Desapego e a Arte do Compromisso
Isha Emley Strasser

A palavra “compromisso” tem origem no latim: compromissum. Traduz-se mais diretamente como promessa mútua. A arte do compromisso, a habilidade necessária para cumprir a promessa mútua de nossa unidade, depende do serviço descentralizado e hábil para dar e dar novamente, e da disposição de se manter na “coragem redentora do desespero” (Coração 208). Esta é uma forma da Vontade cumprir a nossa parte na única obra: em, com e através dos fogos da Vida.

“O futuro da humanidade é redimido pelo veneno. A fênix ressuscita apenas de suas próprias cinzas. O pelicano nutre seus filhotes com o sangue de seu próprio coração. Assim se transmuta a energia suprema, que está na base do nascimento dos mundos... [uma energia suprema] criada na tensão [e através da] coragem redentora do desespero...” (citação adaptada de Coração, 208).

Há uma sugestão de como ocultistas e discípulos treinados em todos os Ashrams podem contribuir com valor, buscando, junto ao Ashram, aquela atividade, técnica, modo ou maneira de promover o próximo desenvolvimento dentro do Plano, por meio da modificação, qualificação e adaptação simultâneas. (Discipuldo na Nova Era II 388-391)

Vamos explorar uma forma de modificar, qualificar e adaptar, não definindo os termos, mas sim puxando nossas cadeiras para uma mesa imaginária, quadrada e já posta, com o jantar preparado. Nosso campo de atuação é aqui e na hora certa: o Conclave de 2025, quando passado e futuro, simultaneamente, se entrelaçam neste tempo, lugar e espaço. Os preparativos estão completos.

Sobre nossa mesa imaginária, veja uma pintura de Nicholas Roerich: Os Sinais do Cristo. Em cascatas de cores sombrias, douradas, verdes e azuis, observamos uma noite de luar no deserto. Na areia, veja o sinal que Ele gravou de um pé humano inscrito em um quadrado. Em seguida, veja uma mão que Ele gravou e novamente a inscreveu em um quadrado. Entre a mão e o pé, Ele traçou o que parece ser uma coluna coroada com um arco. (Folhas do Jardim de Morya II, 153).

Nossos Mestres, em sabedoria sem idade, demonstraram muitos caminhos. Eles nos mostraram como lavar os pés uns dos outros e cuidar das feridas uns dos outros. Eles partiram seus corpos como pão para servir, para curar, para centralizar aqueles que estão à margem. Eles gravaram dicas por toda parte.

Voltemos à nossa mesa e eu lhes contarei uma história. Uma parábola rabínica me vem à mente. Um anjo guia um visitante em um passeio por dois lugares conhecidos em hebraico como GeHinnom (*) e Olam HaBa (*). Por uma questão de brevidade, chamaremos simplesmente um lugar de céu e o outro de inferno. A parábola é a seguinte (1):

Um anjo guia um visitante através dos portões para um lugar de beleza incompreensível. Há vistas luminosas de flores e rios de sons melodiosos. O visitante sente o cheiro de comida deliciosa, e o anjo o guia em direção a um salão de banquetes, repleto de iguarias de dar água na boca, dispostas sobre uma mesa que se estende até onde a vista alcança.

Centenas de pessoas estão sentadas à mesa. Todas elas, emaciadas e famintas. Isso horroriza o visitante. De olhos arregalados, ele observa, nunca tendo visto tanta agonia e sofrimento. De repente, ele percebe algo estranho. Colheres de cabo longo estão acorrentadas às mãos de cada pessoa. Ele observa enquanto elas tentam desesperadamente levar colheradas cheias à boca, mas as colheres de cabo longo derramam cada pedaço para fora de seu alcance. Cada pessoa tenta repetidamente, presa em um padrão infinito de fome dolorosa, com mais do que jamais poderiam comer, sempre fora de seu alcance.

O visitante fica sobrecarregado e exige ir embora. O anjo atende ao seu pedido, guiando o visitante por outro conjunto de portões para um lugar de beleza incompreensível. Vistas luminosas de flores, rios de sons melodiosos e, mais uma vez, o visitante sente o aroma de comida deliciosa. Mais uma vez, o anjo o guia para um salão de banquetes. Centenas de pessoas, e a cena é idêntica em todos os aspectos ao lugar de onde acabaram de fugir, mas essas pessoas estão nutridas e repletas da solenidade da alegria em sua união.

Como você já deve ter imaginado, apesar das circunstâncias exatas, idênticas em todos os aspectos, cada pessoa nesta mesa decidiu estender sua colher de cabo longo sobre a mesa para alimentar outra pessoa e, ao se aproximarem uns dos outros, em formação grupal, todos foram nutridos e revitalizados.

Através do princípio da partilha, alcançamos e irradiamos para erradicar a ilusão da nossa separação e gerar a glória eletrizante da nossa unidade. A energia mais elevada reside na base do nascimento dos mundos, e agora trabalhamos onde o mais elevado e o mais baixo se encontram, sabendo que a dor abre caminho. A nossa coragem é necessária. Permanecemos firmes nos nossos lugares. Presentes à dor. Suportando tensão e amor uns com os outros enquanto o sofrimento se segue (2). Não nos afastaremos. Voltar-nos-emos para um novo movimento: girando nos nossos pedestais de luz, sintonizando e sincronizando, alcançando em formação grupal até que o retorno esteja completo e a promessa mútua cumprida. Até ao fim dos tempos (3).

Neste momento, testemunhamos, recusando-nos a desviar o olhar uns dos outros à mesa destes dolorosos padrões de egoísmo e materialismo. As perversões movidas pelo lucro são as colheres de cabo comprido empunhadas por mãos insaciáveis, que não só se matam de fome, como também privam todos os outros. Isso divide, expulsa, apaga, ignora e fragmenta sistematicamente o nosso campo de humanidade. Este caminho só leva ao sofrimento. É uma distorção obscura enraizada há muito tempo nas nossas civilizações, deixando uma brecha para que ideias distorcidas de supremacia e superioridade se proliferem.

Muitos servidores mundiais têm combatido essas distorções, desde os Satyagrahas (*) aos Freedom Riders - Viajantes da Liberdade (*), até inúmeros outros movimentos de paz não violentos e não conformistas em todo o mundo que se recusam a se afastar ou participar de sistemas que perpetuam o dano.

O veneno do egoísmo e da autoabsorção evoca a coragem redentora do desespero. Uma coragem que se estende, como o pistilo de uma flor, carregando todo o peso de um futuro desabrochar e nutrindo-o até que floresça. Uma coragem que se estende como a coluna na pintura de Roerich, através de mãos e pés até um arco acima. E através do nosso trabalho, construímos o arco abaixo na terra como é no céu (4).

A corrente redentora do desespero completa o círculo. Enfrentamos a plenitude do tempo e do espaço juntos, porque enfrentamos a plenitude uns dos outros no espaço e no tempo. Onde há divisões, quando a polarização é intratável, construímos, alcançamos, servimos. Assim como a rede micorrízica subterrânea nutre toda a floresta, também o nosso amor inclusivo acima do solo deve nutrir a revelação da nossa interconexão inextricável. Alinhados e ativados como triângulos divinos, elaboramos essa Vontade dentro do quadrado para servir aos nossos semelhantes — este é o nosso caminho.

A habilidosa tecelagem da Tríade exige nossa destreza com cada fio requintado de luz, amor e vontade em nossas mãos. Os muitos fios, como muitas vidas, entrelaçados em Um. Reconhecemos a sagrada imagem deste símbolo, a trança, assim como os Lenape (*), o povo indígena deste lugar, que se apoiavam no propósito prático da trança para manter o cabelo longe dos olhos e no significado espiritual para manter a visão clara. Onde antes havia uma progressão sequencial, agora devemos trabalhar em simultaneidade. Não há mais separação entre passado, presente e futuro; agora tudo deve ser redimido de uma só vez. Uma linha reta de contato.

Este trabalho não pode ser feito com qualquer traço de superioridade, inferioridade ou crítica debilitante a qualquer outro. “Todos nós — discípulos e iniciados de todos os graus — devemos entrar no lugar secreto da iniciação com uma sensação de cegueira (ou perda de direção) e com um sentimento de completa destituição. O discípulo precisa ter em mente que deve se tornar ‘um ponto em movimento e, portanto, uma linha’; ascendendo em direção à Hierarquia e assumindo a atitude espiritual correta, mas, ao mesmo tempo, descendo àquilo que erroneamente considera a profundidade da dificuldade e iniquidade humana (se necessário), preservando sempre a integridade espiritual…” (Discipulado na Nova Era I, 708-709)

A arte do compromisso é uma liberdade libertadora para a vida iniciada e iniciadora através da coragem redentora do desespero. Através da dor, o egoísmo pode ser transfigurado, despedaçado em uma corrente de alinhamento que naturalmente arrasta as pequenas vontades com a Vida Única, entrelaçadas belamente e simultaneamente. Uma vez fundidas, as energias “sincronizam e vibram em união” como uma chave cifrada concedendo acesso além da força obstrutiva. O circuito está completo. A linha, assim acima/assim abaixo, está traçada. Permanecemos, dando e dando novamente, até que, assim como descobrimos que nossa Terra não era plana, mas uma esfera, descobrimos que a mesa não é quadrada, mas um fogo esférico, para que possamos verdadeiramente ver com o Ashram que nosso Deus é um fogo, que as águas da Vida estão em chamas, uma conflagração curativa.

Alucução proferida na Conferência da Escola Arcana em Nova Yorque - 2025

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1 Adaptado pela autora
2 Efésios 4:2
3 Mateus 28:20
4 Mateus 6:10

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(*) GeHinnom e Olam HaBa são conceitos judaicos da vida após a morte, onde Gehinnom é uma área de purificação e Olam HaBa é o "mundo vindouro" para onde a alma vai após ser purificada. Gehinnom não é visto como um inferno de punição eterna, mas sim como um processo temporário para corrigir a alma antes que ela entre em Olam HaBa. O processo pode levar até 12 meses, com a duração e a severidade variando de acordo com as ações da pessoa em vida. (Comentário EE)

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(*) Satyagraha é uma filosofia e prática de protesto não violento que significa "firmeza da verdade" ou "busca da verdade" em sânscrito. Desenvolvida por Mohandas Karamchand Gandhi, a técnica envolve a resistência pacífica contra injustiças, como na campanha de independência da Índia e na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, influenciada por Martin Luther King, Jr.. Seus princípios incluem a recusa em cooperar com leis injustas, a não violência e a sinceridade, buscando conquistar através da submissão à verdade, não pela agressão.

Princípios fundamentais do satyagraha:

Não violência (Ahimsa): O cerne da filosofia é a não agressão, recusando-se a retaliar com violência, mesmo diante da força do adversário.

Busca da verdade (Satya): O indivíduo deve sempre buscar a verdade, insistindo nela de forma firme e constante.

Firmeza (Agraha): A firmeza na busca da verdade é o que impulsiona a ação, mesmo que a força bruta seja usada contra o praticante.

Desobediência Civil: Uma das ferramentas do satyagraha é a desobediência a leis consideradas injustas, sem recorrer à violência.

Sinceridade e honestidade: É essencial agir com sinceridade e honestidade em todas as ações.

Conquista através da submissão: A ideia é conquistar o opositor pelo sofrimento voluntário, mantendo a tranquilidade e o respeito, mesmo ao se recusar a cooperar com o que é errado.

Exemplos históricos:

Independência da Índia: O satyagraha foi a principal estratégia de Gandhi na luta pela libertação da Índia do domínio britânico.

Marcha do Sal (1930): Um exemplo marcante de desobediência civil em massa, onde os indianos marcharam pacificamente para contestar o monopólio britânico do sal.

Luta pelos Direitos Civis nos EUA: A filosofia de Gandhi inspirou Martin Luther King, Jr. e seu movimento, que utilizou métodos pacíficos para lutar contra a segregação racial.

Vaikom Satyagraha (1924-1925): Uma campanha pela abolição da segregação racial e do acesso a estradas ao redor de um templo na Índia. (Comentário EE)

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(*) Viajantes da Liberdade (Freedom Riders) foi o título dado aos ativistas pelos direitos civis em defesa dos direitos da população negra nos Estados Unidos que viajaram em ônibus (autocarros) interestaduais, no início da década de 1960, em direção ao sul dos Estados Unidos, região notoriamente conhecida pela segregação racial. Alguns destes veículos foram atacados pela Ku Klux Klan.

Essas viagens tinham como objetivo garantir que a população negra tivesse liberdade de sentar em qualquer lugar nos ônibus nas viagens interestaduais. O movimento chamava a atenção para a ilegalidade desta segregação, ao não serem aplicadas as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos obtidas no caso de Irene Morgan contra o Estado da Virgínia, em 1946, e no caso Boynton, Virgínia em 1960, que legislava que a segregação dos negros em ônibus públicos era inconstitucional.

Os estados da região sul ignoravam essas decisões e Governo Federal dos Estados Unidos não fazia nada que garantisse o direito da população negra de se sentar em qualquer lugar nas viagens interestaduais. A primeira viagem da liberdade partiu de Washington, D.C. em 4 de maio de 1961, e tinha chegada prevista em Nova Orleans para o dia 17 de maio.

Os Viajantes da Liberdade desafiaram o status quo viajando em ônibus interestaduais para o sul em grupos raciais mistos para protestar contra as leis e os costumes que impunham a segregação nos assentos. Os Viajantes da Liberdade e as reações violentas que suas ações provocaram serviram para aumentar a credibilidade do Movimento dos direitos civis americano. Eles chamaram a atenção nacional frente ao desrespeito das leis federais e da violência local utilizada para garantir a segregação racial no sul dos Estados Unidos. A polícia estadual prendeu estes viajantes por diversas infrações, entre elas reunião ilegal e violação das chamadas leis Jim Crow juntamente com outros supostos crimes. (Comentário EE)

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(*) O termo "trança Lenape" refere-se aos estilos tradicionais de trançar o cabelo praticados pelo povo indígena norte-americano Lenape (também conhecido como Delaware). O significado exato, o estilo e o uso do penteado podem variar dependendo do status social, idade e crenças pessoais do indivíduo, pois os penteados entre os povos nativos americanos frequentemente carregam um simbolismo cultural e de identidade profundo. (Comentário EE)

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