The Labyrinth...
Augusto Queiroz
No começo foram apenas os registros, noções de um tempo invisível.
Depois, vieram as cobranças, compromissos do poder de ser.
Por longas horas ficava assim, a vagar, sem encontrar consolo sequer naquilo que, durante décadas, havia sido um bálsamo e uma alegria para seu viver.
Ao seu redor, coisas de baú, velhos livros acumulados, as teias de aranha da mente se articulando de forma imprecisa e vaga, sem conseguir traduzir as mensagens daquela verdadeira essência de vida que, para si, representava tesouro único e valioso, que ninguém mais conhecia.
Tudo aquilo estava disposto ali como um arquivo, uma biblioteca a que consultar sempre que preciso. Porque, no começo, ele tinha apenas os registros, noções de um tempo invisível. Uma imagem gravada e uma corrente de amor por tudo o que existe. Um amor que permeia e devora tudo, numa experiência de plenitude e totalidade que rompia as barreiras do tempo e do espaço.
Mas, afinal, eram apenas registros, dispersos, que ele possuía e vivera pensando em resgatar, para poder dedicar sua vida a um ideal maior e assim morrer tranquilo, com a certeza de ter realizado algo.
Contudo, o tempo passava, com o seu cotidiano insípido, e ele se sentia corroído pela banalidade, a aridez do dia-a-dia como um ácido a lhe causticar. Contas a pagar, rotinas, a repetição de erros e o cansaço, tudo aquilo lhe fazia um mal horrível, gerando uma indisposição e uma insatisfação que se prolongava por dias e dias, empesteando o seu hálito e trazendo com consequência um mau-humor insuportável.
Diariamente ele pensava em retomar o fio e dar continuidade à tarefa
interrompida, buscando esse trabalho não mais por diletantismo, nem tendo o
interesse próprio como objetivo.
Diariamente ele pensava, mas... como era difícil!!
E retornava sempre aos seus afazeres mesquinhos, encalacrado numa rotina perniciosa e vil que destruía qualquer possibilidade de contato com seu ser mais puro e verdadeiro.
Como uma rainha encastelada na própria dor, só lhe restava, como vaga alternativa, a meditação em horários raros, fuga incontida em que experienciava viagens e devaneios sublimes, deixando-se levar por reinos situados muito além do seu cotidiano insípido e tolo, amaldiçoando as situações em que a vida lhe colocara por castigo ou provação.
Assim ele seguia, rememorando sempre, olhando o mundo com olhos fundos que insistiam em revelar um pouco do brilho experimentado em suas muitas viagens e elucubrações.
O que buscava era o inicio, o começo do fim de um labirinto e a abertura de portas que, de outro modo, poderiam atrapalhar e confundir, e levar eras para serem decifradas.
Retomar o fio, dar continuidade à tarefa interrompida, à missão... era o que pensava...
Naquele dia, levantara confuso, com a estranha e indefinível sensação, de que algo diferente ia acontecer. Caminhando pela casa deserta, sentiu um ímpeto de falar sozinho, como se algum interlocutor o escutasse.
- Estou disponível para o serviço, disse, comunicando-se de forma telepática e amorosa com os anjos do mundo ao seu redor. (Apenas os anjos têm acesso direto à linguagem da alma, pensou).
E o que ouviu, como resposta, se por um lado o desconcertou, por outro serviu como porta de saída para o labirinto que ele mesmo criara em sua angústia, por sua recusa em ver a luz.
Dias depois, pediu demissão do emprego que, por décadas e décadas, o maltratara e escravizara, podando o seu ser e submetendo-o a uma rotina estúpida e insensível de ilusões que bloqueavam o seu acesso ao conhecimento puro e verdadeiro que necessitava.
Vencera, enfim, o labirinto.
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Augusto Queiroz é jornalista e tradutor, poeta nas horas vagas e estudioso de longa data dos ensinamentos dos Mestres da Grande Fraternidade Branca, atualmente desenvolvendo trabalhos nas áreas da Comunicação e espiritualidade em Brasília - DF