Adolescência
Drauzio Varella
Ao completar 63 anos, o poeta e compositor Jean Garfunkel chegou à conclusão:
- Nunca fui adulto. Passei direto da adolescência para a velhice.
A adolescência é um fenômeno moderno. No passado, as crianças eram jogadas na vida adulta sem estágios intermediários.
Quando perdeu o pai, meu avô veio sozinho da Espanha para o Brasil, com a responsabilidade de ganhar o sustento da mãe e dos irmãos mais novos. Tinha 12 anos.
No campo, meninos pegavam na enxada aos sete anos e meninas dessa idade cuidavam dos afazeres da casa e dos irmãos menores.
O progresso, a melhora das condições de nutrição, de higiene, o saneamento básico e o acesso à educação criaram a necessidade de encontrar critérios para definir quando termina a infância e quando começa a vida adulta.
A dificuldade maior está no fato de que o hiato entre elas não é exclusivamente biológico, mas uma construção social.
A Nature, uma das revistas mais respeitadas pela comunidade científica, faz uma revisão sobre a adolescência.
Diz que os problemas para identificar o fim da infância têm origem antes da puberdade, período de grandes transformações físicas, psicológicas e comportamentais sem idade fixa para se instalar, e que acontecem cada vez mais cedo, nas sociedades modernas.
Nas mulheres europeias dos primeiros anos do século 20 a menarca chegava ao redor dos 17 anos; hoje, as meninas menstruam pela primeira vez aos 12 ou 13 anos.
Entre 1989 e 2010, a menarca das chinesas passou a ocorrer um ano antes. No período de 1991 a 2006, o início do crescimento das mamas diminuiu um ano, nas dinamarquesas.
O começo da vida adulta é mais nebuloso, ainda. Como não há características anatômicas ou fisiológicas marcantes para discriminar as duas fases, o desenvolvimento psicológico e os fatores sociais ganham relevância.
O inconveniente é que esses parâmetros variam de uma cultura para outra e com o passar do tempo. Por exemplo, nos últimos 20 anos, o primeiro casamento - considerado marco social para a entrada no mundo adulto - passou a acontecer em média dois anos mais tarde, no mundo inteiro (dado da ONU). Os brasileiros de hoje casam em média aos 27 anos, seis anos mais tarde do que há duas décadas.
Para aumentar a complexidade, é tão grande a variação interpessoal do desenvolvimento neurocognitivo, que não há como caracterizar o fim da adolescência com base na estrutura ou no funcionamento cerebral. A passagem de uma fase à outra é um processo sem mudanças abruptas.
Por outro lado, diversas publicações mostram que as transformações físicas, neurocognitivas e sócio-emocionais ocorridas na adolescência podem persistir pelo resto da vida.
Você, leitor, sabe que esse é um período cheio de sobressaltos. No mundo, a mortalidade dos 15 aos 19 anos é cerca de 35% mais alta do que entre os 10 e 14 anos. Acidentes de trânsito, violência e suicídios são as principais causas. Cigarro, abuso de álcool e drogas ilícitas e o sedentarismo podem ter consequências nefastas duradouras.
A visão de que a rebeldia dos adolescentes é resultado de explosões hormonais incontroláveis é antiquada. Eles, de fato, tendem a ser imprudentes e impulsivos, mas em algumas situações dão lições de sensatez aos mais velhos. Pais e mães que bebem e fumam, muitas vezes têm filhos abstêmios que detestam cigarros.
O córtex pré-frontal, que ocupa a parte anterior do cérebro, estrutura essencial para as funções executivas responsáveis pela habilidade de tomar decisões, planejar as ações e resistir aos impulsos, não consegue formar as conexões necessárias para ficar completamente online antes dos 20 anos.
As variações individuais na circuitaria de neurônios dos centros cerebrais que controlam a cognição mostram claramente que não tem sentido nem interesse descrever as características psicossociais do adolescente médio.
Na ausência de critérios científicos confiáveis, a ONU considera adolescência o período que vai dos 10 aos 19 anos.
A tendência da psicologia moderna é aumentar o limite superior para 24 anos. No caso de meu avô ela terminou aos 12 anos. No de meu amigo Jean, resistiu até os 60.
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Fonte: Folha de São Paulo