Reflexões sobre a Beleza
Anders Lidén

Em uma tarde chuvosa de julho de 2011, uma bomba explodiu no centro de Oslo, capital da Noruega. Um terrorista matou oito pessoas. Duas horas depois, o mesmo terrorista, fortemente armado e disfarçado de policial, chegou à ilha de Utøya, onde a seção juvenil do partido socialdemocrata norueguês estava prestes a ter seu congresso anual. Ele começou a matar de forma sistemática um após outro. Sessenta e sete jovens foram mortos a tiros, e muitos outros feridos. Poucos escaparam do massacre.

Entre os sobreviventes estava Ina. Esta jovem tinha sido baleada cinco vezes e estava sangrando deitada no chão úmido a ponto de morrer. Pelo menos ela pensou que estava prestes a morrer. É aqui que ela tem essa experiência, primeiro de uma onda de gratidão para com algumas pessoas por terem tentado ajudá-la - e depois, de uma gota de água. "Pensei", ela disse, ao ver uma gota de água cair de uma folha de grama, "como pode ainda existir algo tão bonito quanto isso".

Neste momento, entre as atrocidades acontecendo ao redor dela, prestes a morrer, toda a atenção da jovem está centrada na Beleza, a beleza de uma gota de água.

Experiências semelhantes têm sido documentadas por pessoas que sobreviveram a situações de morte próxima, como cair nas montanhas - deslizando em algum pedaço de gelo invisível, uma pedra solta e caindo - mas milagrosamente pousando em um amontoado de neve macia. Tiveram uma sensação e experiência semelhantes de Beleza e bem-aventurança.

Assim, mesmo em situações como estas, para nos surpreender, existe uma presença da Beleza. A beleza vem como uma surpresa, uma revelação ou mesmo como um choque. Não nos surpreenderá ao descobrir que isso acontece não só em conexão com objetos naturais, como a gota de água, ou eventos, como uma queda, mas também em conexão com obras de arte e, de fato, sempre que ou onde a percepção leve a uma experiência séria, sem dizer espiritual.

Por que situações extremas como essas são tão apropriadas para experimentar a beleza? Uma explicação poderia ser aquela que em estados onde a personalidade perdeu o controle, vemos e experimentamos com nosso coração.

A jovem norueguesa provavelmente estava aberta, livre, para experimentar a Beleza em qualquer coisa - em uma flor, no céu - mas acontece que ela a vê em uma gota de água, que é um caso especial. O poeta romântico alemão Novalis fez uma anotação em seu Diário que todo corpo transparente se encontra em um estado superior e parece ter algum tipo de consciência.

A gota de água tem sido um suporte tradicional para a contemplação na tradição Zen-Budista. Como o orvalho da manhã. O orvalho, que desaparece quando o sol se ergue. Ou o floco de neve, que pousa em cima de uma montanha, depois derrete e corre para se juntar ao rio e finalmente ao mar. O simbolismo dessa metamorfose tem sido usado como suporte à contemplação.

Sem qualquer conhecimento sobre a estrutura interna de um floco de neve ou de uma molécula de água, as pessoas na época medieval compuseram um nome para Deus, para o Criador, como o Grande Geômetra, ou o Grande Arquiteto do Universo, um nome que ainda sobrevive na Franco-Maçonaria. Atrás desses nomes, está a visão de que o mundo é fundamentalmente Bonito e Bom.

Em princípio, teríamos uma experiência similar visitando o elemento oposto - fogo, seguindo os passos do Marquês de Sade. Ele deve ter dito, depois de ter olhado para a cratera do vulcão do Etna: "Naquele momento eu queria ser aquela massa de lava".

A beleza pode aparecer e nos atingir mesmo em um vazio. Durante a cerimônia do Prêmio Nobel em Estocolmo, no ano passado, a artista americana, Patti Smith, cantou uma das músicas do laureado Bob Dylan, quando, de repente, no meio da atuação, ela parou de cantar, tendo esquecido as letras - ou, talvez, ficado estupefata com elas? Houve um prolongado momento de silêncio quando o público ficou em suspenso, e foi exatamente nesse momento de suspense inesperado, que muitas pessoas parecem ter desfrutado mais.

Há um conto semelhante - lembro bem disso sobre a cantora britânica Katleen Ferrier cantando o Kindertotenlieder de Gustaf Mahler. Em uma parte particularmente emotiva, com lágrimas nos olhos, de repente, ela parou de cantar. Tinha ficado estupefata com a beleza da música de Mahler. Um após outro, os membros da orquestra pararam de tocar. O público foi de alguma forma galvanizado pela mesma experiência coletiva de silêncio inesperado - da Beleza não expressada.

Também John Cage poderia ter tido a intenção de criar uma experiência similar de Beleza em seu trabalho 4'33 - um concerto composto por quatro minutos de silêncio.

Uma longa fila de pensadores e filósofos, desde a antiguidade até hoje, se dedicaram a pensar sobre a Beleza. Aristóteles, Santo Agostinho, e especialmente Platão e Plotino ... Philocalie, era um termo grego que significa "amor à beleza" e, sob este termo, os textos foram publicados na época helenística. Todos reconheceram a importância da Beleza para a humanidade, para a nossa compreensão do significado da vida.

"Beleza", diz um pensador, um dos últimos (?), pelo que parece, "A Beleza, vai salvar o mundo". Essas palavras, pronunciadas pelo personagem principal da novela de Dostoievski O Idiota, têm sido entendidas e interpretadas como uma profecia surpreendente do próprio Dostoiévski. E poderem essas palavras ser entendidas de outras maneiras do que a experiência da Beleza é o que realmente nos enriquece e, eventualmente, nos motivam a fazer as mudanças necessárias.

Depois de Dostoyevsky, a Beleza parece desaparecer como uma categoria estética. Pelo menos desapareceu do vocabulário dos críticos de arte. Assim, por exemplo, quando o pintor italiano, Giorgio De Chirico, um dos artistas mais influentes no início do século XX, visita Villa Borghese em um dia de verão no ano de 1919 e experimenta um "choque de Beleza" na frente da pintura de Ticiano, Amor sacro e amor profano ... e, como consequência dessa experiência, decide abandonar seu estilo metafísico, buscando sua inspiração entre os antigos mestres da tradição europeia, é considerado um traidor por seus admiradores mais ardentes, os surrealistas. Durante muitos anos ele foi boicotado pelas galerias de arte em Paris e, um dia, encontrando alguns de seus antigos admiradores em uma Rua em Paris, foi até esbofeteado por André Breton.

Além disso, assuntos e artes estéticas em muitos países quase desapareceram no campo da educação. Assim, quando a UNESCO iniciou um projeto para reforçar o papel e a importância dos assuntos estéticos, como a pintura, o drama e a música na educação escolar - assuntos que foram cada vez mais descartados nas escolas de todo o mundo - optou-se por falar sobre - não sobre Beleza! - mas sobre o "Wow-factor". (Fator surpresa - uma qualidade ou característica de algo que faz a pessoa sentir grande excitação ou admiração - NT)

Este termo, o Wow-factor, foi aplicado para expressar a excitação e resultados inesperados que são difíceis de serem conclusivos, mas que têm um impacto enorme nos professores, artistas, crianças e até mesmo nas comunidades onde ocorre uma educação rica em artes. O termo foi usado especialmente em relação às realizações artísticas das crianças. A chance de que as crianças possam fazer uma nova descoberta, pela primeira vez, abrem seus olhos visualmente, musicalmente ou por meio de movimento ou drama, ou produzem uma resposta nova e inovadora, foi o motor que impulsionou muitos programas educacionais ricos em artes. O inesperado "wow factor" foi uma força potente que manteve professores, artistas e crianças nos programas de artes.

Um professor que participou do projeto da UNESCO apontou: "Imagine o que poderia ter acontecido com Leonardo da Vinci hoje se ele fosse colocado na escola pública média. Este filho ilegítimo de uma mulher pobre, um escritor canhoto que gostava de desenhar e desafiar o pensamento convencional seria rotulado como um candidato a educação especial em risco..." As escolas com um currículo integrado de artes podem ser mais capazes de atender às necessidades de estudantes como o Leonardo.

O que Dostoiévski tinha em mente quando deixa o Príncipe Myshkin pronunciar esta afirmação profética: "A beleza salvará o mundo"? O que ele quis dizer com Beleza? Alguém já deu uma definição final do que é Beleza? Nem todos sabem o que é. Podemos experimentar a Beleza em diferentes graus e de muitas maneiras diferentes, desfrutando de prazer nas coisas que vemos ou ouvimos. Mas uma definição? - Há muitas. Uma que tem tido um forte apelo para mim é esta:

"A beleza é aquilo que é amado na percepção".

A beleza está sempre lá para nos surpreender. Existe em todos os lugares, talvez em cada momento de nossa vida, e é um mistério maior que a vida e a morte, como Robert Browning escreveu (não era o poeta favorito de Alice Bailey?): "Quando nos sentimos protegidos e completamente seguros, algo acontece, um pôr do sol, ou o final de um coro de Eurípides, e mais uma vez nos perdemos".

Início