Pequena digressão sobre o mal e o terrorismo
Waldo Luiz Viana

“Das injustiças, o pior não é sofrê-las. É cometê-las.” (Pitágoras)

"Pague a bondade com a bondade, mas o mal, com a Justiça." (Confúcio)

Platão dizia que todo conhecimento leva à angústia e, por conseguinte, quanto mais se estudam os problemas da vida ou, em linguagem filosófica, quanto mais o real se problematiza, mais nos sentimos enredados e, às vezes, perdidos em dúvidas e sofrimentos.

Os epicuristas, quase contemporâneos de Platão, defendiam que o homem foi destinado à felicidade e vivamente a tem procurado pelos tempos, seja através do prazer, seja pela tentativa vã de evitar a dor. Digo vã, porque neste "vale de lágrimas", que se constitui nossa permanência na Terra, não podemos fugir ao sofrimento, à provação a que somos compelidos para o aprendizado da evolução moral, psíquica e espiritual.

A Terra é um estágio, não o fim, porque, se assim o fosse, o Universo seria um verdadeiro absurdo, já que teria aperfeiçoado a vida, em 12 bilhões de anos, para criar um ser abjeto e violento como o homem. Seria a recusa do "princípio antrópico", que explica a evolução do Universo como uma tentativa de criar um ser perfeito, à semelhança de Deus, e que para isso não poupou gigantescos esforços, percorrendo o caminho entre uma estrela, solidificando os planetas, depois os planetas habitados e chegando, por fim, e não por mero acaso, à constituição de uma ameba e depois ao refinamento da criatura humana. Se Deus nos quer evoluídos, à sua semelhança, nos emprestou também a liberdade e esta, tão mal usada, pode se tornar um empecilho para a nossa própria evolução.

Os tomistas dizem que "Deus permite o mal" sem, contudo, conviver com ele ou produzi-lo. Noventa por cento do que nos acontece - tenham certeza - são por nossa culpa; dez por cento seriam acontecimentos alheios à nossa vontade que, por sua violência ou iniquidade, fabricam muitos ateus.

Como Deus, uma criatura assim tão boa, de barbas brancas e sentado numa nuvem diáfana (como quer o folclore), poderia permitir desastres tão horríveis como a destruição das torres gêmeas, em Nova Iorque, o holocausto nazista, o massacre de Katin e agora os recentes atos de vandalismo na capital da França?

Será que os homens são tão maus por essência ou evolução inacabada? Será que a religião pode melhorar o homem ou apenas ocultar os seus pecados sob o manto da hipocrisia? Seria ela uma forma de opressão e autoritarismo, em virtude de que todo religioso se julga proprietário de Deus? E caso se convença de sua propriedade, poderia ele agir livremente e com suprema maldade contra o próximo?

As desgraças humanas vem sendo amplificadas pela comunicação global e a economia em que vivemos não resolve os problemas de 4/5 da humanidade. O egoísmo da finança internacional não permite que os abundantes recursos da natureza, também acumulados pela atividade humana, possam ser repartidos de modo equânime, o que conduz, em última análise, a desentendimentos intestinos entre os homens.

O trabalho tornou-se “imaterial” em nosso tempo de bocas famintas e degredo social, porque distribuído em processos e redes, e a informação, aparentemente democrática, é toldada e escondida numa teia conspiratória de recursos concentrados pela globalização capitalista. Uma parte numerosa e sofredora da humanidade sobrevive em tal quadro como se estivesse de antemão condenada à morte e sem o menor direito de defesa. É esse segmento numeroso, constituído por pessoas desesperadas e sem qualquer esperança, que engrossa as hostes terroristas, mas não só essas maiorias.

Existem os suicidas, os loucos, os assassinos, os estupradores, os criminosos de colarinho branco, os pedófilos e os traficantes (de tóxicos, de escravas brancas, de órgãos) e os fundamentalistas de algumas religiões – todos sempre dispostos a diminuir os índices pouco eficientes da excelência humana. O amor por outro lado, já disse Pitirm Sorokin, é um poder nobilitante, contrariando tal quadro inóspito. Ele foi capaz, ao longo da história, de produzir as mais elevadas contribuições para a nossa evolução, contrariando as teses de tais grupos nefandos.

O homem individual, porém, enquanto mera subjetividade, é contingente, ou seja, para a totalidade da vida não somos necessários. Se você, eu ou nossos filhos morrermos, o Universo continuará funcionando muito bem e a humanidade perseguindo, aos trancos e barrancos, a própria e acidentada evolução. Esse é o mistério da vida e a razão de ser de o Sol levantar todas as manhãs: somos contingentes do mesmo modo que o Sol e temos que prosseguir, a despeito de o Universo não precisar de nós.

No entanto, conseguimos sentir amor, o sentimento mais excelso do ponto de vista da criatura, manifestação especular do Criador, que a quer de volta ao seio da eternidade. Mas tudo o que temos de importante no mundo humano foi constituído pela história da luz, pelos santos, avatares, mestres e governantes invisíveis que sinalizam a evolução, não pelos pretensos construtores de uma falsa civilização material, cujos frutos e tesouros, como afirmara Jesus, pode ser carregado e repartido entre ladrões...

A Terra é uma nave, um organismo, e não caminha pelo Universo em destino cego. Disse o Mestre que até os fios de cabelo de nossas cabeças estão contados e, por conseguinte, a percepção da verdade seria um processo de refração. Para que não nos ofusquemos, só percebemos parte das razões universais e de nossos (mesquinhos) motivos de viver. Não há dúvida de que qualquer ato de terrorismo ou sevícia seja deplorável, porque deseja por instantes nos devolver um domínio sobre a verdade que não possuímos. E, nesse sentido, os terroristas são falsos proprietários da verdade...

Entretanto, tais atos não são isolados, eles têm justificativas para as partes e temos visto opiniões as mais diversas, comprovando que a humanidade vive em discórdia e fraturada por discriminações às vezes intransponíveis. Quando, porém, a acumulação real e virtual do capital é posta como a cruel e suprema mobilização universal, o único objetivo a ser perseguido por homens, organizações e nações, quem o detém torna-se o máximo e alcança a maior “felicidade”; quem não o manipula porém, eis aí o desgraçado, aquele potencialmente perigoso para o pequeno círculo de insensíveis abonados.

Assim, deslocando-se para o macroambiente, as nações ricas, que se autoatribuem o monopólio do bem, repudiam o comportamento das nações pobres, bárbaras e endividadas do Terceiro Mundo. Nem fazem nada por elas, porque, segundo dados da própria ONU, apenas 0,5% do PIB mundial é convertido em ajuda aos países em dificuldades. Isso sem falar nos “sem-teto mundiais”, as nações sem país, como tutsus, curdos, esquimós e outras, cujas reivindicações não aceitas e mal compreendidas encheram de sangue a crônica histórica de todos os tempos.

Esse é o pano de fundo da violência, sem tocar nos desafios e óbices das perdas ecológicas que temos presenciado pela manipulação do meio ambiente com irresponsabilidade, que têm produzido o efeito-estufa, o esquentamento dos oceanos, o derretimento das calotas polares, o desaparecimento de espécies e o aparecimento de pragas e vírus perigosos.

Os seres humanos precisam entender que, no rumo frenético de entropia que estamos vivendo, muito breve será difícil arranjar água pura para beber ou sementes para plantio. A biotecnologia, ao contrário do que muitos pensam, não conseguirá resolver os problemas humanos, porque o acesso a suas oportunidades não superará a 2/6 da humanidade e a Terra terá uma elite de privilegiados, cercada por maiorias (terroristas!?) de famintos sem quaisquer esperanças.

Muitas lideranças desses povos subjugados utilizarão, com certeza, a religião como instrumento de ódio e sublevação, mantendo e expandindo a atual entropia social. Não é, contudo, importante nem necessário ficar o tempo todo nos lamentando por esse quadro febril e feroz – para alguns pré-apocalíptico –, cujo desconcerto não é propriamente um espetáculo acolhedor.

Assim, poderíamos resgatar, ao lado da acuidade de ouvir os céus, religando-nos a ele, a unificação de intenções básicas e comuns em torno de nós mesmos, acatando com mais atenção a própria prece de nosso planeta azul tão elegante, cujos movimentos precisos no sistema solar ensinam que não podemos ser meros rejeitos de aflições, demandas e lágrimas de um Universo sem explicação e completamente destituído de sentido.

Os recentes e lamentáveis acontecimentos em Paris, fruto do fanatismo terrorista e pseudorreligioso, remete-nos a antigas reflexões nossas sobre os perigos da desigualdade em plena era da globalização. Homens, mulheres e jovens excluídos são presa fácil do fanatismo e empolgados por crenças confusas, que os levam a atos desesperados, homicidas e suicidas, em nome de “verdades” que não compreendem e que querem impor à força ao resto da humanidade.

Os atos terroristas só fortalecem os Estados que eles pretendem destruir, tornando imbatíveis os adversários que geram por si só, dialeticamente, os anticorpos repressores. Resulta, pois, que o terrorismo não passa de operação desesperada de minorias manipuladas, que não percebem a profana inutilidade de suas ações, mesmo que tentem revesti-las por torpes, esfarrapadas e escusas razões do fundamentalismo religioso.

Porque nenhuma religião poderá permanecer, liderar ou prevalecer através da violência aleatória e indiscriminada e do assassinato vil e indefensável de cidadãos inocentes.

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Waldo Luís Viana é escritor e economista.
Fonte: alertatotal

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