poder maligno.

Percebem agora a efetividade necessária do Propósito Divino subjacente no processo obrigatório de tentação no homem superior? É a única maneira de desmascarar o terrível Guardião do Umbral e de destruir essa Hidra de mil cabeças das paixões humanas. Por outro lado, é o único meio de invocar a força redentora do Anjo da Presença, de nossa Alma imortal que, nesses períodos críticos em que tudo, céu e terra, parece ter nos abandonado, surge triunfante com a espada flamejante erguida para livrar-nos da influência do mal e logo levar-nos, confiantes e seguros, pelo Caminho do Bem e da Bem-Aventurança.

O Mistério da Paz

O discípulo não goza de nenhum privilégio especial pelo fato de ser discípulo, nem de algum poder determinado para conjurar as crises de sua vida pessoal. Pelo contrário, há um processo de "precipitação kármica" invocado precisamente pelas circunstâncias que ocorrem em sua vida. Uma vida sem tensões carece de ressonâncias espirituais, pois é da mesma forma que a corda de um arco, que necessita de muita tensão para poder disparar a flecha. No caso do discípulo, a flecha é o propósito espiritual, o arco, sua existência pessoal e, por analogia, as crises são a grande força que origina a tensão da corda. A maioria dos aspirantes sabe disso, mas uma coisa é saber sob um ponto de vista teórico e outra é sentir-se arrastado pelo violento turbilhão das forças de precipitação que causam as grandes crises e tensões.

Lembramos que foi na época mais tensa da nossa vida, quando os problemas eram maiores e as crises mais profundas, que ingressamos no Ashram a que nos honramos de pertencer. As primeiras experiências ashrâmicas chegavam então muito confusas e enevoadas ao nosso cérebro físico, constantemente envolto nas dificuldades de ordem pessoal. O contato com o Mestre e os ensinamentos recebidos chegavam até nós como frutos de um "sonho". Mais adiante, à medida que nos firmávamos no centro da vida pessoal por efeito da consciência meditativa, pudemos precisar melhor as experiências internas e conhecer com exatidão as implicações do contato com o Mestre, com o Ashram e com nossos irmãos de grupo. Esse fenômeno de consciência ashrâmica veio progressivamente, como expressão natural de um processo de alinhamento e integração com a nossa consciência interna, com nosso Anjo Solar.

Não seria justo ressaltar apenas as crises de tensões e problemas. As crises profundas, sem que houvesse intervalos de sossego, sem oásis de paz ou de serenidade na esterilidade ou aparente secura daquele deserto de tensões, causariam a morte física pelo aniquilamento dos recursos de contenção daquela força avassaladora, do mesmo modo que a tensão permanente do arco acabaria destruindo a corda por desgaste. Esses intervalos de paz profunda, intercalados em duas fases de uma crise de grande intensidade, geram o equilíbrio na vida do discípulo impedindo que ele sucumba ou que seus veículos de expressão se inutilizem.

Assim como está escrito nos Livros Sagrados da Loja, "...existe uma paz q.,,. transcende toda compreensão, é a Paz dos Mestres, Daqueles que habitam no eterno".

Uma leve brisa dessa paz, insuflada no coração do discípulo pela Vontade do Mestre em momentos de tensão dramática, cria as necessárias condições de serenidade mental e estabilidade emocional para que ele possa suportar sem desfalecer as provas e disciplinas mais árduas da vida pessoal. Assim, o êxtase da contemplação é muito frequente nos momentos de solidão mais profunda. Trata-se de um silêncio de paz entre dois sons de crise. O resultado é "visão", e suas consequências imediatas são o estímulo e a força para continuar trilhando o Caminho em direção à Meta.

A Paz é o poder dinâmico que produz o equilíbrio do Universo. Sua expressão no universo do som é a música das esferas. A Paz como experimentada por Aqueles que vivem no eterno é inconcebível pela mente humana. É o próprio Impulso da Vida infinita do Logos Solar expressa por todos Os que podem responder à imensa magnitude de Seu Propósito Universal. Falar de paz no que diz respeito ao homem é nos referirmos a um processo de expansão espiritual com pleno conhecimento de causa. Daí a ênfase dada, no ensinamento esotérico, ao espírito de investigação e à constante observação dos acontecimentos que sucedem à nossa volta e em todos os lugares. O processo de investigação constante e a disciplina pessoal que conduzem à Paz orientam as atividades do aspirante espiritual pelas vias sagradas do propósito interior e para o mundo das causas originais. O propósito espiritual inteligentemente revelado acrescenta paz, um aspecto sintônico com aquele Centro de Paz que é o Sol Central de onde a Vida do Universo se origina.

Durante os primeiros meses após nosso ingresso no Ashram, tivemos uns vislumbres dessa Paz imensa de que o ser humano normalmente não tem noção. Em certos momentos de tensão pessoal e quando o processo kármico da nossa vida era mais intensamente doloroso, de repente sentíamos uma onda de Paz infinita no coração que nos isolava completamente de todas as inquietudes e dificuldades. Essa paz nem sempre era consequência de um contato com nosso Anjo Solar, com nosso Eu Superior, mas resultado da intervenção compassiva do Mestre que unia momentaneamente a nossa consciência à Sua, libertando-nos temporariamente dos problemas, ou melhor dizendo, isolando a nossa mente deles e nos oferecendo uma visão mais profunda e tranquila da vida. Era como uma brisa fresca na aridez do deserto, como um relâmpago que, com sua luz ofuscante, subitamente iluminava aqueles momentos sombrios de solidão espiritual.

Entretanto, esses momentos, gozados com a fruição do peregrino sedento no deserto ante o manancial refrescante, sempre nos deram a medida do eterno, elevando-nos acima de nós mesmos e tornando-nos conscientes da relatividade dos problemas da nossa existência pessoal. Aquela paz transmitida pela atenção generosa do Mestre não nos libertava do karma pessoal, mas nos dava uma visão correta das condições que deviam ser alteradas e nos oferecia uma visão do conjunto de circunstâncias que nos envolviam. Víamos nossos problemas como alheios, analisávamos de cima para dentro e não de baixo para fora, que é como o homem habitualmente resolve seus problemas e dificuldades. Da mesma maneira que o estudo de um raio de Sol pode nos dar uma ideia do Sol pois suas qualidades se expressam através de todos e cada um de seus raios, nós, humildes aspirantes na Senda Espiritual, por efeito daqueles momentos solenes de paz, reconstruíamos dentro de nós a Paz infinita do eterno e escutávamos em nosso interior alguns dos sons mágicos que as esferas em movimento dentro e além do círculo-não-se-passa do nosso Universo transmitem para o ouvido espiritual.

Para o discípulo em treinamento espiritual, a Paz não é uma meta, mas o resultado de seguir sem qualquer resistência o processo infinito de expansão espiritual. Não se chega à Paz pela vontade de alcançá-la e sim quando, esquecidos de tudo, começamos a nos unir ao concerto mágico da Criação. A majestade do Propósito da Vida implícita na Vontade de Deus está em processo de expansão dentro de nós mesmos. Deixando de oferecer resistência a esse Propósito, a Paz, que não é meta nem resultado, mas Causa, Ser e Vida, toma conta de nós, purifica nosso ânimo e nos enche de serenidade.

A Paz confere visão correta, estímulo incessante, qualidade e poderes indescritíveis. Essas faculdades só podem ser utilizadas por Aqueles que são Paz, que vivem em Paz e que podem transmitir Paz. Ao nos referirmos à Paz que o Mestre nos proporcionava com Sua intercessão divina, devemos dizer que éramos conscientes de que aquela Paz não era tanto um fruto de nossa elevação espiritual quanto um testemunho vivo da compaixão do Mestre. O fato de vivermos a paz por Sua intermediação não implicava a paz profunda de vida, nascida da fusão ou união infinita com o Princípio de Paz, mas sim um reflexo da paz do Mestre que, por Sua vez, era um ponto de confluência da Paz e do equilíbrio das esferas em movimento.

Devemos dizer também que essa paz, ainda que refletida, conferia-nos a visão e o desenvolvimento efêmero de certas qualidades espirituais, como o poder de penetrar na raiz de qualquer coisa ou acontecimento ou de "ouvir a música das esferas", o que não implicava que devíamos deixar de lutar contra nossos problemas. Isso não seria justo, karmicamente falando. É certo que pode existir um processo de "Substituição" pelo qual o Mestre, Senhor de Compaixão infinita, pode arcar sobre Si o peso kármico da vida pessoal de um discípulo, porém só se utiliza essa circunstância quando há um Serviço especial, ashrâmico, para o qual esse discípulo está plenamente capacitado e que dele exige uma mente e um coração muito equilibrados para poder realizá-lo. Cristo realizou esse processo de Substituição há dois mil anos em favor do grande discípulo que é a Humanidade como um todo. Sua intervenção favoreceu o grande impulso de vida que depois, com o transcurso dos séculos, culminou na atual aproximação humana a estes desenvolvimentos, técnicas e descobertas dos nossos dias que asseveram o valor de Suas infinitas palavras: "Vós fareis coisas maiores do que Eu realizei." Os avanços técnicos deste final de século são verdadeiros milagres, prodígios imensos se considerados pela visão das pessoas que viviam na Palestina há dois mil anos.

Como adquirir a Paz? Essa é a primeira pergunta de todo aspirante sincero. A expressão de uma vida muito agitada, convulsionada por muitas crises e problemas, com grandes e inumeráveis dificuldades de ordem física, psíquica e moral, leva a mente do investigador, do discípulo em provação, a perguntas profundas e difíceis sobre os problemas capitais de sua vida e sua falta de paz. Ele pergunta-se muito sinceramente se existe dentro de seu coração algum resquício aberto à Paz do Mestre em Quem crê e confia, apesar de ainda não ter estabelecido com Ele nenhum contato consciente. O discípulo em provação e o Aceito sabem que essa Paz existe e sabem também que é uma condição da vida da Natureza e não um simples estado de consciência. Devido a isso, estão persuadidos de que essa Paz não está circunscrita às circunstâncias passageiras da vida pessoal, de que suas raízes são mais profundas do que as que nutrem a substância de uma determinada vida kármica. O poder vem de mais longe, de mais adiante de tudo que a existência pessoal oferece com tantos e tão variados matizes.

Daí a dificuldade de se estabelecer relação com a Paz, de se sentir penetrado por ela. Os livros, mesmo os mais sagrados, não podem dar uma noção da Paz; podem apenas falar sobre ela como uma consequência natural de viver corretamente e podem, inclusive, dar certas idéias definidas sobre o que significa vida correta no que se refere ao ser humano.

Que fique entendido, porém, que a Paz não vem somente com o conhecimento de que ela existe. Muitas pessoas vivem plenamente em paz sem jamais terem questionado sobre ela e sem terem praticado nenhum dos exercícios correntes de Ioga ou de meditação. Trata-se de um processo de vida, não de um processo de disciplina. O simples discernimento do valor de uma coisa deveria nos bastar para sabermos sobre sua utilidade, mas frequentemente qualquer coisa que entra pelos nossos olhos e ouvidos chega ao nosso coração sem passar pelo crivo do nosso discernimento. O tão pouco uso dessa faculdade pelo aspirante espiritual é causa de muitos erros e extravios, de perda de tempo em relação ao eterno propósito da vida.

O que realmente interessa ao aspirante espiritual frente ao grande mistério da Paz, que intui, mas que ainda não é capaz de viver, é saber se há algum caminho ao seu alcance para tentar abrir seu coração, sua mente e sua vida inteira às impressões infinitas da Paz Universal.

Esse pensamento havia nos ocorrido em muitas ocasiões, até que um dia, no Ashram, o Mestre nos deu uma explicação que para nós foi completa e definitiva.


"A Paz" - disse-nos Ele - "é a Vida, não um elemento da vida, uma Resolução, não uma simples formulação. Vós constantemente formulais perguntas sobre a Paz e sobre como obtê-la. No entanto, como a Paz sois vós na eternidade de vossa origem, cada vez que formulais uma pergunta acerca da Paz, encobris mais que descobris essa Paz em vossa vida. A Paz é um mistério maior do que a própria criação do Universo, pois esse Universo é uma criação e a Paz está infinitamente adiante e acima de todas as criações. A Paz é Causa e Motivo de criação, é o Poder que promove o Alento Criador e, portanto, transcende Manvântaras e Pralayas. No exercício do poder criador, encontra-se o veículo da Paz. Não pergunteis sobre ela... exercitai-a!"

Continuou, dizendo: "Agora, empregai a analogia. Vós sois uma criação, um universo e, ao mesmo tempo, sois como Krishna, aquele poder infinito que, `apenas com um fragmento de si mesmo, preenche a totalidade do Universo'. Portanto, o essencial não é Arjuna, o pequeno fragmento com que encheis vossa vida de criações, incluindo todos e cada um dos vossos veículos expressivos, mas vossa infinita transcendência que, corno Deuses que sois, é Paz Universal e Propósito de Vida. Assim como dizia Buda, `o verdadeiro guerreiro é aquele que vence sem lutar'. Deixai, pois, de lutar, deixai de atormentar-vos com questões acerca da Paz do Grande Senhor do Universo ou do Mistério de Suas infinitas Criações ou modificações indescritíveis do Seu Propósito, e vos dareis conta na prática de que vós sois essencialmente Paz e de que precisais apenas deixar de pensar nela, tão sutil o laço que dela vos aparta, para que ela se expresse m vós, cumulando de bênçãos tudo que vos rodeia.

"Percebereis, assim, o valor afirmativo das palavras com que às vezes vos saúdo ou com que faço sentir minha presença: `Eu vos dou minha Paz' ou ‘A Paz esteja convosco', fórmulas tipicamente universais, repletas de poder mantrâmico que podem ser pronunciadas apenas por Aqueles cujo coração vive a Paz do eterno."

Desde que o Mestre, com Seu Verbo simples, mas indescritivelmente sábio, deu-nos Sua Mensagem e Seu testemunho sobre a Paz, deixamos de lutar pela Paz dentro de nós e deixamos então que fosse ela a nos buscar e que desse modo se consumasse o testemunho da Paz infinita do Universo.

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