A Nossa Responsabilidade
Sacha Calmon

Quem primeiro chegou ao Rio de Janeiro, fez amizade com os índios e fundou uma vila onde hoje é o bairro do Flamengo foram os franceses. Os portugueses e a gente de São Vicente, com os seus índios, foram para o confronto com os franceses e os tupinambás, até que Mem de Sá apossou-se do lugar, meio século depois da "descoberta" do Brasil. Os brasileiros temos a mania detestável, sobre ser falsa, de colocar a culpa de nossos males e mazelas nos portugueses, o que não é verdade. Por primeiro, ao contrário do Recôncavo Baiano e da zona do massapé nordestina, Alagoas, Pernambuco e Paraíba, onde o cultivo da cana-de-açúcar progrediu e gerou fortunas, suscitando a cobiça de franceses e holandeses, em São Vicente e no planalto de São Paulo, os canaviais não deram certo. Lá os brasileiros nascidos dos portugueses com as índias geraram uma gente audaz, que falava a língua geral (nhangatú), mistura de português e tupi. Faziam suas penetrações (bandeiras) no solo continental em busca de ouro, diamantes, prata e silvícolas para escravizá-los e botá-los a trabalhar nas roças.

Fazendo isso, explodiram o Tratado de Tordesilhas expandindo o país. Em uma dessas entradas descobriram ouro, noutra diamantes, o que determinou o futuro do Brasil. Nas minas e nas gerais desertas, o ouro e as pedras atraíram nordestinos, paulistas, espanhóis, galegos, holandeses, franceses, judeus e portugueses, a ponto de despovoar a metrópole colonial, gerando o núcleo de uma nação. Fomos os brasileiros os autores dessa saga, equiparável à corrida do ouro rumo à Califórnia, que também atraiu multidões, de irlandeses, ingleses, suecos, escoceses, gauleses, alemães e europeus de toda parte. A precariedade das carruagens e a migração para a costa oeste forçou a abertura de linhas férreas costa a costa. Foram esses episódios decisivamente formadores de dois países continentais. Um com 320 milhões de habitantes e o outro com 196 milhões, os mais populosos e multiétnicos das Américas.

Dos Estados Unidos divergimos em quatro pontos essenciais. Ao transbordarem as populações das 13 colônias da nova Inglaterra, à medida que conquistavam o Oeste, iam distribuindo 100 acres de terra aos aventureiros exterminadores de índios, enquanto na costa leste, ao nordeste, importavam-se maquinários industriais da Inglaterra. Ao cabo, foram à guerra com o Sul escravocrata e rural (algodão, milho, tabaco). Nós garantimos sempre o direito de propriedade absoluto aos senhores de terras em toda parte, e relegamos à ignorância os caboclos e mulatos que gerávamos nas matrizes indígenas e negras. O século 19 passou inteiro sem que os brasileiros, já independentes de Portugal, fizessem: (a) a reforma agrária; (b) buscassem a industrialização; (c) libertassem os escravos; (d) educassem as populações.

Esses quatro atrasos foram fatais. No século 18, o Brasil era mais rico que as 13 colônias inglesas, mas paramos no tempo. O barão de Mauá, prógono da industrialização, foi sacrificado pelos barões da terra, desbancados do poder somente em 1930 pela revolução getulista. Desde que d. João VI trouxe o governo e a corte para o Brasil, fazendo com que a colônia virasse a metrópole (inversão colonial), culminando com a separação do país do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarve, em 1822, passando pelos Reinados e pela 1ª República, até 1905, a situação foi sempre a mesma. Anos de mesmice e desigualdades. O século 19 o perdermos por inteiro. Estamos entre os últimos países a libertar os escravos e os jogamos, na rua da amargura, enquanto as secas expulsavam desde 1830 as populações rurais do nordeste para as cidades do Sudeste, processo que só estancou no final do século 20.

Essas as razões de nosso atraso e de nossas desigualdades sociais e econômicas, jamais os portugueses. Que sejamos o 6° PIB do mundo, em verdade, é uma espécie de milagre, para um país de industrialização tão tardia. Fomos um dos últimos a fazê-lo e o que mais cresceu entre 1905 e 1985. Daí para frente a Ásia retomou a ponta do avanço econômico (Japão, Coreia, China, Índia, Indonésia, Tailândia e outros mais). Cada século que passa redesenha a teoria do desenvolvimento e mostra dos fracassos os motivos.

Precisamos nos convencer de que o Estado legisla, administra, julga, coordena e fiscaliza a vida em sociedade. Já são muitas tarefas, se forem bem feitas. Em nosso caso, três carências nos martirizam: falta de segurança, saúde e educação. Nem isso os governos brasileiros fazem e ainda querem se meter na economia, atrapalhando a livre iniciativa, justo o motivo que levou os Estados Unidos à liderança. A China é um caso à parte. Confúcio a explica com Adam Smith: de um lado disciplina e concentração, de outro abertura total do mercado. A China hoje é o país que mais importa, exporta, atrai capital externo e cresce.
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SACHA CALMON
Advogado, coordenador de especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMC), presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF)

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