A Doutrina Secreta ensina que...

1 - Apresentação

Nas imagens contidas no proêmio da Doutrina Secreta, na primeira há um disco de brancura sem mácula, destacando-se sobre fundo de um negro intenso, representando o Cosmos na Eternidade, antes do despertar da Energia ainda em repouso, a emanação do Verbo em sistemas posteriores. Na segunda aparece o mesmo disco, mas com um ponto no centro. O ponto no círculo, até então imaculado, Espaço e Eternidade em Pralaya, indica a aurora da diferenciação. É o ponto dentro do Ovo do Mundo, o germe interno de onde se desenvolverá o Universo, o Todo, o Cosmos infinito e periódico; germe que é latente e ativo, revezando-se periodicamente os dois estados. O único círculo é a Unidade Divina, de onde tudo procede e para onde tudo retorna: sua circunferência, símbolo forçosamente limitado, porque limitada é a mente humana, indica a PRESENÇA abstrata e sempre incognoscível, e seu plano, a Alma Universal, embora os dois sejam um. Sendo branca a superfície do disco e negro todo o fundo que o rodeia, isso mostra que esse plano é o único conhecimento, não obstante ainda obscuro e nebuloso, que ao homem é dado alcançar. No plano tem origem as manifestações manvantáricas, porque é naquela ALMA que, durante o Pralaya, dorme o Pensamento Divino, no qual jaz oculto o plano de todas as cosmogonias e teogonias futuras.

É a VIDA UNA, eterna, invisível - mas onipresente; sem princípio nem fim - mas periódica em suas manifestações regulares (em cujos intervalos reina o profundo mistério do Não-Ser); inconsciente - mas Consciência absoluta; incompreensível - mas a única realidade existente por si mesma; em suma, "um Caos para os sentidos, um Cosmos para a razão". Seu atributo único e absoluto, que é Ele mesmo, o Movimento eterno e incessante, é chamado, esotericamente, o Grande Sopro, que é o movimento perpétuo do Universo, no sentido de Espaço sem limites e sempre presente. O que é imóvel não pode ser Divino. Mas, de fato e na realidade, nada existe absolutamente imóvel na Alma Universal.

Desde o começo do que constitui a herança do homem, desde o primeiro aparecimento dos arquitetos do globo em que vivemos, a Divindade não revelada foi reconhecida e considerada sob o seu único aspecto filosófico - o Movimento Universal, a vibração do Sopro criador na Natureza. O Ocultismo sintetiza assim a Existência Una: "A Divindade é um fogo misterioso vivo (ou movente), e as eternas testemunhas desta Presença invisível são a Luz, o Calor e a Umidade" tríade esta que abrange todos os fenômenos da Natureza e lhes é a causa. O movimento intracósmico é eterno e incessante; o movimento cósmico, o que é visível ou objeto da percepção, é finito e periódico. Como eterna abstração, é o Sempre Presente; como manifestação, é finito, na direção do futuro e na direção do passado, sendo estes dois o Alfa e o Omega das reconstruções sucessivas. O Cosmos - o Número - não tem nada que ver com as relações causais do mundo fenomenal. Só em relação à Alma intracósmica, ao Cosmos ideal no imutável Pensamento Divino é que podemos dizer: "Jamais teve começo, nem jamais terá fim". Quanto ao seu corpo ou organismo cósmico, ainda que se não possa dizer que haja tido uma primeira construção ou deva ter uma última, em cada novo Manvantara pode esse organismo ser havido como o primeiro e o último de sua espécie, pois evoluciona cada vez para um plano mais elevado...

A primeira figura é um disco simples.
A segunda é um disco com um ponto no centro, um símbolo arcaico que representa a primeira diferenciação nas manifestações periódicas da Natureza eterna, sem sexo e infinita, "Aditi em AQUILO" (Rig Veda), ou o Espaço potencial no Espaço abstrato.
Na terceira fase, o ponto se transforma em um diâmetro, é o símbolo da Mãe-Natureza, divina e imaculada, no Infinito absoluto, que abrange todas as coisas.
Quando o diâmetro horizontal se cruza com um vertical, o símbolo se converte na cruz do mundo.
A humanidade alcançou sua Terceira Raça-Raiz: é o signo do começo da vida humana, quando a circunferência desaparece, ficando apenas a cruz, este signo representa a queda do homem na matéria, começando então a Quarta Raça. A Cruz inscrita no círculo simboliza o Panteísmo puro; suprimido o círculo, passa a ser um símbolo fálico.
Tinha o mesmo significado, afora outros especiais, que o Tau inscrito no círculo,
ou que o martelo de Thor, a chamada cruz Jaina, ou simplesmente Suástica, dentro de um círculo.

Por meio do terceiro símbolo - o círculo dividido em dois pelo diâmetro horizontal - se dava a entender a primeira manifestação da Natureza criadora, ainda passiva (porque feminina). A primeira percepção vaga que o homem tem da procriação é feminina, pois o homem conhece mais de perto a mãe que o pai. As divindades femininas eram, por isso, mais sagradas que as masculinas. A Natureza é, portanto, feminina, e até certo ponto objetiva e tangível; e o Princípio espiritual que a fecunda permanece oculto.

Acrescentando uma linha perpendicular ao diâmetro horizontal, formou-se o Tau - a mais antiga forma desta letra. Este foi o símbolo da Terceira Raça-Raiz até o dia de sua queda simbólica, ou seja, a separação dos sexos por evolução natural;
então a figura passou à figura seguinte, ou a vida assexual modificada e dividida - um duplo signo ou hieróglifo. Com as sub-raças de nossa Quinta Raça, veio a ser em simbologia o Sacr', e em hebreu o N'cabvah, das Raças primitivamente formadas;
transformou-se depois no emblema egípcio da vida,
e, mais tarde ainda, no signo de Vênus.

A seguir vem a Suástika (o martelo de Thor, ou a Cruz Hermética atual), separada completamente do círculo e, portanto, fálica.

O símbolo esotérico do Kali Yuga é a estrela de cinco pontas invertida, isto é, com duas pontas viradas para cima (cornos), - signo da feitiçaria humana - posição que todo Ocultista reconhecerá como pertencente à "mão esquerda", e empregada na magia cerimonial.

Erram e cometem injustiça os que consideram ateus os Ocultistas, budistas e Adwaítas. Se todos não são filósofos, mostram-se pelo menos lógicos, baseando-se os seus argumentos e objeções no mais estrito raciocínio. Em verdade, se encararmos o Parabrahman dos hindus como representante das divindades ocultas e inominadas de outras nações, veremos que este Princípio absoluto é o protótipo do qual foram copiadas todas as demais. Parabrahman não é "Deus", como não é um Deus. "É o supremo e o não supremo (Parâvara)". É o supremo como causa, e o não supremo como efeito. Parabrahman é simplesmente, como Realidade sem par, o Cosmos que tudo contém - ou melhor, o Espaço cósmico infinito - no sentido espiritual mais elevado, naturalmente. Sendo Brahman (neutro) a Raiz suprema, imutável, pura, livre, incorruptível, "a verdadeira Existência Una, Paramârthika", e o absoluto Chit ou Chaitanya (Inteligência, Consciência), não pode conhecer, "porque AQUILO não pode ser sujeito de cognição". Pode-se dizer que a chama é a Essência do Fogo? A Essência é "a Vida e a Luz do Universo; o fogo e a chama visíveis são a destruição, a morte e o mal". "O Fogo e a Chama destroem o corpo de um Arhat; sua Essência o torna imortal". "O conhecimento do Espírito absoluto, tal como a refulgência do sol e o calor do fogo, não é outra coisa senão a própria Essência absoluta", diz Sankarâchârya. É "o Espírito do Fogo", não o Fogo em si mesmo; portanto, "os atributos deste último, o Calor e a Chama, não são atributos do Espírito, e sim daquilo de que o Espírito é a causa inconsciente". Parabrahman, em suma, é a agregação coletiva do Cosmos em sua infinidade e eternidade, o "AQUILO" e o "ISTO", a que se não podem aplicar agregados distributivos. "No princípio, ISTO era Ele Mesmo, um somente"; o grande Sankârachârya esclarece que "ISTO" se refere ao Universo (Jagat), e que as palavras "no princípio" significam: antes da reprodução do Universo fenomenal.

Quando, pois, os Panteístas se fazem eco dos Upanishads, que declaram - como também a Doutrina Secreta - que "ISTO" não pode criar, não estão negando a existência de um Criador, ou melhor, de um agregado coletivo de criadores; o que fazem é simplesmente recusar, com muita lógica, atribuir o ato da "criação", e especialmente o da formação - coisas que são finitas - a um Princípio Infinito. Para eles, Parabrahman é uma causa passiva, porque absoluta; é o Mukta incondicionado. Recusam-lhe apenas a Onisciência e a Onipotência limitadas, já que também se trata de atributos, refletidos nas percepções dos homens; e porque, sendo Parabrahman o TODO Supremo, o Espírito e a Alma, sempre invisíveis, da Natureza imutável e eterna, não pode ter atributos: o Absoluto exclui naturalmente a possibilidade de toda relação com a ideia de finito ou condicionado. E quando os Vedantas afirmam que só a emanação de Parabrahman possui atributos - emanação que eles chamam ISHVARA em união com Mâyâ, e Avidyâ (Agnosticismo ou Ciência negativa, antes que ignorância) - dificilmente se verá ateísmo em tal concepção. Pois que é impossível existirem dois Infinitos ou dois Absolutos em um Universo, que se supõe sem limites, como se há de conceber aquela Existência-em-Si-Mesma criando pessoalmente? Para os sentidos e percepções dos seres finitos, AQUILO é o Não-Ser, no sentido de que é aAsseidade Una; porque neste TODO jaz latente sua coeterna e coeva emanação ou irradiação inerente, a qual, ao se converter periodicamente em Brahmâ (a Potência masculino-feminina), se expande no Universo manifestado. "Nârâyana movendo-se sobre as Águas (abstratas) do Espaço" transforma-se nas Águas de substância concreta, impulsionadas por ele, que vem a ser agora o Verbo ou Logos manifestado.

Os brâmanes ortodoxos, aqueles que mais se opõem aos panteístas e aos adwaítas, classificando-os como ateus, têm que admitir, se Manu é alguma autoridade na matéria, a morte de Brahmâ, o Criador, ao terminar cada ciclo desta divindade (100 Anos Divinos, período que exigiria quinze cifras para ser expresso em anos comuns). No entanto, nenhum de seus filósofos entende essa "morte" em outro sentido que não o de um desaparecimento temporário do plano manifestado da existência ou como um repouso periódico.

Os Ocultistas estão, assim, de acordo com os filósofos vedanta-adwaítas a respeito desta doutrina; e demonstram a impossibilidade de aceitar-se, no terreno filosófico, a ideia de TODO absoluto fazer surgir, pela criação, ou até mesmo pela evolução, aquele "'Ovo Áureo", no qual se diz que penetrou para se transformar em Brahmâ, o Criador, desdobrando-se este, depois, nos Deuses e em todo o Universo visível.

Sustentam os Ocultistas que a Unidade absoluta não pode converter-se na Infinidade, porque o Infinito pressupõe a extensão ilimitada de "algo" e a duração deste algo; e o Todo Uno não é - como o Espaço, sua única representação mental e física em nosso plano de existência, a Terra - nem sujeito nem objeto de percepção. Se se pudesse admitir que o Todo eterno e infinito, a Unidade onipresente, em vez de ser na Eternidade, se transformasse, por manifestações periódicas, em um Universo múltiplo ou em uma Personalidade múltipla, tal Unidade deixaria de ser una. A ideia de Locke, de que "o espaço puro não é capaz nem de resistência nem de movimento", é incorreta. O Espaço não é nem um "vazio sem limites" nem uma "plenitude condicionada"; mas uma e outra coisa. E sendo, no plano da abstração, a Divindade sempre ignota, que é um vazio só para a mente finita, e, no plano da percepção mayávica, o Plenum, o continente absoluto de tudo o que é, seja manifestado ou não manifestado - é, por conseguinte, aquele TODO ABSOLUTO. Não há diferença alguma entre as palavras do Apóstolo cristão: "Nele vivemos, nele nos movemos e temos o nosso ser", e o que diz o Rishi hindu: "O Universo vive em Brahmâ, dele procede e a ele voltará"; porque Brahman (neutro), o não manifestado, é aquele Universo in abscondito; e Brahmâ, o manifestado, é o Logos macho-fêmea dos dogmas ortodoxos. O Deus do Apóstolo Iniciado, assim como o do Rishi, é ao mesmo tempo o Espaço Invisível e o Visível. Em simbolismo esotérico, o Espaço é chamado "Mãe-Pai Eterno de Sete Peles"; e é constituído de sete capas, desde sua superfície não diferenciada até a diferenciada.

"Que é que foi, é e será... haja ou não um Universo, existam ou não deuses?" - pergunta o Catecismo Esotérico Senzar. E a resposta é: "O Espaço".

O que se recusa aceitar não é o Deus Uno desconhecido, sempre presente na Natureza, ou a Natureza in abscondito; mas o "Deus" do dogma humano e o seu "Verbo" humanizado. Em sua incomensurável presunção, e no orgulho e vaidade que lhe são inerentes, criou o homem o seu Deus, pelas próprias mãos sacrílegas e com os materiais que encontrou em sua mísera substância cerebral, e o impôs ao gênero humano como uma revelação direta do ESPAÇO uno e não revelado.

O ocultista aceita a revelação como procedente de Seres Divinos, mas finitos; das Vidas manifestadas, mas não da Vida Una não manifestada; daquelas Entidades chamadas Homens Primordiais, Dhyâni-Buddhas ou Dhyân Chohans, os Rishi-Prajâpati dos hindus, os Elohim ou Filhos de Deus dos Judeus, os Espíritos Planetários de todas as nações, que foram considerados Deuses pelos homens. O Ocultista considera também Âdi-Shakti - a emanação direta de Mûlaprakriti, a ETERNA RAIZ DE AQUILO, e o aspecto feminino da Causa Criadora, Brahmâ, em sua forma âkâshica de Alma Universal - como Mâyâ, filosoficamente, e causa da Mâyâ humana. Esse modo de ver não o impede, porém, de crer em sua existência por todo o tempo em que esta perdura, isto é, durante um Mahâmanvantara; nem de aplicar o Akâsha, a irradiação de Mûlaprakriti, a fins práticos, visto que a Alma do Mundo está relacionada com todos os fenômenos naturais, conhecidos ou desconhecidos da ciência.

As religiões mais antigas do mundo - exotericamente, porque todas têm uma só raiz ou fundamento esotérico - são a industânica, a masdeísta e a egípcia. Segue-se a dos Caldeus, produto das anteriores, hoje inteiramente perdida para o mundo, exceto no Sabeísmo desfigurado pela interpretação atual dos arqueólogos. Depois, vem a judaica, que esotericamente acompanha a linha do magismo babilônico, como se vê na Cabala, e exotericamente é, como no Gênesis e no Pentateuco, uma coletânea de lendas alegóricas. Lidos à luz do Zohar, os quatro primeiros capítulos do Gênesis são os fragmentos de uma página altamente filosófica de cosmogonia. Vistos em sua aparência simbólica, não passam de um conto para crianças, um espinho incômodo cravado no flanco da ciência e da lógica - efeito evidente de Karma. Deixá-los servir de prólogo ao Cristianismo foi como que uma cruel vindita dos rabinos, que sabiam melhor o que significava o seu Pentateuco. Foi um protesto mudo contra a espoliação de que eram alvo, e em verdade os judeus levam hoje vantagem sobre os seus perseguidores tradicionais.

O Catecismo Oculto contém as seguintes perguntas e respostas:

Que é aquilo que sempre é? - O Espaço, o eterno Anupâdaka (que não tem pais).

Que é aquilo que sempre foi? - O Germe na Raiz.

Que é aquilo que sem cessar vai e vem? - É o Grande Sopro.

Então há três Eternos? - Não, os três são um. - O que sempre é, é um; o que sempre foi, é um; o que sempre está sendo e vindo a ser, é também um; e este é o Espaço.

Explica, ó Lanu! (discípulo) - O Uno é um Círculo não interrompido (Anel) e sem circunferência, porque não está em parte alguma e está em toda parte; o Uno é o Plano sem limites do Círculo, que manifesta um Diâmetro somente durante os períodos manvantáricos; o Uno é o Ponto indivisível que não está situado em parte alguma, e percebido em toda parte durante aqueles períodos. É a Vertical e a Horizontal, o Pai e a Mãe, a cúspide e a base do Pai, as duas extremidades da Mãe, que em realidade não chegam a parte alguma; porque o Uno é o Anel, como também os Anéis que estão dentro desse Anel. É a Luz nas Trevas, e as Trevas na Luz: "o Sopro que é eterno". Atua de fora para dentro, quando está em toda parte, e de dentro para fora, quando não está em parte alguma - ou seja, Mâyâ, um dos Centros. Expande-se (expiração e inspiração). Quando se expande, a Mãe se difunde e se dispersa; quando se contrai, a Mãe se encolhe e se concentra. Assim se produzem os períodos de Evolução e de Dissolução, Manvantara e Pralaya. O Germe é invisível e ígneo; a Raiz (o plano do Círculo) é fria; mas durante a Evolução e o Manvantara, o seu revestimento é frio e radiante. O Sopro quente é o Pai que devora a progênie dos Elementos de múltiplas faces (heterogêneos) e deixa os que têm uma só face (homogêneos). O Sopro frio é a Mãe que os concebe, que os forma, que os faz nascer e que os recolhe novamente em seu seio para tornar a formá-los outra vez na Aurora (do Dia de Brahma, ou Manvantara).

Para melhor compreensão dos leitores em geral, devemos esclarecer que a Ciência Oculta reconhece a existência de sete Elementos cósmicos, quatro dos quais são inteiramente físicos. e o quinto semimaterial (o Éter); este último chegará a ser visível no ar até o final de nossa Quarta Ronda, e terá a supremacia sobre os outros na Quinta Ronda. Os dois restantes ainda estão absolutamente fora do alcance da percepção humana. Aparecerão, todavia, como pressentimentos, durante as Raças Sexta e Sétima da Ronda atual, e se tornarão de todo conhecidos na Sexta e na Sétima Ronda, respectivamente.

Estes sete Elementos, com seus inumeráveis subelementos (que são muito mais numerosos que os admitidos pela ciência) não passam de modificações condicionadas e aspectos do Elemento Uno e único. Este último não é o Éter, nem sequer o Akâsha, mas a fonte de ambos. O Quinto Elemento, que a ciência hoje tende a admitir, não é o Éter imaginado por Sir Isaac Newton, ainda que este lhe desse tal nome associando-o provavelmente com AEther, "o Pai-Mãe" da antiguidade. Como disse Newton por intuição: "A Natureza trabalha perpetuamente em ciclos, fazendo gerar fluidos de sólidos, coisas fixas de coisas voláteis, e voláteis das fixas; coisas sutis das grosseiras, e coisas grosseiras das sutis... Assim, é possível que todas as coisas tenham sua origem no Éter".


2 – A Doutrina Secreta estabelece três proposições fundamentais:

I. Um PRINCÍPIO Onipresente, Sem Limites e Imutável, sobre o qual toda especulação é impossível, porque transcende o poder da concepção humana e porque toda expressão ou comparação da mente humana não poderia senão diminuí-lo. Está além do horizonte e do alcance do pensamento, ou, segundo as palavras do Mândûkya, é "inconcebível e inefável".

Para que possa compreender mais claramente estas ideias, deve o leitor adotar como ponto de partida o seguinte postulado: Há uma Realidade Absoluta, anterior a tudo o que é manifestado ou condicionado. Esta Causa Infinita e Eterna, vagamente formulada no "Inconsciente" e no "Incognoscível" da filosofia, é a Raiz sem Raiz de "tudo quanto foi, é e será". É, naturalmente, desprovida de todo e qualquer atributo, e permanece essencialmente sem nenhuma relação com o Ser manifestado e finito. É a "Asseidade", mais propriamente que o Ser, Sat em sânscrito, e está fora do alcance de todo pensamento ou especulação.

Esta Asseidade é simbolizada na Doutrina Secreta sob dois aspectos. De um lado, o Espaço Abstrato absoluto, representando a subjetividade pura, aquilo que nenhuma mente humana pode excluir de qualquer conceito, nem conceber como existente em si mesmo. De outro lado, o Movimento Abstrato absoluto, que representa a Consciência Incondicionada. Os próprios pensadores ocidentais têm afirmado que a consciência, separada da transformação, é inconcebível para nós, e que o movimento é o melhor símbolo da transformação e sua característica essencial. Este último aspecto da Realidade Una é ainda simbolizado pela expressão "o Grande Sopro", e o símbolo é bastante sugestivo para necessitar de outra explicação. Assim, o primeiro axioma fundamental da Doutrina Secreta é aquele UM ABSOLUTO metafísico - a ASSE IDADE, representada na Trindade teológica pela inteligência finita.

Parabrahman, a Realidade Una, o Absoluto, é o campo da Consciência Absoluta, vale dizer, daquela Essência que está fora de toda relação com a existência condicionada, e cuja existência consciente é um símbolo condicionado. Mas, logo que saímos, em pensamento, desta Negação Absoluta (para nós), surge o dualismo no contraste entre o Espírito (ou Consciência) e a Matéria, entre o sujeito e o objeto.

O Espírito (ou Consciência) e a Matéria devem ser, no entanto, considerados não como realidades independentes, mas como duas facetas ou aspectos do Absoluto (Parabrahman), que constituem a base do ser condicionado, seja subjetivo ou objetivo.

Se consideramos essa tríade metafísica como a raiz de que procede toda manifestação, o Grande Sopro assume o caráter de Ideação pré-cósmica. É a fons et origo da força e de toda consciência individual; e de onde promana a inteligência que preside o vasto plano da Evolução cósmica. Por outra parte, a Substância-Raiz pré-cósmica (Mûlaprakriti) é o aspecto do Absoluto que serve de substrato a todos os planos objetivos da natureza.

Assim como a Ideação Pré-Cósmica é a raiz de toda consciência individual, assim também a Substância Pré-Cósmica é o substrato da matéria nos seus diversos graus de manifestação.

Daí resulta que o contraste desses dois aspectos do Absoluto é essencial para a existência do Universo manifestado. Isolada da Substância cósmica, a Ideação Cósmica não poderia manifestar-se como consciência individual; pois só por meio de um veículo (upâdhi) de matéria é que a consciência emerge como "Eu sou Eu", sendo necessária uma base física para concentrar um Raio da Mente Universal a certo grau de complexidade. E por sua vez, separada da Ideação Cósmica, a Substância Cósmica não passaria de uma abstração vazia, e nenhuma manifestação de consciência poderia surgir.

O Universo Manifestado acha-se, portanto, informado pela dualidade, que vem a ser a essência mesma de sua Ex-istência como manifestação. Mas, assim como os polos opostos de Sujeito e Objeto, de Espírito e Matéria, não são mais que aspectos da Unidade Una, que é a sua síntese, assim também no Universo Manifestado existe "algo" que une o Espírito à Matéria, o Sujeito ao Objeto.

Esse "algo", que a especulação ocidental presentemente desconhece, é chamado Fohat pelos Ocultistas. É a "ponte" por meio da qual as ideias existentes no Pensamento Divino passam a imprimir-se sobre a Substância Cósmica, como Leis da Natureza. Fohat é, assim, a energia dinâmica da Ideação Cósmica; ou então, encarado sob outro aspecto, é o "medium" inteligente, o poder diretor de toda manifestação, o Pensamento Divino transmitido e manifestado por intermédio dos Dhyân Chohans, os Arquitetos do Mundo visível. Assim, do Espírito ou Ideação Cósmica provém a nossa Consciência; da Substância Cósmica, os diversos veículos em que esta Consciência se individualiza e chega ao Eu, à consciência de si mesma ou reflexiva; enquanto Fohat, em suas manifestações várias, é o elo misterioso que une o Espírito à Matéria, o princípio animador que eletriza cada átomo para dar-lhe vida.

O seguinte resumo dará ao leitor uma noção mais clara:

1. O ABSOLUTO: o Parabrahman dos Vedantas ou a Realidade Una, Sat, que é ao mesmo tempo Absoluto Ser e Não-Ser.

2. O Primeiro Logos: o impessoal e, em filosofia, não manifestado; o Logos precursor do Manifestado. É a "Causa Primeira", o "Inconsciente" dos panteístas.

3. O Segundo Logos: Espírito-Matéria, Vida; o "Espírito do Universo", Purusha e Prakriti.

4. O Terceiro Logos: A Ideação Cósmica; Mahat ou Inteligência, a Alma Universal do Mundo; o Númeno Cósmico da Matéria, a base das operações inteligentes da Natureza; também chamado Mahâ-Buddhi.

A REALIDADE UNA; seus aspectos duais no Universo condicionado.


A Doutrina Secreta afirma, além disso:

II. A Eternidade do Universo in toto, como plano sem limites; periodicamente "cenário de Universos inumeráveis, manifestando-se e desaparecendo constantemente", chamados "as Estrelas que se manifestam" e "as Centelhas da Eternidade". "A Eternidade do Peregrino" é como um abrir e fechar de olhos da Existência-por-si-Mesma", segundo o Livro de Dzyan. "O aparecimento e o desaparecimento de Mundos são como o fluxo e o refluxo periódico das marés".

Este segundo asserto da Doutrina Secreta é a universalidade absoluta daquela lei de periodicidade, de fluxo e refluxo, de crescimento e decadência, que a ciência física tem observado e registra em todos os departamento da Natureza. Alternativas tais como Dia e Noite, Vida e Morte, Sono e Vigília, são fatos tão comuns, tão perfeitamente universal e sem exceção, que será fácil compreender por que divisamos nelas uma das leis absolutamente fundamentais do Universo.


Ensina também a Doutrina Secreta:

III. A identidade fundamental de todas as Almas com a Alma Suprema Universal, sendo esta última um aspecto da Raiz Desconhecida; e a peregrinação obrigatória para todas as Almas, centelhas daquela Alma Suprema, através do Ciclo de Encarnação, ou de Necessidade, durante todo esse período. Em outras palavras: nenhum Buddhi puramente espiritual (Alma Divina) pode ter uma existência consciente independente, antes que a centelha, emanada da Essência pura do Sexto Princípio Universal - ou seja, da ALMA SUPREMA - haja passado por todas as formas elementais pertencentes ao mundo fenomenal do Manvantara, e adquirido a individualidade, primeiro por impulso natural e depois à custa dos próprios esforços, conscientemente dirigidos e regulados pelo Karma, escalando assim todos os graus de inteligência, desde o Manas inferior até o Manas superior; desde o mineral e a planta ao Arcanjo mais sublime (Dhyâni-Buddha). A Doutrina axial da Filosofia Esotérica não admite a outorga de privilégios nem de dons especiais ao homem, salvo aqueles que forem conquistados pelo próprio Ego com o seu esforço e mérito pessoal, ao longo de uma série de metempsicoses e reencarnações.

Por isso dizem os hindus que o Universo é Brahman e Brahmâ; porque Brahman está em todo átomo do Universo, sendo os seis princípios da natureza a expressão ou os aspectos vários e diferenciados do Sétimo e Uno, a Realidade única no Universo, seja cósmico ou microcósmico; e ainda porque as permutações psíquicas, espirituais e físicas do Sexto (Brahmâ, o veículo de Brahman), no plano da manifestação e da forma, são consideradas, por antífrase metafísica, ilusórias e mayávicas. Embora a raiz de todos os átomos, individualmente, e de todas as formas, coletivamente, seja o Sétimo Princípio, ou a Realidade Una, em sua aparência manifestada, fenomenal e temporária tudo isso não é senão uma ilusão efêmera dos nossos sentidos.

Em seu modo de ser absoluto, o Princípio Uno, sob seus dois aspectos, Parabrahman e Mûlaprakriti, não tem sexo, é incondicionado e eterno. Sua emanação manvantárica, periódica, ou irradiação primária, é também una, andrógina, e finita em seu aspecto fenomenal. Quando, por sua vez, a emanação irradia, todos os seus raios são igualmente andróginos, convertendo-se nos princípios masculino e feminino em seus aspectos inferiores. Depois de um Pralaya, quer seja o Grande Pralaya ou o Pralaya Menor - deixando este último os mundos em status quo - o primeiro a despertar para a vida ativa é o plástico Akâsha, o Pai-Mãe, o Espírito e a Alma do Éter, ou seja, o Plano do Círculo. O Espaço é chamado a Mãe, antes de sua atividade cósmica, e Pai-Mãe no primeiro estágio do seu despertar. Na Cabala ele é também Pai-Mãe-Filho. Mas, enquanto na doutrina oriental constituem estes o Sétimo Princípio do Universo Manifestado, ou Atmâ-Buddhi-Manas (Espírito-Alma-Inteligência), ramificando-se e dividindo-se a Tríade em sete Princípios Cósmicos e em sete Princípios Humanos, na Cabala ocidental dos místicos cristãos correspondem à Tríade ou Trindade, e, entre os seus Ocultistas, ao Jehovah macho-fêmea, Jah-Havah. Nisso consiste toda a diferença entre as Trindades esotérica e cristã.

Os místicos e os filósofos, os panteístas orientais e ocidentais, sintetizam sua Tríade pré-genética na abstração divina pura. Os ortodoxos a antropomorfizam. Hiranyagarbha, Hari e Sansara (Brahamâ, Vishnu e Shiva) - as três Hipóstases do Espírito que se manifesta (o "Espírito do Espírito Supremo", título sob o qual Prithivi, a Terra, saúda a Vishnu em seu primeiro Avatar) - são as qualidades abstratas e puramente metafísicas da Formação, da Conservação e da Destruição; são também os três Avasthâs (Hipóstases) divinos daquele que "não parece com as coisas criadas", Achyuta, nome de Vishnu. Os cristãos ortodoxos cindem a sua Divindade pessoal criadora em três pessoas distintas, e não admitem Divindade superior. Esta última, em Ocultismo, é o Triângulo abstrato; para o ortodoxo, é o cubo perfeito. O deus criador, ou antes a coletividade dos deuses criadores, é considerado pelo filósofo oriental como Bhrântidarshanatah, "falsas aparências", algo "concebido, em razão de aparências enganosas, como uma forma material", e que se explica como proveniente do conceito ilusório da Alma humana pessoal e egoísta (o Quinto Princípio inferior).


3 – A Doutrina Secreta ensina...

A Doutrina Secreta ensina o progressivo desenvolvimento de todas as coisas, tanto dos mundos como dos átomos. Não é possível conceber o princípio desse maravilhoso desenvolvimento, nem tampouco imaginar-lhe o fim. O nosso "Universo" não passa de uma unidade em um número infinito de Universos, todos eles "Filhos da Necessidade", elos da Grande Cadeia Cósmica de Universos, cada qual em relação de efeito com o que o precedeu, e de causa com o que lhe sucede.

O aparecimento e o desaparecimento do Universo são descritos como expiração e inspiração do Grande Sopro, que é eterno e que, sendo Movimento, é um dos três aspectos do Absoluto; os outros dois são o Espaço Abstrato e a Duração. Quando o Grande Sopro expira, é chamado o Sopro Divino e considerado como a respiração da Divindade Incognoscível - a Existência Una -, emitindo esta, por assim dizer, um pensamento, que vem a ser o Cosmos. De igual modo, quando o Sopro Divino é inspirado, o Universo desaparece no seio da Grande Mãe, que então dorme "envolta em suas Sempre Invisíveis Vestes".


4 - Ensina a Filosofia Esotérica...

Ensina a Filosofia Esotérica que tudo vive e é consciente, mas não que toda vida e toda consciência sejam semelhantes às dos seres humanos ou mesmo dos animais. Nós consideramos a vida como a única forma de existência manifestando-se no que chamamos Matéria, ou naquilo que, no homem, chamamos Espírito, Alma e Matéria (separando-os sem razão). A Matéria é o Veículo para a manifestação da Alma neste plano de existência, e a Alma é o Veículo em um plano mais elevado para a manifestação do Espírito; e os três formam uma Trindade sintetizada pela Vida, que os interpenetra a todos.

A ideia da Vida Universal é um daqueles antigos conceitos que estão retornando à mente humana como consequência de sua libertação da teologia antropomórfica. Verdade é que a Ciência se contenta com traçar ou expor os sinais da Vida Universal, não ousando ainda pronunciar ou sequer sussurrar a expressão Anima Mundi! A ideia da "vida cristalina", que hoje é familiar à ciência, teria sido repudiada com desprezo até por volta da metade do Século XIX. Os botânicos investigam os nervos das plantas; não porque suponham que as plantas sejam capazes de sentir ou pensar como os animais, mas por acreditarem que, para explicar o crescimento e a nutrição dos vegetais, é necessária uma estrutura que guarde, na vida das plantas, uma relação funcional idêntica à dos nervos na vida animal. Parece quase impossível que a Ciência se deixe enganar por muito mais tempo com o simples uso de palavras tais como "força" e "energia", tardando em reconhecer que as coisas dotadas de movimento são coisas vivas, quer se trate de átomos ou de planetas.


5 - Ensina a Doutrina que...

Ensina a Doutrina que, para chegarem a Deuses divinos e plenamente conscientes, as Inteligências Espirituais Primárias (inclusive as mais elevadas) têm que passar pela fase humana. E a palavra "humana" não deve aqui aplicar-se tão somente à nossa humanidade terrestre, mas igualmente aos mortais que habitam todo e qualquer mundo, ou seja, àquelas Inteligências que alcançaram o necessário equilíbrio entre a matéria e o espírito, como nós agora, que já transpusemos o ponto médio da Quarta Raça-Raiz da Quarta Ronda. Cada Entidade deve conquistar por si mesma o direito de converter-se em um ser divino, à custa da própria experiência.

Hegel, o grande pensador alemão, deve ter conhecido ou pressentido intuitivamente essa verdade, quando disse que o Inconsciente fez evolucionar o Universo "com a esperança de adquirir clara consciência de si mesmo", ou, por outras palavras, de se tornar Homem. Outro não é também o significado da expressão purânica, tantas vezes repetida, de que Brahmâ é constantemente "impelido pelo desejo de criar". Da mesma ordem de ideias é o sentido secreto da frase cabalística: "O Sopro torna-se pedra; a pedra converte-se em planta; a planta em animal; o animal em homem; o homem em espírito; e o espírito em um deus". Os Filhos nascidos da Mente, os Rishis, os Construtores, etc., foram todos homens, quaisquer que tenham sido suas formas e aspectos em outros mundos e nos Manvantaras precedentes.

Sendo de caráter eminentemente místico este assunto, é mui difícil explicá-lo em todas as suas minúcias e consequências, pois nele se acha contido todo o mistério da criação evolutiva. Uma ou duas frases deste Sloka (Estância - "Os Sete Primordiais, os Sete Primeiros Sopros do Dragão de Sabedoria, produzem por sua vez o Torvelinho de Fogo com os seus Sagrados Sopros de Circulação giratória") lembram de modo vívido expressões semelhantes da Cabala e da fraseologia do Rei Salmista. Uma e outra, referindo-se a Deus, fazem do vento o seu mensageiro, e de seus “ministros um fogo abrasador”. Mas na Doutrina Secreta isso tem um sentido figurado. O “Torvelinho de Fogo” é a poeira cósmica incandescente, que acompanha magneticamente, como a limalha de ferro ao ímã, o pensamento diretor das “Forças Criadoras”. Contudo, esta poeira cósmica é alguma coisa mais: porque cada átomo no Universo traz em si a potencialidade da própria consciência. É um átomo e um anjo.

A lei fundamental da Ciência Oculta é a unidade radical da essência última de cada parte constitutiva dos elementos compostos da Natureza, desde a estrela ao átomo mineral, desde o mais elevado Dhyân Chohan ao mais humilde dos infusórios, na completa acepção da palavra, quer se aplique ao mundo espiritual, quer ao intelectual ou ao físico. "A Divindade é um ilimitado e infinito expandir-se" - diz um axioma oculto -, e daí é que vem o nome de Brahma.

No Catecismo, assim pergunta o Mestre ao discípulo:

"Levanta a cabeça, ó Lanu! vês uma luz ou luzes inumeráveis por cima de ti, brilhando no céu negro da meia noite?

"Eu percebo uma Chama, ó Gurudeva! Vejo milhares de centelhas não destacadas, que nela brilham.

"Dizes bem. E agora observa em torno de ti, e dentro de ti mesmo. Essa luz que arde no teu interior, porventura a sentes de alguma maneira diferente da luz que brilha em teus irmãos humanos?

"Não é de modo algum diferente, embora o prisioneiro continue seguro pelo Karma e as suas vestes externas enganem os ignorantes, induzindo-os a dizer: Tua Alma e Minha Alma."

6 - Recapitulemos

Recapitulemos, para mostrar quanto é difícil, senão impossível, fazer completa justiça aos temas ora interpretados, tal a sua magnitude:

1º) A Doutrina Secreta é a Sabedoria acumulada dos séculos, e a sua cosmogonia, por si só, é o mais prodigioso e acabado dos sistemas, ainda que velado, como se encontra, no exoterismo dos Purânas. Mas tal é o poder misterioso do simbolismo oculto que os fatos, que ocuparam a atenção de gerações inumeráveis de videntes e profetas iniciados, para os coordenar classificar e explicar, durante as assombrosas séries do progresso evolutivo, estão todos registrados em algumas poucas páginas de signos geométricos e de símbolos. A visão cintilante daqueles Iniciados foi até ao próprio âmago da matéria, descobriu e perscrutou a alma das coisas, ali onde um observador comum e profano, por mais arguto que fosse, não teria percebido senão a tessitura externa da forma. Mas a ciência hodierna não crê na "alma das coisas", e por isso repugnará todo o sistema da cosmogonia antiga. É inútil dizer que tal sistema não é o fruto da imaginação ou da fantasia de um ou mais indivíduos isolados; que se constitui dos anais ininterruptos de milhares de gerações de videntes, cujas experiências cuidadosas têm concorrido para verificar e comprovar as tradições, transmitidas oralmente de uma a outra raça primitiva, acerca dos ensinamentos de Seres superiores e excelsos que velaram sobre a infância da Humanidade.

Durante muitos séculos, os "Homens Sábios" da Quinta Raça, pertencentes ao grupo sobrevivente que escapou do último cataclismo e das convulsões dos continentes, passaram a vida aprendendo, e não ensinando. Como o faziam? Examinando, submetendo a provas e verificando, em cada um dos departamentos da Natureza, as tradições antigas, por meio das visões independentes dos grandes Adeptos, isto é, dos homens que desenvolveram e aperfeiçoaram, no mais alto grau possível, seus organismos físico, mental, psíquico e espiritual. O que um Adepto via só era aceito depois de confrontado e comprovado com as visões de outros Adeptos, obtidas em condições tais que lhes conferissem uma evidência independente - e por séculos de experiências.

2º) A Lei fundamental do sistema, o ponto central de onde tudo surgiu e para onde tudo converge e gravita, e sobre o qual repousa toda a sua filosofia, é o PRINCÍPIO SUBSTANCIAL, Uno, Homogêneo, Divino: a Causa Radical Única .

...Alguns, cujas lâmpadas tinham mais brilho,
Foram guiados, de uma causa a outra causa,
Ao manancial secreto da Natureza:
E viram que deve existir
Um Princípio primordial...

Chama-se "Princípio Substancial" porque, convertendo-se em “Substância” no Universo manifestado (que não passa de uma ilusão), continua a ser um "Princípio" no ESPAÇO visível e invisível, abstrato, sem começo nem fim. É a Realidade onipresente; impessoal, porque imanente em tudo e em cada uma das coisas. Sua impessoalidade é o conceito fundamental do sistema. Está latente em cada átomo do Universo; e é o próprio Universo.

3º) O Universo é a manifestação periódica daquela Essência Absoluta e desconhecida. Dar o nome de "Essência" é, contudo, pecar contra o espírito mesmo da filosofia. Porque, embora seja aqui o substantivo um derivado do verbo esse, "ser", não pode haver identificação com nenhuma espécie de "seres" concebíveis pela inteligência humana. Define-se melhor dizendo que AQUILO não é Espírito nem Matéria, mas ambos ao mesmo tempo. Parabrahman e Mûlaprakriti são na realidade UM, se bem que apareçam como Dois no conceito Universal do Manifestado, inclusive no do Logos UNO, ou "Manifestação" primeira, em que - como explica o sábio autor das "Notas sobre o Bhagavad Gîtâ" - "AQUILO" surge objetivamente como Mûlaprakriti, e não como Parabrahman; como o seu Véu, e não como a Realidade Una, que está por trás e é incondicionada e absoluta.

4°) O Universo, com tudo o que nele se contém, é chamado Mâyâ porque nele tudo é temporário, desde a vida efêmera do pirilampo até a do sol. Comparado à eterna imutabilidade do UNO e à invariabilidade daquele Princípio, o Universo, com suas formas transitórias e sempre cambiantes, certamente não parecerá, ao espírito de um filósofo, valer mais que um fogo-fátuo. Entretanto, o Universo é suficientemente real para os seres conscientes que o habitam, e que são tão ilusórios quanto ele próprio.

5º) Tudo no Universo, em todos os seus reinos, é consciente, isto é, dotado de uma consciência que lhe é peculiar em seu próprio plano de percepção. Devemos capacitar-nos de que, só porque nós, humanos, não percebemos sinal algum de consciência na pedra, por exemplo, não é isso razão para concluirmos que nenhuma consciência existe ali. Não há matéria "morta" ou "'cega", como não há também Lei "cega" ou "inconsciente". Na Filosofia Oculta não há lugar para conceitos que tais; ela não se preocupa jamais com as aparências exteriores; para ela tem mais realidade as essências numênicas que suas contrapartidas objetivas. Assemelha-se neste ponto aos nominalistas da Idade Média, para quem os universais eram as realidades, e os particulares só existiam nominalmente e na imaginação do homem.

6º) O Universo é elaborado e dirigido de dentro para fora. O que está em baixo é como o que está em cima, assim no céu como na terra; e o homem, microcosmo e cópia em miniatura do macrocosmo, é o testemunho vivo desta Lei Universal e do seu modus-operandi. Observamos que todo movimento externo, ação ou gesto, quer seja voluntário ou mecânico, mental ou orgânico, é precedido e produzido por um sentimento ou emoção interna, pela vontade ou volição, e pelo pensamento ou mente. Pois que nenhum movimento ou alteração exterior, quando é normal, se pode verificar no corpo externo do homem, sem que o provoque um impulso interno, comunicado por uma daquelas três funções, assim também sucede no Universo externo ou manifestado.

Todo o Cosmos é dirigido, vigiado e impulsionado por uma série quase interminável de Hierarquias de Seres sencientes, cada qual com uma missão a cumprir, e que - seja qual for o nome que lhes dermos, Dhyân-Chohans ou Anjos - são os "Mensageiros" (exclusivamente no sentido de agentes das Leis Kármicas e Cósmicas). Variam ao infinito os seus respectivos graus de consciência e de inteligência; e chamar Espíritos Puros a todos eles, sem qualquer toque terrestre, aquele toque "que o tempo costuma imprimir em suas presas", é simplesmente uma licença poética. Porque cada um destes Seres - ou foi um homem num Manvantara anterior, ou vai sê-lo no atual ou em Manvantara futuro.

Quando não são homens incipientes, são homens aperfeiçoados; e, em suas esferas superiores e menos materiais, não diferem moralmente dos seres humanos terrestres senão em que se acham livres do sentimento da personalidade e da natureza emocional humana - duas características puramente terrenas.

Os últimos, isto é, os "aperfeiçoados", estão para sempre libertos daquele sentimento, porquanto: (a) já não possuem corpos carnais, este peso que entorpece a Alma; (b) não encontrando obstáculos o elemento espiritual puro, ou estando mais livre, são menos influenciados por Mâya que o homem, a não ser que este seja um Adepto, isto é, capaz de manter completamente separadas suas duas personalidades (a espiritual e a física).

As Mônadas incipientes, por nunca terem possuído corpos humanos, não podem experimentar nenhum sentimento de personalidade ou de Ego-ismo. Sendo o que se entende por personalidade uma limitação e uma relação, a palavra não pode obviamente aplicar-se a entidades não humanas; mas, tal como o atestam gerações de Videntes, nenhum daqueles seres, superiores ou inferiores, possui individualidade ou personalidade como Entidade separada, no sentido em que o homem afirma: "Eu sou eu, e não outro".

Por outras palavras, eles não têm consciência daquela separatividade tão característica que se observa nos homens e nas coisas da terra. A Individualidade é um traço distintivo de suas respectivas Hierarquias, e não de suas unidades; e esse traço varia somente com a categoria do plano a que pertencem as mesmas Hierarquias: quanto mais próximo da região da Homogeneidade e do Divino, tanto mais pura e menos acentuada é a Individualidade da Hierarquia. São seres finitos sob todos os aspectos, salvo no tocante aos seus princípios superiores (as Centelhas imortais, que refletem a Chama Divina Universal); individualizados e separados tão só nas esferas da Ilusão, por uma diferenciação que é tão ilusória quanto o resto. São "Seres Viventes", porque são correntes projetadas da Vida Absoluta sobre a tela cósmica da Ilusão; Seres nos quais a vida não pode extinguir-se antes que esteja extinto o fogo da ignorância naqueles que sentem essas "'Vidas". Tendo surgido a existência sob a influência vivificante do Raio incriado - reflexo do grande Sol central que cintila sobre as praias do Rio da Vida - há neles o Princípio Interno, que pertence às Águas da imortalidade, embora a sua vestimenta diferenciada seja tão perecível como o corpo do homem.

Os Anjos são homens de uma ordem superior... e nada mais. Não são os Anjos "ministros" nem "protetores", não são tampouco "Arautos do Altíssimo", e muito menos os "Mensageiros da Ira" de Deus, criados pela imaginação do homem. Pedir a proteção deles é tão insensato quanto supor que se possa captar-lhes a simpatia mediante qualquer espécie de propiciação; pois eles, do mesmo modo que os homens, são criaturas sujeitas à imutável Lei Kármica e Cósmica. A razão é óbvia. Não possuindo nenhum elemento de personalidade em sua essência, não podem ter nenhuma das qualidades pessoais que os homens atribuem, nas religiões exotéricas, ao seu Deus antropomórfico - um Deus ciumento e exclusivista que se regozija e se enraivece, que se compraz com os sacrifícios e que é mais despótico em sua vaidade do que qualquer homem estulto e finito.

O homem, sendo um composto das essências de todas aquelas Hierarquias celestes, pode, como tal, alcançar um grau superior, em certo sentido, ao de qualquer uma das Hierarquias ou Classes ou de suas combinações respectivas. Está escrito: "O homem não pode nem propiciar nem comandar os Devas". Mas, paralisando sua personalidade inferior, e chegando assim ao pleno conhecimento da não-separatividade entre o seu Eu Superior e o SER Absoluto pode o homem, até mesmo durante a sua vida terrestre, tornar-se como "Um de Nós". De modo que, alimentando-se com o fruto do conhecimento que dissipa a ignorância, o homem se converte em um dos Elohim ou Dhyânis; e, uma vez no plano destes, o espírito de Solidariedade e de perfeita Harmonia que reina em todas as Hierarquias deve estender-se a ele e protegê-lo em todos os sentidos.

A principal dificuldade que impede aos homens de ciência crer nos espíritos divinos, assim como nos espíritos da Natureza, está no seu materialismo. E o maior obstáculo a que os espiritistas acreditem naquelas entidades, ao passo que conservam uma fé cega nos "Espíritos" dos mortos, é a ignorância geral em que se acha todo o mundo (exceto alguns ocultistas e cabalistas) quanto à verdadeira essência da Matéria. É da aceitação ou não da teoria da Unidade de tudo na Natureza, em sua essência última, que depende principalmente a crença ou a incredulidade da existência, ao nosso redor, de outros seres conscientes além dos espíritos dos mortos. É na exata compreensão da Evolução primitiva do Espírito-Matéria, e de sua essência real, que deve o estudante apoiar-se para a gradual elucidação da Cosmogonia Oculta, sendo esse o único índice seguro que pode guiá-lo em seus estudos ulteriores.

Em verdade, conforme vimos de mostrar, cada um dos chamados "Espíritos" é ou um homem desencarnado ou um homem futuro. Porque, desde o mais elevado Arcanjo (Dhyânn-Chohan) até o último Construtor consciente (a classe inferior das Entidades Espirituais), todos estes são homens que viveram em outros Manvantaras, em evos passados, nesta ou em outras Esferas; e os Elementais inferiores, semi-inteligentes e não inteligentes, são todos homens futuros.

Para o ocultista, a circunstância de um Espírito ser dotado de inteligência representa, por si só, a prova de que este Ser foi um homem, havendo adquirido essa inteligência e o seu conhecimento através do ciclo humano. No Universo só existe uma Onisciência e Inteligência indivisível e absoluta, que vibra em cada um dos átomos e dos pontos infinitesimais de todo o Cosmos - do Cosmos que não tem limites e ao qual se dá o nome de Espaço, considerado independentemente de todas as coisas nele contidas. Mas a primeira diferenciação do seu reflexo no Mundo manifestado é puramente Espiritual, e os Seres nela gerados não são providos de uma consciência que tenha qualquer relação com a consciência que nós conhecemos. Não podem possuir consciência ou inteligência humana senão adquirindo-a pessoal e individualmente. Será, talvez, um mistério; não deixa, porém, de ser um fato para a Filosofia Esotérica; e até um fato dos mais aparentes.

A ordem inteira da Natureza atesta que há uma progressiva marcha que tende para uma vida superior. Existe um plano ou desígnio na ação das forças, inclusive aquelas que parecem as mais cegas. O processo integral da evolução, com suas adaptações intermináveis, é uma prova disso. As leis imutáveis que eliminam as espécies fracas, para dar lugar às fortes, e que asseguram "a sobrevivência dos mais aptos", por cruéis que sejam em sua ação imediata, cooperam todas no sentido da grande meta final. O fato mesmo de que ocorrem adaptações, de que os mais aptos são os que sobrevivem na luta pela existência, demonstra que a chamada "Natureza inconsciente" é, na realidade, um complexo de forças manejadas por seres semi-inteligentes (Elementais), sob a direção de Elevados Espíritos Planetários (Dhyân-Chohans), que formam coletivamente o Verbo manifestado do Logos Não-manifestado, constituindo ao mesmo tempo a Mente do Universo e sua Lei imutável.

A Natureza, tomada em seu sentido abstrato, não pode ser "inconsciente", sendo, como é, a emanação da Consciência Absoluta e, portanto, um de seus aspectos no plano da manifestação. Onde está aquele que se atreve a negar ao vegetal, e mesmo ao animal, uma consciência própria? Tudo o que ele pode dizer é que essa consciência transcende os limites de sua compreensão.

Três distintas representações do Universo, em seus três aspectos distintos, são impressas em nosso pensamento pela Filosofia Esotérica: o Preexistente, o Sempre Existente (do qual promanou o primeiro) e o Fenomenal (o mundo da ilusão, o reflexo, a sombra do anterior). Durante esse grande mistério, esse grande drama da vida, que nós conhecemos pelo nome de Manvantara, o Cosmos real é como os objetos colocados atrás de uma tela branca, sobre a qual projetam sombras. Os personagens e os objetos verdadeiros permanecem invisíveis, enquanto os fios condutores da evolução são manejados por mãos também invisíveis. Os homens e as coisas representam apenas os traços deixados sobre o fundo branco pelo reflexo das realidades dissimuladas por trás das redes de Mahâmâyâ, a Grande Ilusão. Assim o ensinaram todas as filosofias e todas as religiões, pré-diluvianas como pós-diluvianas, na Índia e na Caldeia; assim o ensinaram os sábios da China e os da Grécia. Nos dois primeiros países aqueles três Universos eram simbolizados, nos ensinamentos exotéricos, pelas três Trindades que emanam do eterno Germe central e com ele constituem uma Unidade Suprema: a Tríade inicial, a manifestada e a criadora, ou os Três em Um. A última não é senão o símbolo, em sua expressão concreta, das duas primeiras, que são ideais. Aí está por que a Filosofia Esotérica supera a necessidade desta concepção puramente metafísica, e só ao primeiro Universo chama o Sempre Existente. Tal é a opinião de cada uma das seis grandes escolas da filosofia hindu (Nyâya, Vaishishika, Sânkhya, Yoga, Mimâmsâ e Vedanta) - os seis princípios daquele corpo-unidade da Sabedoria, do qual a Gnose, o Conhecimento oculto, é o sétimo.

Fonte: A Doutrina Secreta, H. P. Blavatsky - Editora Civilização Brasileira - 1974.

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