“Cumpri a Minha Palavra, Morro pela LIBERDADE”

Trecho do livro “Viagem do Rio de Janeiro ao Morro Velho” de Richard Francis Burton, explorador britânico e membro da “Royal Geografic Society”, publicado em 1869, relatando os passos dos Inconfidentes em Ouro Preto, MG.

Nosso primeiro passeio foi pela Rua São José, logradouro que se dirige para oeste e noroeste, por meio de muitos altos e baixos. O lugar é clássico. Perto de onde estávamos, fica a pequena casa de três janelas onde morou o infortunado alferes de cavalaria (3) Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes. Não se trata de um simples apelido. O patriota era, de fato, um arrancador de dentes. Vários de seus parentes ainda vivem em Lagoa Dourada e conservam seu estojo, um equipamento dos mais primitivos. Ele executava as extrações “com sutil ligeireza” e aprendeu consigo mesmo a fazer dentes artificiais. Aquela casa nos traz à lembrança o tempo de um movimento popular, do qual esta grande e heroica Província tem razão se sentir orgulhosa, por ser ele ligado diretamente à Independência do Brasil.

É evidente o caráter democrático da insurreição que o governo chamou de Conjuração ou Levante de Minas, e que hoje é conhecido popularmente como Inconfidência (4) e tornou-se tão “sagrado” como nossa Grande Rebelião. Os conspiradores, quando presos, fizeram, é verdade, protestos de lealdade, mas seus intentos falam por si mesmos. Tinham resolvido proclamar a independência e a liberdade e se propunham a abolir os odiados “quintos” e outras extorsões reais; cancelar todas as dívidas da Coroa; abrir o proibido Distrito Diamantino e fundar uma universidade em Vila Rica e uma capital em São João d’el Rei. Tinham escolhido uma bandeira e as armas, um triângulo supostamente representando a Santíssima Trindade, cujo mistério era a principal devoção de Tiradentes; a divisa era “Libertas quae sera tamen” e o símbolo um índio quebrando as correntes (5).

Evidentemente, a intenção dos Inconfidentes, em sua “embrionária tentativa”, era estabelecer uma república em Minas e nas capitanias vizinhas. Isso aconteceu em 1788, meia geração depois que a Lei do Porto de Boston, o Plano da Fome e as Caixas de Chá levaram à guerra do Rei e provocaram uma tempestade que abalou o velho sistema colonial do mundo. O grande Cromwell ensinara os anglo-americanos, e estes, por sua vez, ajudados pelos enciclopedistas e pelos “filósofos”, haviam inoculado na França as sublimes ideias de liberdade e independência. Dali, o espírito de emancipação passou, como uma faísca elétrica, ao Brasil, onde a “analogia de situação” foi, sem demora, reconhecida. O Império, devo observar, fundou-se sozinho e não deveu sua existência, como afirma uma observação superficial, a Napoleão I. Naquele tempo, o governador e capitão-general de Minas era o Visconde de Barbacena (6), e deve-se reconhecer que, embora fosse um homem cúpido, corrupto e inescrupuloso, seu vigor e energia contrastavam com teimosia ineficaz e a incapacidade de Burgoyne e Cornwallis. A circular relativa à arrecadação de impostos que dirigiu a várias câmaras solucionou a questão que se prendia ao gravame que os conspiradores se preparavam para explorar. Mas seu superior, o Vice-Rei do “Estado do Brasil”, que sucedeu, no Rio de Janeiro, a D. Luís de Vasconcelos e Sousa, era o “estúpido e taciturno” D. José de Castro, Conde de Resende, a “vergonha da nobreza portuguesa”.

Os cabeças da rebelião patriótica eram trinta e dois; tal, pelo menos, foi o número dos enviados ao Rio de Janeiro, a fim de serem julgados. Havia pelo menos mil suspeitos, a flor da terra, sacerdotes (cinco dos quais foram condenados) assim como leigos, todos amigos, se não parentes (7). Podemos imaginar o horror que se apossou do povo, quando o movimento falhou. Os mais destacados foram: o protomártir Tiradentes, da conspiração; Cláudio Manuel da Costa, o cérebro; o poeta Tomás Antônio Gonzaga, do qual falarei mais, dentro em pouco, e os condenados à morte. Estes últimos foram: 1. Francisco de Paula Freire de Andrade, da família Bobadela, tenente-coronel do Corpo de Cavalaria de Ouro Preto (Cavalaria Viva), homem de alta posição social e caráter muito interessante. 2. Seu cunhado, José Alves Maciel, maçom e primeiro confidente de Tiradentes, e que viajara pelos Estados Unidos e Europa (8); seu confessor descreve-o como São Paulo, persuadindo os outros, e como Santo Agostinho, dirigindo a Deus suas verdadeiras confissões. 3. Inácio José de Alvarenga Peixoto, ex-ouvidor de Sabará e coronel do 1º Corpo Auxiliar da Campanha do Rio Verde. 4. O venerando Domingos de Abreu Vieira (9), tenente-coronel dos Auxiliares de Minas Novas, que já completara 70 anos. 5 e 6. José de Resende Costa, pai e filho. 7. Dr. Cláudio Manuel da Costa, Procurador da Coroa e comentador de Adam Smith, Comissário de Costumes e Pai da Economia Política. 8. Tenente-coronel (Cavalaria Auxiliar) Francisco Antônio de Oliveira Lopes. 9. Luís Vaz de Toledo (Piza). 10. Domingos Vidal de Barbosa, médico ou cirurgião. 11. Salvador Carvalho Gurgel do Amaral; e, finalmente, 12. Tiradentes. Eles se reuniam, diz o processo, em Vila Rica, nas casas de Francisco de Paula e do Dr. Cláudio, e a sentença determinou que fossem arrasados e salgados os lugares de seus “infames conventículos” (10). Estavam, revelou-se, dispostos a iniciar o movimento com a senha “Hoje é o dia do batizado”; outros dizem: “Tal dia é o batizado”. O tenente-coronel deveria dominar a situação com as suas tropas, Alvarenga, Oliveira e Toledo, com seus escravos e partidários, levantar as cidades vizinhas, ao passo que Tiradentes avançaria, com vivas à liberdade, para ir buscar a cabeça do governador, em sua casa de campo, perto de Cachoeira, onde aquele dignitário se divertia cultivando a terra (11). Finalmente, Portugal deveria ser oficialmente informado de que Minas Gerais se tornara uma república independente.

Segundo Southey, que, não tendo ouvido a outra parte, escreve com evidente parcialidade a favor de Portugal, os conspiradores “agiram como loucos”. Alguns parecem ter desempenhado o seu papel sem entusiasmo, outros se mostraram demasiadamente abertos e confiantes, uns poucos pensavam que dizer era a mesma coisa que fazer e muitos tinham a tentativa como “hipotética” não considerando o povo maduro para a liberdade. Foi, de fato, um “rude tirocínio ”, e, por outro lado, “foi uma grande empresa, e tudo tem que ter um começo, ”O poeta Gonzaga (12) referiu-se a Tiradentes como um pobre-diabo, apto a tornar-se Júpiter ou Netuno para ser o chefe de tal rebelião. Um homem que estava sendo submetido a julgamento chamou-o de comédia; o cronista franciscano, mais adequadamente, designou-o como tragédia. A vingança e a traição grassaram, como nas fileiras do Fenianismo. O arquidelator foi o coronel (de auxiliares) Joaquim Silvério dos Reis Lairia Genes, um dos conspiradores, que revelou o plano, verbalmente, ao governador (13). Ele devia 20.000 cruzados ao Tesouro, e esperava, com sua traição, obter o perdão da dívida. Os documentos destinados a serem encaminhados ao vice-rei traziam as assinaturas do Mestre-de-Campo Inácio Correia Pamplona e tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro. Este miserável solicitou, com preço do sangue, uma pensão e condecorações. Foi elogiado no processo, como vassalo leal e católico, e deixado morrer de miséria no Pará, para onde foi escorraçado pela indignação pública.

Os acusados foram detidos em 23 de maio de 1790, presos separadamente, e mandados, em conjunto, para o Rio de Janeiro. Ali ficaram presos, é curioso contar, no mesmo prédio onde, não muitos anos depois, alguns deles se sentaram como membros da Assembleia Nacional. Sua prisão durou até ser pronunciada a sentença, em 18 de abril de 1792. O Dr. Cláudio Manuel da Costa, o “Amigo Glauceste” de Gonzaga, tachado de traidor pelo governador, retrucou, referindo-se à absorção de Portugal pela Espanha: “Traidor foi vosso avô, que vendeu sua pátria!” Foi removido da prisão para um quartinho abobadado, debaixo da escada da “Casa dos Contos”. A guarda permanente foi mudada, e ele foi assassinado pelos soldados (14). Espalhou-se a informação de que se enforcara, depois de ter aberto uma veia com a fivela de seu calção, para escrever, com sangue, um dístico na parede, pois também ele era poeta (15). É fictícia a história de que seu corpo teria sido exposto em uma forca mais alta do que as habituais, no Campo de São Domingos; o cadáver foi, imediatamente, enterrado em campo não consagrado, o quintal do quartel da guarnição. Mas o vigário Vidal, da família Meneses, cuja irmã era avó do atual Senador Teixeira de Sousa, de Ouro Preto, não acreditando na versão do suicídio, exumou o corpo e, com a ajuda de dois escravos, Agostinho e um outro, enterrou-o na terceira catacumba do coro principal da matriz de Ouro Preto (16).

Onze dos conspiradores, inclusive Gonzaga, receberam sentenças de morte. Sete dos chefes foram condenados a ser enforcados no Campo da Lampadosa e decapitados e esquartejados com exposição das cabeças; seus bens foram confiscados e, de acordo com o bárbaro costume da época, seus descendentes declarados infames. Quatro outros, Salvador Carneiro do Amaral Gurgel, José de Resende Costa, pai e filho (17), e o Dr. Domingos Vidal Barbosa, foram condenados a ser enforcados em uma forca mais alta que a usual, como seus amigos, decapitados, em exposição, mas com perda dos bens e infâmia dos descendentes. A sentença lhes foi lida na noite de 19 de abril de 1792. Cinco foram degredados pelo resto da vida para presídios ou guarnições de Angola, perdendo metade dos bens e ameaçados de morte, se voltassem. Os demais foram banidos temporariamente, e dois falsos acusadores foram açoitados. Nenhum podia queixar-se do seu destino. Conheciam a lei; a maior parte deles era de funcionários do governo; tinham arriscado tudo em um lance, e perdido o jogo.

Diz-se, porém, que as provas eram legalmente fracas e, consequentemente, que a sentença foi iníqua. Naqueles dias os vice-reis eram onipotentes, e os juízes, também, aterrorizados com o exemplo da França, apreciavam e julgavam os processos com severidade draconiana. É curioso observar que o Jeffries do julgamento foi o Desembargador Antônio Diniz da Cruz e Silva, poeta ainda popular cujas odes pindáricas e poema herói cômico O Hissope tornaram-se clássicos (18). Mas a Rainha D. Maria I, a primeira cabeça coroada destinada a visitar o Novo Mundo, foi clemente: comutou em degredo perpétuo todas as sentenças capitais das Ordenações Filipinas, exceto a de Tiradentes; e, assim, das onze cabeças, só uma caiu. Pensa-se, habitualmente, que ele foi um mero instrumento de homens mais cultos, punidos in terrorem. A tradição é outra. Tiradentes era o verdadeiro tipo do sangue mineiro, de presença simpática e temperamento sanguíneo-bilioso. Estudou em escolas militares da França (19), e ali amadureceu o projeto de uma Pan-América, acrescentando Minas à lista de repúblicas encabeçadas pelos Estados Unidos. Morreu quando contava apenas 45 anos de idade, enérgico e muito “frenético”. Durante os cinco anos depois de seu regresso, foi cinco vezes, a cavalo, e não a pé, como contam, de Ouro Preto ao Rio de Janeiro, no interesse de seu projeto. Nesse lugar, foi detido.

Durante o julgamento, apesar de ter deixado uma esposa e uma filha pequena, nada negara; não acusou ninguém; e, afinal, morreu, tal como os mártires políticos em geral, como um herói.

O lugar escolhido para a execução de Tiradentes, que não ouso chamar de desventurado, foi um lugar abandonado, na parte oeste do Rio de Janeiro, o Campo dos Ciganos, onde eram enterrados os ciganos e os negros recém-importados (negros novos). Seis corpos de infantaria e duas “companhias” de cavalaria, além de tropas auxiliares, uma força armada bem grande para uma cidade de 50.000 habitantes, cercou o cadafalso, que fora erguido exatamente no ponto em que os coches funerários hoje fazem ponto, para serem alugados. Uma multidão enchia a planície e se amontoava nas fraldas do morro de Santo Antônio. O filho do Conde de Resende (D. Luís de Castro Benedito), montado em um cavalo arreado de prata, comandou as tropas. Enquanto se realizava um Te Deum em homenagem a Sua Majestade, na igreja do Carmo, e pronunciavam-se sermões exaltando a lealdade, a Irmandade de Santa Casa da Misericórdia, como era então costume, arrecadava esmolas que deveriam ser gastas em missas para o repouso da alma da vítima. A importância arrecadada foi de uma “dobra”; o Sr. Pascual diz cinco “dobras”, cada uma correspondendo a 12$400 réis fortes ou 100$000 de hoje, o que demonstra as simpatias da multidão. O heroico dentista, calmo e grave, foi levado, envergando a túnica dos condenados, da prisão (atual Câmara dos Deputados), pela Rua da Cadeia, hoje Rua da Assembleia, e Rua do Piolho, acompanhado por dois padres e guardado por 100 baionetas (20). Continuou sua adoração da Trindade e da Encarnação até chegar ao cadafalso. Ali, ofereceu ao carrasco seu relógio de ouro. Suas últimas palavras, depois de repetir, com o confessor, o Credo e Anatanásio, foram: “Cumpri a minha palavra, morro pela LIBERDADE”. A gloriosa confissão foi abafada por um rufar de tambores e soar de cornetas. Às 11 horas, foi enforcado até a morte, decapitado e esquartejado, por um carrasco negro e seus ajudantes. Sua cabeça e membros foram salgados. A primeira, que os poetas ainda cantam como a “Cabeça do Mártir”, foi enviada, em um barril, e já decomposta, com uma escolta de dragões, a Ouro Preto, e colocada em um poste alto, que havia, então, na esquina da Rua Direita com a praça principal. As janelas foram enfeitadas e todos os cidadãos obrigados a comparecer e dar vivas à Rainha. Conta-se que um irmão de Tiradentes, um padre (21) escondeu-se para não assistir ao espetáculo, mas foi obrigado a ficar, a força, e a vivar como os outros. Os braços foram mandados para Paraíba e para Barbacena, e as pernas pregadas em postes altos na estrada de Minas, no sítio de Varginha e na Freguesia de Cebolas (22), “onde o criminoso semeara as sementes da revolução e cometera suas abomináveis práticas”. Como Tiradentes morava em casa alugada, o valor do imóvel foi assegurado, mas não pago, ao proprietário; a casa tinha de ser arrasada e atirada ao rio, e o local arado e salgado, “para que nunca mais em tal lugar se possa construir”; o interesse, porém, preservou-a. Um Padrão (23) - ou coluna de pedra - de infâmia foi erguido, e ficou de pé até 1821, quando os cidadãos, entusiasmados com a Nova Constituição, reuniram-se e demoliram o ultrajante marco. No futuro, será erguido um mausoléu naquele lugar. Presentemente, os brasileiros pensam pouco em suas glórias nacionais; até mesmo a Colina de Ipiranga não tem um monumento que a distinga de outras colinas.

Assim, tragicamente, e com sangue, terminou a “comédia”, no mesmo ano que assistiu à decapitação do Bourbon, “filho de São Luís”; e mal se passara uma geração, a Árvore da Liberdade e da Independência, regada pelo sangue do republicano Tiradentes, cresceu e espalhou seus ramos sobre o país. Vinte e nove anos depois da selvagem cena acima descrita, a sinistra planície da execução tornou-se o Rocio, hoje chamada Praça da Constituição, e, à vista do lugar onde se plantara a forca ergue-se a estátua do primeiro Imperador Constitucional do Brasil, o Homem do Ipiranga.

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Notas:

(3) Nascido em 1757. Os documentos oficiais o chamam de ex-alferes das tropas de cavalaria paga da Capitania de Minas. O vulgo supõe que ele era alferes ou tenente de artilharia. Foi preso no dia 10 de maio de 1789, e posto à disposição do vice-rei, na ilha das Cobras.

(4) Uma expressão de opróbrio, adotada como um desafio. St. Hil. (I.i., 202) a chama de “prétendue conspiration” e afirma: “on ne découvrit aucune preuve”. Sua descrição do movimento é mais fraca que a de Southey.

(5) Não um “Gênio”, como se diz vulgarmente. No MS., “Gênio” e “Índio” podem ser facilmente confundidos. A divisa virgiliana tem sido muito maltratada. Southey dá “Libertas quoe sera tamen”. O Sr. Norberto “Libertas quae sera tamen”. O Sr. A. D. de Pascual (p. 60) escreve: “Libertas quae sera tamen”. Este último publicou em 1868 (Rio de Janeiro, Tip. Do Imperial Instituto Artístico) uma brochura intitulada “Um Episódio da História Pátria. As quatro derradeiras noites dos Inconfidentes de Minas Gerais (1792)”. O autor afirma ter-se baseado em um manuscrito de um franciscano do convento de Santo Antônio, que foi mandado com dez outros, na noite do dia 18 e nas seguintes, para consolar os onze condenados à morte. Os jesuítas introduziram o costume de assegurar que um ministro religioso estivesse presente, quando era lida uma sentença condenando à pena capital, e, quando foram expulsos, o encargo passou aos franciscanos. O Sr. Pascual informa ao público, em uma “Advertência”, que sua ideia original era a de escrever um drama; sem dúvida, ao escrever história, ele conservou a forma dramática.

(6) D. Luís Antônio de Mendonça Furtado. O nome é assim dado nos MSS. Os livros preferem, habitualmente, Furtado de Mendonça. O povo acreditava que ele fora mandado para a cobrança dos quintos atrasados, que montavam a 22.400 libras de ouro. Em 11 de julho de 1788, ele sucedeu a Luís da Cunha de Meneses. Este último, que foi satirizado nas “Cartas Chilenas”, tinha algumas suspeitas das ideias republicanas então frequentes em Minas, mas, tendo muitos amigos ali, contentou-se, quando voltou a Portugal, de relatar o caso, de um modo geral; dragões e outras tropas foram então enviados à colônia desafeiçoada.

(7) O Almanaque (1865, pág. 51) dá o número dos inconfidentes como sendo de vinte equatro; destes, vinte e um foram condenados. M. Ribeyroles publicou uma notícia do julgamento, em português e francês. O Dr. Melo Morais (Brasil Histórico, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1864 e números seguintes) publicou todo o processo de Tiradentes. Os documentos originais foram, segundo se diz, mantidos durante muitos anos costurados em um saco de couro, nos arquivos da Secretaria de Estado dos Negócios Interiores. Acredito, contudo, que se trate de um equívoco; o Visconde de Barbacena levou para a Europa todos os documentos que o comprometiam; muitos permaneceram, mesmo, na Secretaria de Ouro Preto e diversos foram publicados.

(8) Existe, segundo me disseram, um despacho, entre os que foram mandados de Paris por Thomas Jeferson a Washington, informando que se encontrara, em Passy, com dois enviados da colônia brasileira, um dos quais, dizem, era José Alves Maciel. Segundo o General J. L. de Abreu e Lima (Compêndio de História do Brasil, cap.5,§6) Maciel era, provavelmente, a pessoa mencionada por Jeferson, quando escreveu de Marselha, em 4 de maio de 1787, a John Jay. Um extrato da carta foi publicado na Revista Trimestral do Instituto Histórico (vol.I, pág.209). Varnhagen (I.270) menciona o fato de Jeferson ter-se encontrado em Nîmes com um ardoroso jovem brasileiro, José Joaquim da Maia, cujo pai era maçom, no Rio de Janeiro. J. A. Maciel escapou melhor que seus amigos, porque era filho de um capitão-mor e estava em bons termos com o capitão-general.

(9) Sinto-me feliz, aqui, por poder registrar um caso de afeição e gratidão de um negro. Um escravo de nome desconhecido, pertencente a esse oficial, induziu as autoridades, a força de pedir, a conceder-lhe permissão para acompanhar seu senhor na prisão e no exílio na África. O Sr. Pascual chama-o de “diamante negro” e de “fiel, nobre e virtuoso escravo”.

(10) O “arrasamento” não se consumou, porque se achou mais lucrativo confiscar-se a propriedade. Uma porta e o quarto ocupado por Tiradentes foram destruídos.

(11) Os conspiradores declararam que queriam prendê-lo e deportá-lo, e não assassiná-lo. Isso parece provável; mas, com um tête-montée como Tiradentes, é difícil evitar-se excessos ou prever o que irá acontecer. Em tais circunstâncias, os homens, em geral, agem levados pelo instinto de que o único meio de se livrar de um inimigo é tirar-lhe a vida. O Visconde de Barbacena era tão impopular, que, quando visitava Ouro Preto, era obrigado a tomar medidas especiais de precaução. Um aposento do atual palácio foi dividido por ele em dezoito quartos diferentes, e ninguém sabia onde ele ficava ou dormia.

(12) Liras, I.7-9. Acredita-se, geralmente, contudo, que Gonzaga usou as palavras “pobre, sem respeito e louco” apenas para salvar seu amigo. O confessor de Santo Antônio descreve-o como “entusiasmado como um quaker e aventuroso como um Quixote”.

(13) As autoridades não estão de acordo se isso foi feito verbalmente ou por escrito.

(14) Uma parteira, tia Mônica, passou, para atender a um chamado profissional, pela casa, logo depois do assassinato, e viu dois dos soldados arrastando o corpo do Dr. Cláudio, que era um homem robusto, facilmente reconhecível. A família Bobadela tentou em vão salvá-lo.

(15) Ele era entusiasta de Anacreonte e Malherbe (et Rose elle a vecu, etc.). Entre os bens confiscados de Gonzaga, havia exemplares desses autores, trazendo o nome de Cláudio Manuel. Sua poesia está bem caracterizada no Plutarco Brasileiro, i. 225-252. O Santo Ofício não apreciava a linguagem de seus escritos em prosa, e só permitiu a publicação de poucos deles. Nunca se soube qual era o dístico em que mostrou a paixão predominante até a morte.

(16) Aconteceu ter morrido um soldado, na ocasião, e, segundo algumas autoridades, o poeta foi enterrado no chão consagrado, na suposição de que se tratava do defunto “praça”.

(17) Proprietário do sítio de Varginha, onde um dos braços do mártir foi pregado. Os descendentes de Resende Costa, na África, reivindicaram a restituição do imóvel, alegando a ilegalidade da sentença, mas não foram bem-sucedidos.

(18) Ferdinand Denis, Cap. xvi. O Hisope tem sido comparado ao Lutrin e o poeta foi chamado o Píndaro de Portugal. Seus assessores, na ocasião, foram: o Acusador, Antônio Gomes Ribeiro, e o Chanceler, Sebastião Xavier de Vasconcelos.

(19) A tradição é falsa; ele nunca saiu do Brasil.

(20) Segundo o Sr. Pascual, o juiz-de-fora ia a cavalo, adiante do condenado.

(21) Tiradentes tinha dois irmãos padres.

(22) Este lugar fica na estrada de Minas a Paraíba do Sul. Pertence, atualmente, ao Deputado Sr. Martinho Campos.

(23) A palavra é corruptela de “Pedrão”. Nos tempos heroicos das descobertas portuguesas, essas colunas eram plantadas pelos aventureiros, que, de tal modo, tomavam posse do solo para a Coroa, e, assim, Camões nos conta que a armada de Vasco da Gama estava abastecida delas. De acordo com o Sr. Pascual, que está, parece-me, equivocado, a cabeça foi colocada em uma gaiola de ferro e está exposta sobre o Padrão. Ele relata, também, que o irmão de Tiradentes, às duas horas da madrugada de 20 de maio de 1793, colocou dentro da caixa uma pedra, com a inscrição simbólica: “30.. ‘Emvunah’”.

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Burton, Richard Francis, 1821-1890.
Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho / Richard Burton; tradução de
David Jardim Júnior. – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2001.
530 p. – (Coleção O Brasil visto por estrangeiros)

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