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MISTÉRIOS E MAGIAS DO TIBETE
Chiang Sing


Parte VI - Resumo:
Lhassa, a cidade dos deuses
Encontro com o Lama Rei
Visita ao Palácio Potala
A Pintura Mágica de Padma Sambhava
O Oráculo de Nechung
A Yoga tibetana
Visita aos Templos de Lhassa
O Crepúsculo dos Lamas
A iniciação final
Última Visão da Cidade Proibida

Lhassa, a Cidade dos Deuses

Mais uma vez nos encontrávamos viajando por um deserto de dunas de areia, que formava o vale de Kyi Chu, cercado de altas colinas verdejantes. Bandos de cabras e de carneiros andavam pelas montanhas e de vez em quando um iaque se aproximava da estrada. Todo o vale é cercado de colinas. O Kyi Chu indo para o este terminava numa pequena cidade chamada Nethang, à sombra de uma grande Lamaseria. Esta foi nossa última parada, antes de alcançarmos Lhassa - a cidade dos deuses.

Esta última etapa da nossa viagem foi, talvez, a mais excitante e alegre. Afinal, íamos penetrar na misteriosa capital do mundo lamaísta, que tão poucos estrangeiros têm o privilégio de conhecer.

À medida que nossos cavalos avançavam, fomos avistando rochas e montanhas azuladas, à luz da clara manhã. Um fundo de picos nevados aparecia no longínquo horizonte, embelezando ainda mais o panorama. Campos verdes e pequenas grutas estavam espalhadas por ambos os lados do majestoso rio Kyi - O Rio da Alegria. Pelo caminho encontramos caravanas de mercadores e camponeses que nos olhavam curiosamente. Pendurados nas montanhas, encravados nas pedras, vimos inúmeros Mosteiros, cujos tetos dourados rebrilhavam ao sol. Cavadas no coração das rochas, sobre as quais o rio Kyi espalhava sua espuma branca, vimos belas pinturas do Buda da Luz Infinita, o deus de quatro braços Padma Sambhava e muitas outras divindades lamaístas que pareciam advertir aos viajantes, que iam penetrar na mais misteriosa cidade do mundo.

Numa grande rocha situada no meio do rio, uma gigantesca figura de um Buda, sentado na postura do lótus, olhava a cidade proibida com suprema serenidade. A esquerda do caminho tivemos a. primeira visão do gigantesco palácio do Dalai Lama, nas montanhas do Potala. Parecia um imenso aglomerado de telhados dourados espalhados em volta do palácio, bem como numerosas mansões e pagodes. Um pouco mais além, também à esquerda, outra colina era encimada pelo Templo de Chakpori, o mais importante Colégio de Medicina do Tibete.

Além desses templos, o vale se alargava consideravelmente e um sereno mar de campos verdejantes ondulava sob a leve brisa. Era um espetáculo magnífico, indescritível! Nossa alegria foi tanta que tivemos vontade de desmontar e ajoelhar-nos, agradecendo a Deus por tanta felicidade.

Continuamos cavalgando devagar, até que o caminho se transformou numa rua ampla e respeitável, pavimentada de grandes pedras. Mais adiante, à sombra de uma torre esguia, um grupo de monges do chapéu vermelho conversava animadamente, retendo nas mãos as rédeas de seus bonitos cavalos. Entre eles havia um homem branco, e o Dr. Vessantára reconheceu seu amigo, o capitão Hugh Richardson, chefe dos ingleses na Missão Britânico-Indiana em Lhassa. Assim que nos viu, veio em nossa direção e cumprimentou a todos amavelmente e convidou-nos a visitar a Missão.

Não pudemos conter um grito de admiração ao avistarmos o Montão de Arroz, ou Mosteiro de Drepung, também chamado Drebung. É um dos maiores mosteiros tibetanos. Abrigando mais de dez mil monges, esta colossal Lamaseria toma a extensão de um vale, verdadeira cidadela de pedra, com inúmeros templos menores de telhado dourado, colégios, santuários e celas, encravadas nos francos azuis da montanha. Ao espectador, esse quadro parece uma gigantesca massa de pontinhos brancos como grãos de arroz.

Um pouco abaixo, vimos o Convento de Nechung, onde soubemos que vive o Oráculo Oficial do Tibete, um dos mais importantes homens cuja tarefa é unir o governo com o mundo dos poderes ocultos...

Consta que ele é a reencarnação de uma divindade budista, e que através de suas predições, orienta o curso da política local. Frequentemente o Governador de Lhassa vem consultar o Oráculo.

À medida que nos aproximávamos da cidade, a enorme construção de pedra que é o palácio Potala parecia cada vez maior, meio encoberta por uma grande muralha. Mentalmente comparei este palácio com os grandes palácios do mundo ocidental, e cheguei à conclusão de que tanto o Palácio de Windsor, na Inglaterra, como o Escorial, da Espanha, são pequenos castelos comparados com este magnífico Vaticano do mundo oriental.

De ambos os lados das ruas fomos passando por belas mansões de pedra, algumas tendo jardins com lagos onde flutuavam lótus rosados e nadavam patos selvagens. Uma multidão enchia as ruas: eram lamas usando hábitos cor de vinho, ou oficiais fardados de azul marinho, com chapéus redondos ornados de franjas brancas e cor de vinho, mulheres e crianças usando roupas típicas muito parecidas com as roupas dos chineses, mas as mulheres usavam um longo avental listrado de muitas cores e seus cabelos pretos e lisos eram penteados numa longa trança que lhes caía pelas costas.

Todos nos olhavam curiosamente e alguns punham a língua para fora, num cumprimento sui generis, muito usado no Tibete. Alcançamos por fim os formosos jardins de Dekyi Lingka, no centro de um denso bosque. No meio vimos uma grande casa branca de três andares. Soubemos que ali era a residência da Missão Anglo-Indiana, alugada pelo abade do Mosteiro de Kundeling ao governo indiano, que naquela época estava sob o protetorado inglês.

Verdadeiro, exército de mendigos, sentados no chão, imploravam a clemência das pessoas que passavam. Usavam roupas sujas e esfarrapadas, tinham a cabeça raspada e repetiam aceleradamente o sagrado mantra: 'Om! Mani Padme Hum!'

Chegamos em frente a um grande templo ou Catedral. Este santuário sagrado é um dos mais famosos do Tibete e a ele vêm sempre milhares de peregrinos da Mongólia, China e Sul da Ásia, para quem esta Catedral é tão sagrada como à Kaaba em Meca é para os muçulmanos. Parecendo uma velha Catedral medieval da Europa, ela é cercada por estreitas ruas e pequenas casas. Soubemos que foi construída há trezentos anos atrás pelo rei Srong. Com o correr dos anos foram feitas diversas modificações, construídas novas alas, que em parte são usadas como escritórios governamentais.

À nossa esquerda, o muro alto de um palácio parecia querer Impedir nossa viagem. Afinal alcançamos a Ponte da Turquesa e vimos os sinos dourados de outra casa pertencente à Missão Anglo-Indiana. Como não há nenhum hotel ou hospedaria em Lhassa, resolvemos pedir pousada na Missão. O chefe era um oficial indiano, muito amigo do Dr. Vessantára e assim conseguimos uma hospedagem cordial e simpática.

Meu quarto ficava no andar superior, junto ao de Mahima e Vessantára. Da janela; eu podia ver o formoso jardim Dekyi Lingka, e um pequeno pavilhão de orações parecendo uma torre dourada. Eu mal podia acreditar que nossa incrível jornada tinha alcançado sua meta. O simples pensamento de que estava em Lhassa, sob o sol da cidade dos deuses, me deixava muda de, emoção. Pensei em minha família, tão longe, em terras brasileiras... meus pais já falecidos, meu marido morto tão de repente, minha irmã Eunice casada e feliz com seus dois filhos Carlos e Flávia, que eu tanto amava...

Recordei o sonho fantástico de conhecer o Oriente, que desde a infância me acompanhava e que agora se transformava em realidade...

Naquele instante o sol morria atrás do Mosteiro do Montão de Arroz, num, esplendor cor de púrpura. Desci para o jardim, a fim de melhor ouvir o som dos sinos e das longas trombetas de prata tibetanas, que anunciavam o último dia do Ano Novo, segundo o calendário lunar, usado no Extremo Oriente.

Soubemos depois que, durante os festejos do Ano Novo, o poder temporal do governo da cidade é retirado das mãos de seus membros usuais e colocado nas mãos do Abade do Mosteiro do Montão de Arroz, que, nessa ocasião, se transforma no Rex Sacorrum, tal como nos antigos tempos romanos. É possível que isto seja um golpe político para com o mais poderoso Mosteiro da Igreja tibetana, para reconciliá-lo com o governo comum do país, que agora está restrito aos quatro Mosteiros principais de Lhassa, chamadosLings.

O Abade do Mosteiro Montão de Arroz assume a soberania da cidade, em meio a muitas festas e honrarias. A sua chegada quase todos os prisioneiros são libertados, exceto os que cometeram crimes muito graves. Um dos deveres do novo Rei Sagrado é fazer conferências sobre religião, história e filosofia para a assembleia dos monges.

Consta que durante este período Lhassa abriga cerca de trinta mil monges vindos dos Mosteiros principais da cidade. Culto aos deuses lamaístas é feito diariamente pelo povo, na grande Catedral de Lhassa, desde a manhã até à noite e nuvens de incenso enchem o ar de um doce perfume de flores. No último dia da festa do Ano Novo, os tibetanos celebram a Festa das Flores, em homenagem ao aniversário da concepção de Sidarta Gautama, o Buda. A deusa cultuada neste dia é Maya Devi, a rainha mãe de Sidarta. O povo leva colares de flores vermelhas aos templos, trocam presentes entre si e a festa atinge o seu clímax com cânticos e danças muito formosos. O Dalai Lama é muito reverenciado neste dia e recebe os mais preciosos presentes.

Na noite que chegamos à Lhassa, saímos para ver a grande procissão de gala, que sai do Templo Ra Mo Che, que fica no centro da cidade. Em seguida, a procissão passou por uma linda ponte de mármore rosa chamada Ponte Mende e dirigiu-se ao Templo do Dragão ao norte de Lhassa. Lá, num santuário dourado, os monges depositaram oferendas de ouro, prata e jóias. Depois, trancaram e lacraram o aposento, que só poderá ser aberto no mesmo dia do ano seguinte.

À frente da procissão, vinham os Abades dos Mosteiros do Montão de Arroz e da Cerca da Rosa Silvestre. Saindo do Templo do Dragão, a procissão desceu o rio Tsang Po, em soberbas naves engalanadas de flores e fitas. E todos cantavam hinos aos deuses. Uma multidão seguia pelas margens do rio, num entusiasmo frenético. Em certo trecho do rio, os barcos ancoraram, os monges desembarcaram e seguiram a pé de volta para o Templo do Dragão, tendo antes feito oferendas de vinhos, doces, velas e perfumes, aos seres elementais da água, ninfas e ondinas. O povo voltou às suas casas para apanharem uma imagem de um boneco de argila. Nesta imagem, que representa o Ano Velho, eles colocam pedaços de roupa velha, uma ou duas moedas e invocam o demônio da doença e da má sorte para entrarem na imagem do boneco. De madrugada, os jovens noviços percorrem as casas, recolhendo estes bonecos e levam-nos para um lugar especial nas montanhas, que só eles conhecem, onde os bonecos são abandonados sob a guarda dos elementais da floresta. Em seguida, os noviços retornam a seus templos e os lamas celebram um rito especial, que completa a expulsão do Ano Velho. Este rito culmina com uma dança pitoresca de monges mascarados de reis demônios. As máscaras usadas nesta cerimônia merecem uma nota especial. No Tibete, as máscaras geralmente são feitas de papelão pintado de cores vivas, misturado com corda desfiada e panos finos, ocasionalmente tem incrustações de um metal leve.

Em Sikkim e Bhutan, onde a madeira é abundante, as máscaras desta cerimônia são feitas em madeira esculpida e cinzelada por artistas especiais. Geralmente são ornadas com barbas e cabelos feitos com pelos de iaque.

Amanhecia quase quando terminaram os festejos do Ano Novo e voltamos à Missão, onde estávamos hospedados, cansados e cheios de sono.

No dia seguinte, depois do almoço, saímos para conhecer a cidade de Lhassa. Nas ruas amplas, pavimentadas de pedras, o povo parecia jovial e transitava apressado. Mulheres carregavam crianças e conduziam burricos com cestas cheias de cereais. Lhassa não difere muito das outras cidades tibetanas que visitamos. Vimos os mesmos tipos de casas, o mesmo batalhão de mendigos e de cães vagabundos, o mesmo odor insuportável de coisas deterioradas. Em Lhassa, como em todo o Tibete, não havia instalações sanitárias nem esgotos. Os Mosteiros possuem enormes fossas, destinadas aos detritos orgânicos. Algumas casas ricas também, mas o povo em geral costuma jogar lixo e detritos nos terrenos baldios. Há uma falta de higiene completa que decepciona os ocidentais.

A cidade de Lhassa é dividida em vários quarteirões planos. Em Ihassassem ficam as lojas mais importantes. Aí, junto com produtos regionais, vimos com surpresa cremes de beleza de origem norte americana, máquinas de costura Singer, canetas Parker, tapetes chineses, sedas e brocados da Índia e do Egito, Coca-Cola e uísque escocês. Estes produtos são trazidos pelas numerosas caravanas que constantemente chegam e partem, via Nepal.

É no quarteirão de Chó que está situado o grande edifício da Imprensa Nacional do Estado. Ali vivem os monges literatos. Imprimem, com a maior perfeição, livros, folhetos, cartões e panfletos religiosos. Usam máquinas antiquíssimas. O papel é tipo pergaminho. É lá que se imprimem também os almanaques astrológicos tipo Efemérides, de Rafael, editadas em Londres e tão preciosas para os astrólogos, bem como o único jornal do Tibete, que conta com um número muito reduzido de leitores, pois a maioria da população é analfabeta. É curioso notar que nunca foi escrito nenhum romance no Tibete. Em geral, os livros versam sobre religião, arte e filosofia oriental.

"Todos os caminhos conduzem à Lhassa" - diz um velho provérbio tibetano. A principal rua de Lhassa é uma demonstração viva disso. Nas lojas desta rua encontramos todo o luxo da Ásia Central nas vitrines das lojas e bazares: peles de leopardo, raposa e ursos; peles de carneiro, sedas e brocados multicoloridos, roupas de seda chinesa, tapetes maravilhosos e lindas mesas de laca entalhadas com madrepérola. Lanternas e candelabros de bronze em forma de dragões, jarros, porcelanas delicadíssimas e toda a beleza das mobílias tibetanas cinzeladas a mão. No mercado de comidas encontramos o famoso chá de jasmim chinês, cestas cheias de apetitosas frutas, pêssegos da China e cerejas do Japão. Inúmeros perfumes orientais como almíscar, sândalo, Patchouli, em delicadas embalagens de prata filigranada, especiarias indianas, colares de coral, pérolas e braceletes do Nepal, velas de couro da Mongólia, caramelos, arroz integral de Sikkim, e todas as delícias dos quatro cantos da Ásia estavam ali, à disposição dos ricos tibetanos.

Vimos também uma fabulosa quantidade de objetos de ouro, oriundos do Tibete Central, que é tido como uma das regiões mais ricas do mundo. Este ouro jamais é vendido aos estrangeiros. Ele vem de Thok Jalung e Thok Daurapa, nas margens do rio Chang Tang, e do sul de Mani Serkha, perto do sagrado lago Yamdrok e das nascentes do rio Subansiri. Por motivos religiosos, pepitas de ouro, apesar de serem muitas, nunca são tocadas pelo povo, que só recolhe ouro em pó.

Discussões de preços são violentas, mas assim que realizam o negócio, os tibetanos voltam a falar e a rir animadamente, ajudados por grandes copos de cerveja fermentada chamada chang, vendida num restaurante próximo das lojas.

Acima de todo o burburinho da cidade, da multidão colorida, dos inúmeros bazares, acima de toda a Cidade Proibida, destaca-se a sombra colossal do palácio Potala, a residência oficial do Rei Deus do Tibete, o Dalai Lama, que, segundo dizem os tibetanos, conduz o Teto do Mundo rumo ao Nirvana, ou estado de beatitude suprema...


Encontro com o Lama Rei

- Amanhã, às oito horas, temos uma audiência com o Dalai Lama - falou nosso guia Kazi, com sua voz pausada e grave.

Inútil é descrever nossa alegria e como naquela noite mal pulemos dormir, na grande expectativa do encontro.

E às sete e meia da manhã seguinte já estávamos a caminho do Parque das Joias, onde estava o Dalai. Nossos cavalos andaram por uma ampla estrada que separa as duas densas alas dos jardins do Dekyi Kingka. Momentos depois paramos junto ao grande portão dourado do palácio de verão do Dalai Lama.

Um pequeno esquadrão de soldados tibetanos apresentou armas, em atenção à túnica de seda amarela e ao chapéu de gala usados pelo lama Kazi. Desmontamos, entregamos nossos cavalos a um monge-criado e andamos em direção ao palácio Norbhu Lingka, onde o Dalai costuma ficar quando sai do Potala. Seguimos nosso amigo Kazi por uma grande ala pavimentada com mármore colorido e cercada de copadas árvores e entre elas vimos amendoeiras, rododentros e salgueiros-chorões. À nossa direita, através das folhagens, vimos um pequeno lago prateado, coberto de flores de lótus brancos e onde alguns alvos cisnes nadavam majestosamente. Uma pequena ilha cercada de águas calmas e transparentes tinha no centro um delicado pagode chinês ligado à terra por uma ponte recurva feita em mármore amarelo.

À nossa frente, caminhavam grupos de monges, imponentes em suas túnicas de seda amarelo-açafrão, que nos olhavam curiosamente e cochichavam entre si. Havia um certo ar de expectativa no palácio de Norbhu Lingka; era como se a sagrada presença do Deus Rei fizesse com que todos falassem baixinho.

No hall da entrada, um grupo de quatro lamas, todos velhos e gordos, estava sentado num banco, passando entre os dedos as contas de seus rosários de pedras preciosas. O lama Kazi fez uma reverência e nós o imitamos. Soubemos então que eles eram o Primeiro Ministro da Corte e seus secretários. Em silêncio caminhamos até o fim de um longo corredor cheio de vitrais coloridos que conduzia à sala de audiências. A sala era enorme, magnífica, com suas paredes douradas, suas pesadas cortinas de lã escura, seus grossos tapetes verde-esmeralda, com diagramas mágicos e bordado de dragões. Centenas de monges e de peregrinos esperavam diante de uma grande porta fechada. Grupos de lamas transitavam de um lado para outro, lentos e solenes.

Exatamente às nove horas, soou um gongo e levantamo-nos apressadamente dos almofadões onde estávamos sentados. Formou-se uma longa fila, todos levavam nas mãos a echarpe de seda branca e presentes para o Dalai.

Cessou o som do gongo e dos tambores. As pesadas portas douradas se abriram com um ruído surdo. Grupos de gigantescos monges com cerca de uns dois metros e meio, que fazem parte da segurança pessoal do Dalai, tomaram sua posição perto da entrada, organizando a fila. Numa das mãos tinham um chicote e na outra um bastão dourado. Estes lamas gigantes são oriundos da província de Kham, onde os homens são maiores que em qualquer região da Ásia. Consta que descendem dos guerreiros de Ghengis Khan.

A longa fila de visitantes começou a andar lentamente, até que nos vimos dentro da Sala das Audiências ou Sanctum Santorum dos tibetanos.

A sala estava meio penumbrosa. No fundo, destacava-se uma parede decorada com um enorme tanka ou rolo de seda pintado com motivos religiosos. Vimos um altar dourado, e sob o altar um trono de ouro. Sentado no trono, na postura do lótus, estava o Dalai Lama, a preciosa reencarnação do deus Chen Re Zi. Conhecido no Tibete como a mais elevada manifestação divina dos Budas Vivos na terra, o Precioso Protetor, Oceano de sabedoria. E ali estava ele, um jovem chinês de uns quatorze anos usando as roupas douradas dos grandes lamas, e o famoso chapéu pontudo de Tsong Kapa, muito semelhante à Mitra usada pelo Papa, tendo porém longas abas forradas de seda amarela que caíam sobre os ombros do Dalai, quieto e sereno como um ídolo...

Por quatro séculos, através de suas prévias encarnações, o Dalai sentava-se naquele mesmo trono, abençoando seus fiéis seguidores e reinando sobre o Tibete.

Trêmulos e reverentes, peregrinos dirigiam seus passos em direção ao Dalai, ofereciam as obrigatórias echarpes de seda branca - símbolo da felicidade - e ajoelhavam-se para receber a bênção dada pelo jovem Dalai, com seu cetro enjoiado e ornado de fitas multicores. Consta que um fluido benéfico emana do cetro do Dalai e, desse modo, o fluido penetra na pessoa que é abençoada.

Após a bênção, os visitantes viravam à esquerda, e faziam uma reverência ao local onde estava sentado o Lama Regente, colocado perpendicularmente ao lado do altar.

À medida que nos aproximamos, vimos que o jovem Dalai usava óculos de tartaruga com grossas lentes brancas, acusando uma forte miopia. Ajoelhei-me diante dele e senti o leve toque de suas mãos nos meus cabelos. Ele tinha deixado o cetro sagrado no colo e conferiu-me a grande honra de uma bênção direta, conforme vim a saber depois. Na echarpe de seda branca que eu segurava com ambas as mãos, um lama colocou um pãozinho escuro e uma pequena imagem de um Buda, feita de manteiga. O Dalai pegou as oferendas e entregou-as a um outro lama que estava a seu lado. A mesma cerimônia foi repetida com um chorien ou pequeno relicário de ouro e uma estatueta de Sidarta Gautama, o Buda. Depois, o lama ajudante colocou um livrinho de capa dourada na echarpe. O Dalai pegou o livrinho, amarrou-o com uma longa fita de seda vermelha e pendurou-o no meu pescoço.

Feito isso, saí diante dele e foi a vez do lama Kazi ajoelhar-se, oferecendo ao Dalai ricos presentes que tínhamos levado. Dobrei à esquerda, como todos faziam, e ajoelhei-me diante do Lama Regente. Era um homem alto, magro, imponente, de rosto severo. Ele olhou-me bondosamente com seus pequeninos olhos amendoados. Coloquei a seus pés a echarpe de seda branca e o livrinho dourado que o Dalai colocara no meu pescoço, pois assim manda a etiqueta tibetana.

Tudo se passou no maior silêncio. Quando eu ia saindo tal como os outros visitantes, o lama Kazi fez um sinal para que esperasse. Aproximou-se e disse baixinho:

- Fique, fomos convidados pelo Chefe dos Ministros para tomar chá com o precioso Dalai. Sente-se naquele canto, na postura do lótus e espere um pouco. Logo em seguida, meus companheiros de viagem, Mahima, Vessantára e Pierre Julien, vieram sentar-se ao meu lado. Pouco depois veio o lama Kazi.

Olhando para o jovem Dalai, vi um monge entregar-lhe uma linda taça de madeira. Numa bandeja de prata foi trazido um grande bule de porcelana cheio de chá amanteigado como é costume no Tibete. O chá foi colocado na taça do Dalai e logo bebido por um lama-provador. Somente depois de alguns segundos é que o Dalai foi servido.

Tive que morder os lábios para acreditar que eu não estava sonhando, que realmente estava sentada na Sala de Audiências do Dalai Lama, no Tibete...

Olhando o contínuo fluxo de lamas e peregrinos entrando e saindo do recinto, pensei que apenas esta curiosa cerimônia valia nossa penosa viagem através do Himalaia. Olhei as nuvens de incenso perfumado de rosas que subia dos turíbulos de prata cercando o trono do jovem Dalai e recordei as palavras de um Profeta oriental que certa vez ouvira contar:

"O verdadeiro Dalai Lama morreu em 1924. Desde então todos os outros Dalais serão apenas uma grande Maya ou ilusão, resultante da política maldosa dos lamas governantes de Lhassa, que não se conformam em saber que a sabedoria arcaica deixará o Tibete e emigrará para o longínquo Ocidente. Em tempos próximos, o verdadeiro Dalai renascerá nas terras de O FU SANG (América do Sul, ou quiçá Brasil). Afirmam nossas remotas profecias que isto acontecerá porque já mudou o ciclo da evolução. Então... o Tibete será dominado pelas Forças da Fênix Vermelha e a espiritualidade desaparecerá do Teto do Mundo!"

Seria realmente verdade o que dissera o Profeta? Seria realmente verdade que aquele jovem chinês que ali estava sentado no trono era apenas uma ilusão? Um falso Dalai? Quem poderia saber ao certo?

Meus pensamentos foram interrompidos por um monge que se aproximou trazendo uma pequena taça de madeira para cada um de nós. Pegamos as tacinhas e outro monge as encheu com chá amanteigado. Bebemos vagarosamente, enquanto aguardávamos ordem para deixarmos a sala. Afinal, um dos guardas gigantes, imponente na sua túnica cor de vinho, tocou um gongo e disse algumas palavras em tibetano.

- Já podemos ir - falou o lama Kazi. Levantamo-nos, fizemos uma reverência ao Dalai e ao Lama Regente e fomos saindo de costas, deixando devagarzinho o aposento.

A audiência tinha terminado.


Visita ao Palácio Potala

O esperado dia de visitar o palácio Potala chegou afinal, pois tivemos que esperar autorização especial do Lama Regente.

Construído há trezentos anos atrás, pelo Quinto Dalai Lama, o palácio Potala é um dos mais imponentes do mundo. Ocupa o lugar de uma fortaleza que, outrora, foi construída pelos antigos reis do Tibete e destruída mais tarde pelos mongóis. Conta-se que durante muitos anos milhares de trabalhadores carregaram pedras para reconstruírem este imenso palácio, cujas bases repousam diretamente na rocha. A morte do Quinto Dalai parecia ameaçar esta construção e, por esta razão, o Lama Regente resolveu ocultar a todos o desaparecimento do pontífice. E espalhou a notícia de que o Dalai estava doente, não podendo aparecer em público. Durante dez anos os lamas conseguiram enganar o povo, até o dia em que o palácio Potala ficou pronto.

Vestimos nossas melhores roupas e fomos conhecer o Vaticano lamaísta. Juntamente com inúmeras pessoas, fomos subindo a montanha que conduz ao Potala. Lá de cima, o espetáculo que vimos era indescritível. Vimos os suntuosos parques e jardins de Lhassa, seus mosteiros grandiosos, suas mansões de pedra. Andamos por uma ala ornada com centenas de moinhos de prece, que os yisitantes giram ao passar. Atravessamos um alto pórtico e entramos num grande parque. Por todos os lados, vimos vendedores ambulantes, vendendo incenso, flores, velas, comidas típicas como brotos de rododentro caramelados, amuletos abençoados pelo Dalai e horóscopos impressos em papel de arroz. Do outro lado do parque, outros vendedores ofereciam pequenos moinhos de prece, feitos em metal lavrado. Escribas lá estavam também para fazerem, por um preço moderado, um documento que provava que tínhamos visitado o Potala. Compramos um amuleto de prata com incrustações de coral e turquesas, representando um deus benfazejo e prosseguimos subindo as largas escadarias de pedra do Potala. Paramos num dos patamares e o lama Kazi falou:

- Lá em cima, bem no alto das torres, ficam os aposentos particulares do Dalal Lama. Ficam na parte mais alta do palácio porque, segundo a tradição, ninguém pode morar acima do Poderoso Onisciente.

Continuamos subindo. As largas escadarias mais pareciam uma rua de degraus e muitos visitantes sobem a cavalo, para evitar o cansaço. Contudo, só os oficiais, os nobres e os grandes lamas é que tem permissão para isto. O povo tem que subir a pé. À medida que subíamos, fomos pensando nos grandes tesouros que dizem estar ocultos atrás daquelas grossas paredes centenárias. Finalmente, chegamos a um pátio e depois ao grande patamar de entrada do palácio, cheio de estátuas de pedra representando deuses lamaístas Começamos a visita percorrendo a ala ocidental, onde soubemos que vivem duzentos e cinquenta lamas filósofos. Esta ala tem um curioso nome tibetano, Namgyetrachang. É um verdadeiro labirinto de cores sombrias e passagens misteriosas. Através de uma ampla Janela, observamos o magnífico panorama; ao longe, o grande Templo de Chakpori - a Montanha de Ferro - com seu imponente Colégio de Medicina, que toma todo o vale de Kyitchu; embaixo, as casas do quarteirão de Cho, mais além, os outros célebres templos de Lhassa, o Montão de Arroz, a Cerca da Rosa Silvestre e a Catedral de Lhassa.

Visitamos muitas capelas, salões, santuários misteriosos, passamos para a ala oriental. onde fica o Seminário de Tsedrung e os diversos escritórios e Ministérios do governo tibetano. Não pudemos prosseguir visitando a ala oriental, porque dois gigantescos guardas tibetanos nos impediram. Disseram ao lama Kazi que ali ficavam celas secretas cuja visita era proibida.

Voltamos e seguimos para a ala sul do palácio.


A Pintura da Padma Sambhava

Andamos por várias salas povoadas de estátuas de bronze incrustadas de pedras preciosas. Afinal, o lama Kazi conduziu-nos a uma sala magnífica, cujas paredes eram forradas de seda azul claro e cujo chão de mármore era quase encoberto por um enorme tapete chinês cor de mel, estampado com formosos lótus azuis. Pendurado na parede do fundo, perto de uma ampla janela, estava um grande tanka ou estandarte pintado, representando uma linda paisagem ao luar. A Lua se refletia nas águas claras de um lago margeado de velhos pinheiros. Sem dúvida, era uma bela pintura. Todavia, o mais curioso é que, observando atentamente a luz prateada da Lua Cheia, ia aos poucos se transformando em Lua Minguante, depois em Lua Nova, Lua Crescente e novamente Lua Cheia...

Como é possível? Esta pintura se move? - indaguei perplexa a mim mesma.

Foi então que o lama Kazi falou:

- Esta é a pintura mágica do Tibete! Afirmam nossas tradições que esse tanka foi pintado há muitos séculos pelo mago Padma Shambhava - o santo das mãos de lótus. Ela tem o dom de adquirir vida e mudar as fases da Lua sucessiva e ininterruptamente...

- Não será um truque dos lamas? - perguntou Pierre Julien, baixinho ao meu ouvido.

Kazi sorriu do nosso espanto e incredulidade. Chamou um dos guardas gigantes que protegia a sala e manteve com ele um breve diálogo em tibetano. O guarda aproximou-se respeitosamente do tanka e delicadamente afastou-a da parede para que víssemos que não havia nada por trás.

- É inacreditável! - murmurei atônita.

- Não mais inacreditável do que as magias que já presenciamos aqui no Tibete - retrucou o Dr. Vessantára, sorrindo benevolamente.

Soubemos então que os tankas tibetanos são "uma recriação ao mundo místico e simbólico através do qual o Lamaísmo encontra sua expressão." Cada pintura dessas é, portanto, uma evocação cujo significado torna-se claro aos que fecham os olhos às coisas da terra e conseguem captar a mensagem esotérica que emana constantemente deste mundo misterioso, povoado de divindades malévolas ou benignas.

A preparação de um tanka é um ato litúrgico. O algodão ou a seda que será utilizada mais tarde para tecer a tela só deverá ser colhido por um iniciado nos segredos do Lamaísmo. A seguir, os fios são purificados pela repetição de certos mantras ou palavras de poder, sendo depois abençoados por um lama, de acordo com um rito especial e na presença de uma sacerdotisa virgem, a quem competirá a tarefa de fiação. Após a fiação, o fio resultante é entregue a um tecelão experiente, que tem de possuir vários atributos: mocidade, saúde, isenção de defeitos físicos e morais, além da presença dos sinais de bom augúrio. Antes da tarefa, o. tecelão terá que se purificar e criar o campo magnético onde o artista pintor irá desempenhar a missão suprema de criar uma obra de arte. Há regras especiais para se pintar um tanka. Geralmente, as personagens são dispostas em círculo mágico ou Mandala, em cujo centro fica o motivo principal. Algunstankas têm um pedaço de tecido diferente na parte inferior, chamado a porta do tanka, que indica o ponto onde o crente deverá fixar os olhos durante a meditação para que possa entrar no interior da pintura. À medida que a meditação se aprofunda, há uma gradual revelação de significações das figuras representadas, até que se dá a união de quem medita com a divindade representada.

Terminada a pintura do tanka, um grande lama infunde vida à pintura através de um rito mágico chamadoPratistha. O ato da consagração é, portanto um ato de vivificação do objeto com a essência divina. O ritual é altamente secreto e os tibetanos o receberam de seus mestres indianos.

Tendo sido pintada por um santo, não é de admirar que a pintura mágica de Padma Sambhava tenha vida e se mova realmente.

Deixamos a sala da pintura mágica, pensativos e maravilhados. E fomos andando pela ala sul do Potala, até chegarmos a uma espécie de santuário, onde vimos um lindo altar de jade branco, ornado com candelabros de ouro. Sobre o altar vimos a estátua em tamanho natural do Buda Maitreya - o Buda do futuro, uma das emanações do Cristo Cósmico. A estátua era talhada finamente em madeira. Representava um homem formoso, sentado num trono à maneira ocidental, com as pernas pendentes e as mãos sobre o colo. O rosto e o corpo eram pintados de branco, pois, segundo antiga tradição, ele renascerá no Ocidente, será um homem da raça branca e terá cabelos escuros e olhos azuis.

E assim, de sala em sala, vimos muitas preciosidades do palácio Potala. Embora não pudéssemos visitar os aposentos do Dalai, pois o Grande Precioso estava meditando e não permitia nenhuma visita, tivemos permissão dos guardas para visitar os túneis subterrâneos do Potala. Estes túneis ficam bem abaixo das grandes escadarias e tivemos que descê-las para encontrar a entrada vigiada por dois guardas gigantes, vestidos com suas túnicas de lã cor de vinho. O lama Kazi conversou com eles e pudemos entrar. Num dos cantos vimos várias tochas acesas; tomando uma delas, Kazi enveredou por um túnel e nós o seguíamos. Descemos cautelosamente por uma escada de pedra tosca gasta pelos anos. Estes túneis foram feitos pela ação vulcânica durante incontáveis séculos. Nas paredes vimos estranhos desenhos coloridos. Alguns eram horríveis, representando a deusa demônio Lhamo (a Kali negra da Índia), cercada de cruzes suásticas, vestida com pele humana e devorando a cabeça de um homem.

Afinal o túnel foi se alargando até que de repente vimos uma grande luz que não provinha da tocha que Kazi segurava. Era uma espécie de redemoinho de luz que nos envolvia em grandes ondas. Movíamo-nos como num sonho. Estávamos ali, vestidos de luz dourada, diante de um belo lago de águas fosforescentes. No centro do lago boiava uma grande flor de lótus branca. Suas pétalas molhadas pareciam pequeninas pérolas. Fascinados, ficamos ali, com os olhos muito abertos e os sentidos alerta. Um sentimento de vacuidade e afastamento das coisas terrenas apoderou-se de mim.

A voz serena do lama Kazi quebrou o silêncio:

- Este lago sagrado vai se unir com as águas do rio Xyi Chu, que é afluente do rio Tsang Po. Dizem... que ele brotou de uma lágrima da deusa Dolma...

Soubemos depois que a deusa Dolma corresponde ao Aspecto Feminino Divinal, tal como a deusa Meru e a amorável deusa Kuan Yin na sua misericordiosa atividade irradiada de seu templo etérico sobre a cidade de Pequim.

- Dizem nossas antigas tradições - continuou falando o lama Kazi - que existem muitos túneis subterrâneos como este aqui no palácio Potala, mas só alguns grandes lamas os conhecem. Penetrando nas entranhas da terra, atravessam o Tibete, alcançam os Montes Himalaias na Índia, onde dizem que habita o Raio Cósmico Masculino e cruzando os oceanos, vão terminar no ponto central da Substância Sagrada da Terra. Aí o Raio Cósmico Masculino emanado do Deus Pai-Mãe encontra-se com o Raio Cósmico Feminino, num misterioso santuário na Cordilheira dos Andes, regida pelo deus e a deusa Meru.

Soubemos então que este santuário secreto encontra-se no plano físico, perto do lago Titicaca, nos Andes, a cordilheira sagrada da América do Sul. O encontro destes dois raios divinos forma o eixo da Terra. Bem no centro deste planeta, onde estes dois raios se encontram brota a imorredoura e vitoriosa Chama Trina da Eterna Verdade. Ela se ergue da fenda de uma rocha na montanha e projeta-se para o Templo Secreto dos Grandes Iniciados. Ali, alguns discípulos privilegiados recebem a iluminação espiritual, para realizarem sua missão no Plano Divino. Neste Templo Secreto reside também a formosa deusa Nada - a deusa do Amor Universal - membro do Conselho Cármico da Fraternidade Branca do Oriente.

O Raio Masculino do Himalaia e o Raio Feminino da deusa Meru são uma atividade do Espírito Santo Cósmico. Consta que o Raio Feminino está ancorado no coração de cada vida, seja homem, mulher ou criança, porém o Raio Masculino já teve há muitos séculos a sua predominância. Num futuro não muito remoto, na duradoura Idade de Ouro da Era de Aquário, o Raio Feminino da deusa Meru se manifestará em todas as atividades divinamente qualificadas sobre a face da Terra. E quando circular em torno do planeta Terra, o Raio Cósmico Feminino da deusa Meru se transformará em minúsculos sóis rodeados por uma aura rosada - simbolizando o Amor Universal. Os Anjos do Santuário Secreto das Montanhas Andinas acompanharão o Raio Cósmico Feminino em volta da Terra, Sua irradiação para cada vida será como pétalas de rosas espalhadas por uma doce brisa.

É muito grande a importância de purificar o continente Sul Americano, onde os filhos das grandes sub-raças irão formar a Sétima Raça Dourada, regidos pelo santo Mestre Sainthrhu e a bem-amada Mercedes, seu complemento divino, que simbolizará a Divina Mãe Celeste dos filhos desta Sétima Raça-Raiz.

Diz a tradição que os filhos da 4a. Raça-Raiz que outrora surgiu do coração do deus e da deusa Himalaia, até o fim do ano do Cavalo de Fogo (1978), em sua maioria, deverão voltar ao seio do infinito. Irão para os Templos da Luz que para eles estão preparados. Por esta razão têm sucedido, imprevistamente, diversas ocorrências, as quais, para a humanidade, poderão representar grandes catástrofes mundiais. Entretanto, elas são necessárias: têm a finalidade de trazer muitas almas de volta ao lar divino. Estes filhos da 4a. Raça Raiz precisam abrir caminho para os filhos da 7a. Raça Dourada. E no ano do Cavalo de Fogo (1978) irão encarnar-se na Terra milhares de seres da 7a. Raça-Raiz. Em maioria, eles nascerão na América do Sul, onde o grande Mestre Sainthrhu está criando seu Momentum - isto é, sua Força Motriz, Reservas de Forças, Forças acumuladas para Curar, para Ensinar; Capacidades Musicais ou Artísticas ou todas as virtudes armazenadas no Átomo Permanente que recolhe todas as boas ações de cada encarnação humana: este Átomo Permanente retorna em cada encarnação, trazendo como dom as virtudes das pessoas. Lá, os filhos da Sétima Raça Dourada irão atingir relativa perfeição para desenvolverem o Reino da Evolução sobre a Terra.

Então... a principal energia do Santuário do Lótus Azul nos Himalaias irá extinguir-se ou desaparecer e os bem-amados deus e deusa Meru darão destino à reforçada atividade de seu magnífico Santuário na América do Sul. E assim desabrochará como uma rosa perfumada o Reino da Evolução sobre a Terra.

Não sei quanto tempo ficamos no túnel subterrâneo do palácio Potala, pensando em tudo isto. Ficamos ali quietos e meditativos, sem coragem de deixar aquele lugar abençoado.

Afinal, o lama Kazi quebrou nosso encantamento dizendo:

- Precisamos voltar, está ficando tarde.

E subimos devagar os velhos degraus de pedra até sairmos novamente à luz do dia. O tempo claro de algumas horas antes tinha mudado completamente. Grandes nuvens escuras corriam pelo céu.

A tempestade súbita nos surpreendeu no meio do caminho e chegamos à Missão Anglo-Britânica completamente molhados e sujos de lama.

A chuva forte durou três dias. Tivemos que esperar que os caminhos secassem para poder visitar o Templo de Nechung, onde vive o vidente mais famoso do Tibete. Aproveitamos o tempo para ler trechos dos Pitakas - as escrituras sagradas do Budismo indiano, que o chefe da missão indiana, Capitão Narendra Sen, traduzira magnificamente para o inglês.


O Oráculo de Nechung

Finalmente a chuva passou e um sol tímido saiu entre as nuvens. E assim saímos para visitar o Oráculo de Nechung. Passamos pelo centro da cidade de Lhassa e nossos cavalos foram seguindo pelo mercado, atingimos uma planície, e logo adiante vimos o grande Templo de Norbulinka, onde vive outro vidente famoso conhecido como o Oráculo de Gadong, ao qual só têm acesso o Dalai Lama e seus Ministros.

Continuamos cavalgando por caminhos cheios de curvas, até que chegamos ao nosso destino. O Templo de Nechung fica a oito quilômetros da cidade de Lhassa. Naquele dia haveria uma cerimônia especial, com a presença do grande vidente. Vinha do interior do templo uma música bizarra de flautas e tambores.

Entramos num grande pátio, Vimos um espetáculo fascinante. O povo se comprimia pelas alas do pátio. Por todas as partes, pendurados nas velhas árvores, vimos grandes estandartes de seda colorida, com pinturas fantásticas de deuses e demônios. Eram as famosas pinturas tanka, típicas do Tibete. Todo o ambiente estava perfumado de incenso, cuja fumaça saía de grandes incensórios de bronze espalhados pelo pátio.

Assim que chegamos vimos um jovem monge sair pela grande porta principal do templo. Vestia um hábito de seda amarela e sobre o peito tinha um medalhão de ouro, cravejado de brilhantes, formando estranhos símbolos. Estava suspenso ao pescoço do monge por uma grossa corrente de ouro. Dois noviços, com seus típicos hábitos marrons remendados de cores diferentes, seguravam as pontas de um longo manto de brocado violeta, que caía sobre os ombros do monge. Chegaram a um tablado forrado de veludo carmesim, onde vimos um trono com almofadas de seda amarela. O jovem monge sentou-se solenemente no trono. Os dois noviços ajoelharam-se a seus pés.

Ouvimos o som de um gongo e uma procissão de noviços começou a descer a escadaria de mármore do templo. Seguravam grandes estandartes de seda amarela com a mística inscrição OM MANI PADME HUM bordada em seda azul forte. O grupo de noviços parou a um canto do pátio, à sombra de velhas árvores, e ficou em silêncio. Em seguida vieram os Anciãos, os Grandes Lamas com suas túnicas cor de laranja, seus mantos cor de vinho, as cabeças raspadas e os olhos distantes fitando o céu. Soaram as longas trombetas de prata, produzindo um som claro e bonito. Os lamas dividiram-se em dois grupos e ficaram parados junto à escadaria de mármore. Momentos depois, outro bater de gongo. E logo saiu do templo uma linda moça vestida como uma deusa. Com um andar lento e compassado, foi se aproximando de nós. Observamos seu formoso rosto oval, de um tom de marfim, olhos grandes e amendoados, nariz pequeno e bonito, e boca muito bem feita, pintada de rosa claro. Seus longos cabelos pretos estavam reunidos numa grossa trança que lhe caía até os joelhos. Coroava-lhe a cabeça um diadema de brilhantes, turquesa e coral.

- É a grande sacerdotisa Dorge Pomo! - murmurou o lama Kazi ao nosso ouvido.

Recordei uma lenda que ele me contara sobre aquela misteriosa sacerdotisa. Dizem os tibetanos que certa vez os muçulmanos tártaros invadiram a cidade sagrada de Lhassa. Detiveram-se ante o Templo de Nechung, o qual pretendiam ocupar. O general inimigo mandou dizer à sacerdotisa Dorge Pomo que, se ela lhe aparecesse na forma de uma porca, ele não destruiria o templo. Em resposta, a formosa abadessa pediu clemência, rogando-lhe que fosse embora com seus soldados e deixasse seu país em paz. O general tártaro, soltando gargalhadas, entrou à força no templo. Para espanto geral, não encontraram nem um ser humano, mas um bando de porcos e porcas que corriam, atordoados, de um lado para outro...

Aterrorizados, os tártaros fugiram e deixaram o Tibete para sempre. Atribuem-se a esta sacerdotisa Dorge Pomo muitos poderes mágicos, inclusive este poder transformar-se no pássaro ou animal que desejar, num fenômeno denominado licantropia. Não podemos constatar se isto é verdade, mas soubemos que Dorge Pomo é considerada como uma das maiores magas do Tibete.

O povo se ajoelhou reverente ante a passagem da grande sacerdotisa - considerada Mulher Buda. Os velhos lamas escoltaram-na até o trono do vidente. Formou-se uma fila entre o povo e começaram as oferendas. Eram vidros de perfume, joias de ouro e prata, flores, echarpes de seda branca, e uma pedra sagrada que os tibetanos chamam dordje - símbolo do poder. A um gesto da sacerdotisa, uns noviço-criados trouxeram grandes tachos de cobre cheios de vinho. Todos se serviram à vontade, tirando dos bolsos de suas túnicas longos copos de madeira.

Soubemos que para a escolha da grande sacerdotisa, abadessa de Nechung, os lamas empregam métodos parecidos com a descoberta dos Budas Vivos. Sabe-se que após a morte de uma dessas abadessas, os lamas se reúnem em conselho. E pela boca de um médium, ela se manifesta, dizendo em que lugar e em que família vai renascer. Sobre a atual Dorge Pomo contavam-se histórias muito curiosas.

Tinham-se passado sete anos após a morte da última sacerdotisa de Nechung, sem que ela se manifestasse como habitualmente. Os lamas estavam preocupados e não sabiam o que fazer. Ela é a contraparte feminina do vidente e ajuda-o com sua força magnética e seus poderes supranormais. Num dia propício, indicado pelos astrólogos, um grupo de lamas saiu de Nechung disfarçados de camponeses. Andaram muito até chegarem à região de Ngari. Viram um grupo de crianças que brincavam numa rua. Deste grupo saiu uma menina de uns sete anos, franzina e graciosa. Colocando as mãozinhas sobre o ambag (bolso interno formado pelas dobras das túnicas tibetanas), ela falou:

- Me dá minha tiara!

O lama ficou surpreso. Realmente, trazia no bolso a tiara de brilhantes, turquesas e coral que pertencera à última sacerdotisa de Nechung. E a menina prosseguiu:

- Não me reconheces? Sou aquela que procuram há sete anos! Diante dessa prova, o lama ajoelhou-se e beijou os pés da menina. Dias depois, ela foi levada para o Templo de Nechung carregada numa rica liteira e vestida como uma princesa de conto de fadas...

A festa no parque continuou. Recomeçaram os toques dos tambores compridos como os tablas indianos. E ao som de músicas exóticas, um bando de dançarinos começou a dançar freneticamente. Usavam máscaras fantásticas e davam gritos de alegria. Terminadas as danças, a jovem sacerdotisa que estava sentada ao lado do vidente levantou-se e falou numa voz macia e grave:

- Salve o Oráculo de Nechung!

Todos os olhares convergiram para o jovem monge sentado no trono. Lentamente ele se levantou. Tirou o manto cor de violeta e foi para o centro do pátio, onde tinha sido desenhado no chão, com pós coloridos, um enorme círculo mágico. Dois noviços se aproximaram e colocaram nos ombros do vidente uma rica estola de brocado dourado. Sobre a cabeça colocaram um capacete pontudo, também dourado, ornado de pedras preciosas formando lindos bordados. As rezas começaram em voz alta.

O vidente fechou os olhos e pareceu ficar numa atitude de grande concentração. Logo, seu corpo esguio teve uns estremecimentos. Parecia que seu espírito deixaria o corpo para que ele servisse de veículo às divindades tutelares. Este vidente de Nechung é famoso por seus poderes psíquicos. Dizem que desde muito menino revelou seus dons mediúnicos. No Tibete os videntes ou médiuns são também chamados de delog ou aquele que voltou do além.

Do lugar onde estávamos podíamos ver os menores movimentos do vidente de Nechung. Seu rosto foi ficando muito pálido. O corpo começou a ser sacudido por grandes estremecimentos cada vez mais fortes. Era o começo do transe. Súbito suas feições se modificaram. Os olhos abertos desmesurada mente pareciam querer saltar fora das órbitas. Soltando um grito estridente, ele começou a pular descontroladamente. Parecia um demônio encarnado num corpo humano. Então, um dos velhos Lamas ergueu a mão direita e o vidente parou de pular e ficou rígido. O velho lama aproximou-se devagar. Colocou uma echarpe de seda branca sobre o pescoço do vidente. E ficou parado ao seu lado.

Nisso os noviços e os lamas iniciaram um canto à meia voz. Parecia um cântico de monges gregorianos. O cântico culminou numa maravilhosa torrente de sons e cessou repentinamente. As feições do jovem vidente se acalmaram, seu rosto tomou a expressão de um velho. Com o corpo recurvo, e a passos trôpegos, ele aproximou-se do lama que estava em pé a seu lado e que parecia comandar sua força espiritual. Fez-lhe um gesto com a cabeça. Ambos conversaram em voz baixa. O velho lama chamou um noviço que lhe trouxe um rolo de papel, pincel e tinta. O vidente continuou a falar com o velho lama enquanto o noviço escrevia suas palavras. Terminada a conversa, o velho lama tirou do bolso interno de sua túnica de seda um punhado de ervas secas e deu-as ao vidente. Com gestos lentos, o vidente jogou as ervas num dos grandes incensórios de bronze e disse alto:

- Olhai, irmãos!

A princípio não vimos nada, a não ser uma nuvem de fumaça perfumada. Pouco a pouco fomos percebendo que por entre o véu cinzento da fumaça, formavam-se figuras. E súbito vimos um palácio cercado de pinheiros. Junto da grande coluna principal, passa um exército de soldados agitando bandeiras coloridas. Depois, surgiram vultos imprecisos e logo só ficou a fumaça.

Teríamos sido vítimas de alguma hipnose coletiva? Não sei... A música recomeçou. O rosto do vidente ficou crispado e de repente ele caiu rijo no chão. Sem dúvida, a divindade tinha se afastado.

Quatro noviços carregaram o vidente para o interior do Templo.

- Afinal, quais foram as predições do oráculo? indagou Pierre, voltando-se para nosso amigo Kazi.

- Não sei - retrucou ele. As predições são guardadas em segredo e estudadas pelo Conselho Superior dos Lamas, durante vários dias. Em seguida são comunicadas ao Dalai. Os videntes não podem cometer erros nem dar respostas erradas. Muitos deles já foram degradados e condenados à prisão perpétua, por terem feito falsas profecias...

Encerrando a cerimônia, a jovem sacerdotisa levantou-se, tendo na mão direita um bastão de prata incrustado de pedras preciosas. Com este bastão ela começou a abençoar o povo que correu para não perder o suave contato abençoador.

Conseguimos sair da confusão reinante e voltamos ao vale, onde um criado tinha ficado tomando conta de nossos cavalos.

Sobre nós brilhava o sol luminoso do outono. Para o sul, há mais de trinta mil pés de profundidade, ficava a cidade sagrada de Lhassa. A leste e oeste erguiam-se picos nevados. Ao norte, destacava-se a maravilhosa cadeia das montanhas de Karakorum. Lá no alto da montanha, comecei a meditar e súbito parei de ser eu mesma e fui o ritmo de tudo. Ofereci o rosto à brisa fria para que ela me despertasse, lá no mundo oculto dos lamas onde ainda hoje vivem magias inacreditáveis!


A Yoga Tibetana

Ao deixarmos o Templo de Nechung, subimos uma suave ladeira que conduziu a um planalto ondulado, por onde serpeava a estrada que conduzia a Lhassa. Subimos e descemos aqueles declives cortados por mansos regatos. Já no fim do planalto, o caminho começou a contornar o vale. Vimos então uma gruta que mais parecia um pequeno castelo. Soubemos que ali morava um gontchen, ou ermitão, que graças à intervenção do lama Kazi teve a gentileza de nos receber e falar um pouco conosco.

O ermitão era um homem idoso, alto, magro, bronzeado, de idade indefinível. Rosto quase sem rugas, olhos escuros e brilhantes, nariz meio adunco, cabelos e barbas longos e muito brancos. Vestia apenas uma sunga de algodão branco, típica do ermitão tibetano. A gruta estava impregnada pelo perfume do incenso de sândalo, que ardia num braseiro. As duas peças inferiores da gruta eram cercadas por um muro de pedra que isolava a gruta de olhos estranhos. Em cima, ficava o quarto do ermitão, onde vimos apenas uma esteira e alguns livros. Soubemos que ele praticava Yoga e através do lama Kazi perguntamos ao ermitão:

- Os métodos yogues tibetanos têm semelhança com os da Índia?

- Sim, os princípios fundamentais da yoga primitiva foram aproveitados pela yoga tibetana, mas nossos métodos contêm muita magia, concentração, meditação, projeção astral e mentalizações diversas. O aspecto mais misterioso é a Tantra Voga, já que a verdadeira transmissão é secreta e só pode ser dada por um Guru qualificado, ao discípulo que antes é submetido a muitas provas. A Tantra Voga vê por trás de todas as coisas e aparências um enorme poder latente, que se chama Kundalini, ou Fogo Serpentino. Ele dorme na base da coluna espinal, enrolado como uma serpente, à espera do despertar, que talvez nem ocorra nesta vida. O despertar é uma ruptura na consciência de vigília, o despontar de uma consciência plena, de uma superconsciência que está imersa na criatura humana, mas que, devido ao seu adormecimento, ela não consegue perceber.

- Mas em que consiste propriamente o Tantra Voga? - indagamos interessados.

- O Tantra é uma série de exercícios que devem ser feitos sob a direção de um mestre qualificado. E eles precisam ser praticados todos os dias. Não há Tantra sem a prática. Ela é a raiz e a essência de tudo. O Tantra Voga pretende ser a Yoga adequada à Idade Negra que o mundo está atravessando agora. Para cada época há um ensinamento adequado. Na época atual, em que a grande característica é a miscigenação, a mistura das raças, das ideias, a dissolução da família e das estruturas tradicionais, seus ensinamentos e práticas são muito úteis. A fórmula básica do tantrismo é a possibilidade da libertação aliada a uma ação total, ou estado de absoluta auto-realização.

Ficamos então sabendo que, entre os principais textos tântricos budistas, 60% versam sobre mantras ou palavras de poder, 10% sobre Mandalas ou círculos mágicos, 10% sobre meditação, 5% sobre os ingredientes e o preparo para o ritual e 3% sobre amuletos. O restante refere-se a indicações astrológicas e diversas práticas sexuais que despertam nos seres humanos os poderes latentes adormecidos. Há uma seita de yogues tântricos chamados Vamacharis, que usam o sexo de maneira especial e também perfumes que estimulam o chacra raiz ou Muladhara, onde a energia do fogo serpentino de Kundalini jaz enroscada. Este centro sutil está em relação direta com o sentido do olfato, e certos aromas influem sobre ele com facilidade.

- Quais são estes aromas? - indagamos.

- Nos ritos da yoga Tantra usamos óleos essenciais, isto é, essências puras de almíscar, jasmim, magnólia, nardo, sândalo, patchuli e açafrão. A principal razão para o emprego destes perfumes e estimular o centro vital etérico ou chacra raiz. O fato de que os perfumes assim usados são afrodisíacos indica que a libido sexual e a energia feminina Shakti são uma só coisa.

A tarde já ia avançada quando o ermitão deu por encerrado o nosso encontro. Quando deixamos a ermida, já era quase noite. Durante o caminho de volta, Dr. Vessantára comentou:

- É estranho que o ermitão yogue não tenha falado sobre o tchod - a yoga tibetana na qual se invoca o demônio para destruir a individualidade.

- Certamente é porque não concorda com estas práticas bárbaras - retruquei.

- Na verdade, é um método muito perigoso praticado por muitos poucos yogues chamados os Irmãos das Sombras. Estas práticas demoníacas podem levar à loucura, por isso a maioria dos Mestres yogues preferem não falar sobre o tchod.


Visita aos Templos de Lhassa

A aventura desconhecida está diante de nós, no final do caminho tortuoso que sobe através do bosque e termina nos íngremes confins do Sudoeste de Lhassa. Ali, na luz clara da manhã, destacava-se como uma joia o famoso Templo de Charkpori - o Colégio de Medicina do Tibete. Sob a proteção dos Oito Budas Curandeiros, estudam e meditam aqueles que mais tarde serão os médicos do Tibete.

Conduzidos por Kazi, deixamos a Missão bem cedo ainda e saímos em direção ao Chakpori. Algum tempo depois atravessamos o pátio do templo, desmontamos, entregamos nossos cavalos a um monge-criado e tocamos o grande gongo de bronze, pendurado nas traves da porta de cedro toda esculturada.

Um lama alto e imponente veio ao nosso encontro, acompanhado por dois lindos cães, um galgo negro do Turquestão e um pastor enorme de origem europeia. O lama tem uma bela aparência, com sua longa túnica de seda azul de mangas tão amplas que ocultavam totalmente suas mãos. Tinha o rosto e a cabeça raspados, faces de pômulos salientes, olhos brilhantes, nariz fino e boca firme. Os cães começaram a rosnar ameaçadoramente, mas a uma ordem do lama logo se aquietaram. Kazi explicou a razão da nossa visita, e o lama que resultou ser o Mestre dos Acólitos mandou-nos entrar. Andamos por amplos corredores abertos dos lados, passamos por um pátio interno sombreado de velhas árvores, onde um grupo de meninos de várias idades brincavam animadamente. Vestiam-se como pequenos monges, com uma túnica de lã marrom com remendos coloridos, o traje típico dos noviços.

Eles nos olharam curiosos e continuaram a brincar.

- São os futuros médicos do Tibete - falou o lama que nos recebera. Continuamos andando em silêncio, até alcançarmos os santuários e capelas, cobertos de pinturas místicas. Em algumas das capelas vimos grupos de lamas rezando silenciosamente seus rosários de cento e oito contas.

Nas capelas, onde a claridade do dia é sempre escassa, mal podíamos ver as estátuas dos deuses nos altares, sobrecarregados de castiçais de ouro e prata, jarras com flores e oferendas de comidas para os deuses.

No Templo de Chakpori, além das celas, capelas e santuários, visitamos também as grandes salas de aula com seus longos bancos de madeira onde as crianças estudam, e as salas onde os monges estudam Medicina que lembram muito um necrotério ocidental, com suas paredes brancas, suas mesas de mármore, onde se vê um ou outro cadáver dissecado, cheiro ativo de ervas medicinais e exóticos instrumentos operatórios.

Há também salas dedicadas ao estudo da Acupuntura, as massagens curativas Tui-Na aplicadas na cabeça, testa, pescoço, coluna e costelas, com pressões fortes ou leves dos polegares em movimentos para cima, para baixo e para os lados. Essa técnica segue o curso dos meridianos ou canais que transmitem a energia eletromagnética chamada Ki através do corpo. A existência destes meridianos ou canais e sua relação com os pontos de pressão na massagem são conhecidas pela medicina oriental há milhares de anos. No Japão esta cura através de massagens é conhecida como Do In e foi adaptada do Tui-Na.

Soubemos que outrora os médicos orientais estudavam o sistema visceral de um modo muito curioso, que somente hoje, muitos milênios passados, é que foi descoberto o segredo. Em uma sala do Museu de Pequim há uma estatueta de madeira de sândalo de uns 60 centímetros de altura. Representa um pequeno Buda, magro, sereno e erecto, apoiado num pedestal em forma de lótus. Um empregado do Museu, ao tirar o pó dos objetos sob seus cuidados, deixou cair o Buda no chão. Na queda, abriu-se uma pequenina porta ignorada até então, oculta nas costas da estatueta pelas pregas da túnica. E assim foi descoberto no interior do Buda um completo sistema visceral, feito de tecidos preciosos e coloridos, cujos órgãos em miniatura eram perfeitamente imitados, na forma, nas cores e nas adequadas proporções. A curiosa estatueta de Buda ficou aos cuidados de uma junta médica chinesa que estudou atentamente as noções de anatomia que ele ensinava séculos atrás. Noções exatíssimas, que, se comparadas com as atuais (que tanto trabalho deram aos cientistas ocidentais durante a Idade Média e no Renascimento), são perfeitas. O mais interessante é que cada órgão encontrado dentro da antiga estatueta de madeira tem cuidadosas indicações que lhe definem o nome, as dimensões normais no ser humano, o peso e a localização. Este Buda do Museu de Pequim mereceu recentemente muitas referências na imprensa mundial, inclusive uma reportagem na revista francesa Paris-Match.

Consta que estatuetas como esta do Buda de Pequim, e também desenhos minuciosos de anatomia, eram usados pelos antigos médicos chineses, japoneses e tibetanos, para fazerem seus diagnósticos, pois os antigos costumes não permitiam que o paciente se despisse na frente do médico. Também a autópsia não era permitida pelas leis orientais.

Os médicos tibetanos ainda hoje usam muito a astro-diagnose, baseados nos estudos da Astrologia. Daí haver mestres astrólogos dando aulas no Colégio de Medicina do Tibete.

Soubemos que na anatomia zodiacal cada signo tem um ponto fraco por onde começam as doenças. E assim, num estudo comparativo aproximado dos signos orientais e ocidentais, os doze signos zodiacais regem os seguintes órgãos:

Rato ou Áries - rege a cabeça.
Búfalo ou Touro - rege a garganta e a glândula tireóide.
Tigre ou Gêmeos - rege braços, mãos, aparelho respiratório.
Lebre ou Câncer - rege o aparelho digestivo e o plexo solar.
Dragão ou Leão - rege o coração e a coluna vertebral.
Serpente ou Virgem - rege intestinos, baço e fígado.
Cavalo ou Libra - rege os rins, supra-renais e região lombar.
Ovelha ou Escorpião - rege os órgãos genitais e o aparelho excretor.
Macaco ou Sagitário - coxalgia, articulações dos quadris.
Galo ou Capricórnio - os joelhos e articulações do corpo.
Cão ou Aquário - tornozelos e circulação sanguínea.
Porco ou Peixes - pés, ossos e músculos, glândula pineal, fibras nervosas, circulação da extremidade do corpo, as glândulas lacrimais, o canal raquidiano e até certo ponto os órgãos da reprodução.

Saindo das salas de aula, nos detivemos longamente no grande terraço que circunda o Templo de Chakpori. Ali repousamos os olhos e mente contemplando a linda cidade de Lhassa, que ao longe se estende em direção ao Norte. O sol já ia se escondendo atrás das nuvens e era tempo de partir. Deixamos o terraço, percorremos de novo muitas salas, capelas e santuários, passamos pelo Altar dos Sacrifícios, onde se alinham as estátuas douradas em tamanho natural dos Oito Budas Curandeiros, agradecemos a hospitalidade dos lamas e voltamos à Lhassa.


Mais bonito que o Templo de Chakpori - a Montanha de Ferro - e quiçá mesmo que o palácio Potala é o famoso Drepung também chamado Drebung ou Templo do Montão de Arroz. Parece uma pirâmide branca cheia de templos com telhados dourados. A brancura do Montão de Arroz se destaca entre as montanhas azuladas que o circundam. É um dos mais poderosos e populares mosteiros de Lhassa. Está situado cerca de três milhares a Oeste da cidade e nele, segundo uns, vivem sete mil lamas e, segundo outros, dez mil, divididos em sete colégios autônomos, cada um regido por um Abade e um Tesoureiro. Estes quatorze homens regulam toda a comunidade, grande demais para ser dirigida por um só homem. Como todo templo tibetano, o Montão de Arroz vive das taxas pagas pelos camponeses que cultivam seus campos. Milhares de camponeses tibetanos contribuem para estas dependências feudais e para o sustento do trabalho espiritual dos lamas, de quem não se exige nenhum trabalho manual, a não ser preparar o típico chá amanteigado necessário para eles.

Nossa chegada não pareceu provocar nenhuma curiosidade em ninguém. Os grandes portões de ferro estavam abertos; entramos tranquilamente pelas vastas alas ajardinadas.

Nenhum dos Abades estava no Templo, apesar de terem sido avisados de nossa visita dias antes. Eventualmente encontramos um jovem noviço que pouco conhecia o templo. Meio amedrontado, ele foi nos acompanhando através das inúmeras salas e capelas. No meio de um parque, vimos um pequeno palácio de telhado recurvo que serve para hospedar o Dalai Lama e o Regente em sua visita anual. Nas paredes deste palácio, entre pinturas religiosas, vimos um poema escrito pelo VI Dalai Lama, que era um renomado poeta e chamava-se Tsan Yang Gyatso. O Lama Kazi nos traduziu o poema que anotamos, devido a sua delicada beleza:

Pássaro branco, empresta-me tuas asas!
Não irei muito longe, amigo...
Após contornar o lago Li Tang,
aqui mesmo, pertinho, logo hei
de voltar, pássaro branco!

Calai-vos, ruidosos papagaios!
No bosque dos salgueiros, o
pássaro Djolmo quer cantar e
saibam - o seu cântico é mágico!

Ah! sejam ou não terríveis os
deuses e demônios que me seguem,
quero que sejas minha, ó
doce maçã que tenho ante
os olhos!

Sem dúvida, não escapará ao leitor o velado tom pagão que parece conter os versos daquele antigo homem-deus do País das Neves. A poesia atua como drenagem para o inconsciente...

Em frente ao pequeno palácio, há um relicário em estilo indiano chamado stupa, que contém o corpo do Grande Lama Yon Tenu, que era mongol e possuía grandes poderes psíquicos. Os gênios tutelares deste monumento são astseru-ma ou Cinco Ninfas da Longa Vida, cujas estátuas de bronze guardam a entrada, ao lado de uma outra estátua representando o deus Hayagriva.

O interior do Templo do Montão de Arroz é majestoso, porém nada tem que o diferencie muito dos outros templos tibetanos que tínhamos visitado.

Soubemos que este Templo do Montão de Arroz é, porém, uma exceção na política tibetana. Ele é considerado a favor dos chineses e antiocidental. Daí o fato da maioria de seus lamas virem do Tibete Oriental, que está sob a ocupação chinesa. O desejo de conciliar a China e o Tibete é a razão desta atitude antiocidental.

Saindo do Templo do Montão de Arroz, montamos em nossos cavalos e fomos em direção ao Mosteiro de Sera ou Cerca da Rosa Silvestre, que fica a dois quilômetros ao norte de Lhassa. Ele fica no alto de uma colina chamada Ta Ti Jun, famosa por conter minas de prata e que rodeia todo o mosteiro.

Sera ou Cerca da Rosa Silvestre é quase tão colossal como o Templo do Montão de Arroz. É também um conjunto de templos e edifícios de pedra branca todo rodeado de muros bem altos, como se fosse uma fortaleza militar. Nesta silenciosa ermida, os lamas se retiram para se dedicarem inteiramente a seus estudos espirituais. Dizem uns que ele tem cinco mil lamas e outros que eles são sete mil, divididos em quatro colégios. Exceto por isto, a Cerca da Rosa Silvestre possui fontes de renda que duplicam os rendimentos de Templo do Montão de Arroz.

Poucas semanas antes de nossa chegada, o Mosteiro de Sera tinha sido envolvido numa conspiração política. Consta que opuseram resistência armada contra o exército tibetano. De acordo com as informações que tivemos, Sera se põe contra o governo do Dalai. Frequentemente, metem-se em lutas sanguinárias com os lamas do Mosteiro do Montão de Arroz, que é considerado seu rival.

- Isto é o começo do fim... - comentou tristemente nosso amigo, o lama Kazi. Chegou a época do crepúsculo dos lamas, afirmam nossas velhas tradições.

Ao passarmos por um dos portões principais de Sera, vimos milhares de lamas olhando-nos curiosamente e vigiados pelos gigantes doddobs, a polícia monástica que vive em todas as grandes lamasserias. Estes atléticos guardiães da lei andavam de um lado para outro contendo a fila dos lamas. Usavam togas vermelhas e mantos amarelos, que lhes caíam sobre os ombros atléticos.

No salão de recepção, fomos apresentados aos quatro Abades que regem o Mosteiro de Sera. Sentados numa espécie de plataforma forrada de almofadões de seda, os quatro velhos nos cumprimentaram amavelmente e disseram que podíamos visitar todo o templo. E assim, conduzidos por um noviço, fomos até a vasta biblioteca, onde alguns lamas liam atentamente. Depois, passamos por diversas celas e santuários. Num deles, vimos uma enorme estátua do deus Avalokita Eshvara, tendo onze cabeças e onze braços, cada um fazendo um gesto místico ou mudrá.

Dizem as escrituras santas do Oriente que estes gestos simbólicos ou mudrás servem de instrumento a determinados estados de consciência. São uma espécie de linguagem hermética ligada ao inconsciente coletivo e que produzem certos estados psíquicos especiais.

Quando deixamos o Templo da Cerca da Rosa Silvestre, um véu de névoa pareceu cobrir a imensa lamasseria. Logo os templos e colégios pertencentes a Sera foram desaparecendo aos poucos atrás das escuras montanhas.

No dia seguinte, fomos conhecer Nang-Yul - o Mosteiro Real de Lhassa, onde estudam todos os Dalais. Ele fica no alto da colina vermelha do Potala. Dizem que foi fundado no século VII, no início da conversão do rei Srong-Tsan Gampo ao budismo. Foi construído por ele a fim de abrigar a nova fé trazida da China por uma de suas esposas e as imagens budistas. Durante muitos séculos este templo colossal recebeu muitas reformas e, no século XVII, foi inteiramente restaurado.

A entrada principal do Mosteiro Real de Lhassa fica do lado este da colina vermelha. Diante dela há uma enorme bandeira de preces, que, segundo afirmou o lama Kazi, tem 130 metros de altura. É ornada na base com chifres de iaque - o boi peludo do Tibete. O telhado é alto e pontudo como de um minarete e todo recoberto de folhas de ouro, presenteadas ao Dalai pelo príncipe Ananmal, da Índia, em fins do século XII antes de Cristo.

No centro do vestíbulo, todo pavimentado de mármore, vimos uma pesada porta de madeira de sândalo, aberta. Através dela entramos numa ante-sala que dá para o primeiro andar. Na parede oposta à entrada, há uma outra porta, toda de bronze bem polido, que nos leva a um salão. Nos quatro cantos do salão vimos enormes estátuas de bronze representando os quatro guardiães do mundo. Mais além, vimos um salão sustentado por colunas esculturadas de dragões. Uma escada em caracol conduz ao santuário secreto ou Sanctum Sanctorum. Neste santuário, vimos pinturas místicas, muitas estátuas de deuses e um grande altar de jade branco. O santuário parecia irradiar uma luz dourada. No teto vimos a pintura de um maravilhoso anjo ou deva cor de violeta, segurando em suas mãos um grande escudo de Luz Dourada sobre o qual vimos uma cruz de Malta cravejada de pequeninas ametistas.

- Este Templo representa a sabedoria que no plano cósmico - falou o lama Kazi - é representada por uma Luz Dourada. O anjo ou deva pairando alto no teto do santuário é uma forma-pensamento, para que os discípulos atraiam mais rapidamente a sabedoria.

- Aqui - continuou ele - os lamas aprendem a estimular seus dons internos, a desenvolvê-los dominando o mundo inferior dos sentidos e permanecendo, para sempre, em sua Consciência Superior. No plano etérico, o raio cósmico da sabedoria da Luz Dourada é regido por Mestre Lanto, um Mestre Ascensionado ou Ser Cósmico que pertence à Grande Fraternidade Branca.

Por algum tempo, ficamos parados ali no santuário, rogando silenciosamente ao Anjo violeta e ao Mestre Lanto, que sua luz nos libertasse de nossa ignorância e limitações. Depois, silenciosamente, fomos saindo de costas, devagarzinho e deixamos o santuário.

Voltamos a descer a escada em caracol, atravessamos muitas capelas e salas que lembravam muito as que vimos no Templo do Buda Vivo, em Sikkim e finalmente saímos atravessando a ala das estátuas budistas e franqueamos a entrada principal, onde a enorme bandeira de preces tremulava ao vento da tarde.


O Crepúsculo dos Lamas

Nossos cavalos contornaram a colina vermelha onde fica o Mosteiro Real de Lhassa, e fomos descendo lentamente em direção ao portão Ocidental ou Pargo Kaling, que leva à cidade.

Pelas ruas de Lhassa, grupos de mendigos, imundos e esfarrapados, correram em nossa direção implorando esmolas. Quando eles se afastaram com as esmolas recebidas, nosso amigo, o lama Kazi, olhou-os tristemente.

E virando-se para nós, falou:

- Muitos destes mendigos são ricos e não precisam esmolar. Quando se cumprir a profecia do ano do Tigre de Ferro (1950), os comunistas chineses invadirão o Tibete e não haverá mais mendigos, todos terão que trabalhar...

- O Tibete vai ser realmente invadido? - indagou o Dr. Vessantára.

- Sim - respondeu o lama Kazi - tal como o foi em épocas muito remotas e depois em 1904, pelas tropas inglesas sob o comando do Coronel Younghusband. Os tibetanos opuseram a mesma resistência que breve oporão aos comunistas chineses. Isto acontecerá no próximo ano do Tigre de Ferro (1950). O invasor vencerá, pois assim dizem nossos oráculos mais antigos. Tudo será inútil da parte do nosso país, pois é chegado o tempo do crepúsculo dos lamas...

Soubemos então que na época da invasão inglesa no Tibete, o tenente coronel médico, Dr. Wadell, escreveu em seus apontamentos:

"É realmente surpreendente como os astrólogos tibetanos puderam prever, com grande antecedência, a tempestade que ora invade seu país. Entretanto, eu mesmo copiei estas palavras proféticas de um velho manuscrito tibetano datado do ano de 1850. Com extrema exatidão ele revela a hora, dia e ano em que isto sucederia."

Desde que o Lamaísmo invadiu o terreno político, alcançando o poder temporal do Tibete, os reis-lamas tornaram-se meros bonecos nas mãos do clero. Esta supremacia religiosa sobre milhões de fiéis da Ásia trouxe-lhe muito mais do que prestígio. Tornou-se uma fonte valiosa de rendimentos. Muitas contribuições de valor são enviadas da Índia, Mongólia, China e Birmânia para os cofres do palácio Potala. Após a morte do 13º Dalai, foi instalada no Potala uma seção especial do Ministério de Finanças do Tibete. Sua missão é recolher as oferendas religiosas de todo o vasto mundo lamaísta. Incalculáveis quantidades de ouro e prata, peles raras, pedras preciosas, sedas finíssimas, brocados de ouro e objetos de arte são guardadas nos cofres secretos do Potala. Consta que estes tesouros são usados como reserva, num caso de guerra inesperada. Mas, segundo nosso amigo, o lama Kazi, mesmo todo este tesouro será inútil para salvar o Tibete do seu Carma de destruição. O Tibete, com suas tradições medievais e a religião lamaica, desaparecerá da face da terra.

Todavia, suas ideias filosóficas fundamentais jamais morrerão.

Sua sutil influência irá um dia misturar-se com a força política dominante que virá com a Fênix Vermelha - ou comunistas chineses. O atual 14º Dalai ensinará seu povo a matar os invasores chineses, que em 1950 invadirão o Tibete. Entretanto, Gautama, o Buda, ensinava a não-violência. A verdade é eterna e nenhuma pressão material poderá destruí-la, pois ela está acima de tudo. A magia do misterioso encanto tibetano será desfeita. E é bem possível que diante do pânico e do terror que vai imperar no Teto do Mundo, que o povo tibetano volte a meditar nas palavras do testamento político do 13º Dalai, falecido em 1924. Este documento, conservado ainda hoje no palácio Potala e cuja cópia foi levada pelo Coronel Younghusband pala o Museu Britânico, diz o seguinte:

"No ano do Tigre de Ferro (1950), a religião e a administração secular do Tibete serão atacadas pelas forças da Fênix Vermelha. O 14º Dalai e o Panchen Lama serão vencidos pelos invasores. As terras e as propriedades dos mosteiros lamaístas serão divididas e distribuídas entre os invasores. Os nobres e as altas personalidades do Estado terão suas terras e seus bens confiscados e serão obrigados a servir às forças invasoras para não morrer...

Contudo, a grande luz espiritual que, há séculos, brilha sobre o Tibete, não se apagará. Ela aumentará, se difundirá e resplandecerá na América do Sul e, principalmente nas terras de O Fu Sang (1), onde será iniciado um novo ciclo de progresso com a nova sétima raça dourada".

Segundo nos informou o lama Kazi, o atual 14º Dalai - que não é a reencarnação do verdadeiro Dalai - para não ser aprisionado, fugirá para a Índia. O incrível caos que há séculos reinou na Ásia, voltará a reinar no País das Neves. Os lamas largarão os rosários e pegarão nas armas. Isto fez-nos lembrar que o destino do atual Dalai lembra o de Devadata - un dos discípulos de Sidarta Gautama, o Buda, e que era primo de sua esposa, a princesa Yasodhara.

Conta-se que, através das práticas da yoga, Devadata conseguiu desenvolver grandemente seus poderes psíquicos ou "siddhis". Certa vez um Marajá ofereceu uma rica taça de ouro ao homem que pudesse alcançá-la, sem subir no topo do bambu, onde estava pendurada.

Vieram muitos magos e faquires para tentar a prova. Em vão invocaram seus poderes ocultos. Sabendo do que se passava, Devadata - orgulhoso dos seus poderes - resolveu competir. Sentou-se no chão, perto do trono do Marajá e concentrou toda a sua força mental. E o povo assombrado viu Devadata ir se elevando aos poucos no ar. E assim, levitando, conseguiu obter a taça sem subir no bambu. Contente com sua façanha, Devadata foi procurar o Buda e narrou-lhe o ocorrido. O Sublime sorriu e respondeu mansamente:

- De que valem estes poderes, meu filho? Nada significam para teu progresso espiritual. São apenas demonstrações vãs...

Indignado, Devadata irritou-se com a resposta do Iluminado, e abandonou-o. Foi para a cidade e começou a pregar contra ele. Buda continuou sereno e deixou Devadata entregue ao seu próprio destino. Uma tarde, Devadata caminhava pela floresta junto com seus discípulos quando, de repente caiu dentro de areias movediças. Apesar de toda sua clarividência não tinha visto o perigo. Desesperado viu que ia afundando cada vez mais. Os discípulos correram para salvá-lo. Mas nada conseguiram. E Devadata morreu colhido pelas areias movediças...

Possivelmente, apesar de todo seu poder, o mesmo acontecerá com o 14º Dalai Lama. Breve terá que dizer adeus aos seus famosos títulos de Encarnação Viva do Deus Chen Re Zi, Regente Máximo do Teto ao Mundo, Precioso Protetor do Povo, Grande Buda Vivo, O Bem Amado Senhor, O Mais Recôndito Sábio e tantos outros nomes poéticos e imaginosos que não terão mais razão de ser...

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Nota:

(1) - Os tibetanos, chamam "O Fu Sang" ao Brasil, onde dizem que teve início a sua civilização, antes do Grande Dilúvio.


A Iniciação Final

- Diga-me Kazi, é verdade que aqui no Tibete existe uma espécie de conhecimento psíquico, que permanece secreto, desconhecido para o resto da humanidade?

Os olhos serenos do Lama fitaram-me atentamente. Estávamos sentados na grande biblioteca do Templo de Chakpori onde ele ingressara dias antes, para prosseguir seus estudos de medicina.

Faltavam poucos dias para deixarmos Lhassa, e naquela tarde, deixando meus companheiros entregues aos preparativos da longa viagem de volta, fui sozinha até o Templo de Chakpori despedir-me do velho Kazi.

No horizonte longínquo o sol morria atrás das montanhas nevadas. Era a quinta hora da tarde e em volta de nós tudo era silêncio. Um leve sorriso esboçou-se no rosto moreno do velho Kazi quando ele falou:

- Sim, é verdade. São conhecimentos secretos que ainda não podem ser revelados à humanidade. Esta sabedoria secreta não pode ser dada a todos, pois somente poucos a compreenderão...

Houve uma longa pausa. Em seguida, na sua voz clara e metálica o lama Kazi prosseguiu:

- Embora não possa revelar esta sabedoria secreta, vou transmitir-lhe alguns ensinamentos que me foram dados pelos Mestres Ascensionados que trabalham para a evolução da humanidade.

Cheia de emoção aguardei as palavras do lama. E ele continuou:

- A Idade de Ouro da Fraternidade Divina, que está por chegar, é predestinada a ser a Expressão Natural da Unidade, Harmonia e Cooperação amorosa, entre todos os seres em evolução que vivem na terra. Vou lhe repetir as sábias palavras do bem-amado Mestre El Morya.

"Estes ensinamentos referem-se a como devemos Invocar e mentalizar as Chamas Coloridas emanadas dos raios cósmicos. Estas chamas cósmicas têm uma poderosa força de vibração positiva quando ditas em voz alta. Todas as palavras destas invocações ou apelos são calculadas para produzir uma vibração exata alcançando os planos superiores onde vivem os Mestres da Fraternidade Branca do Oriente. Eles estão sempre dispostos a enviar sua proteção a todos os seres bem intencionados que queiram difundir seus ensinamentos no mundo físico. Os tempos são chegados para que possamos divulgar em linguagem clara algumas das principais realidades divinas.

O lama fez uma pausa. Inclinou a cabeça para a frente e, uma vez mais, senti-lhe o olhar, perscrutando-me o íntimo.

- Ouve - disse por fim, muito lenta e demoradamente - segundo nossas antigas tradições místicas, existem no plano etérico sete raios cósmicos que emitem sete chamas coloridas, cada uma de acordo com um Mestre, um Anjo ou Deva e uma cor especial. A mais importante de todas para a humanidade atual é a bem-amada Chama Violeta. Esta Chama Violeta é uma corrente de energia capacitada e adequada para captar e dissolver energias imperfeitas, de modo que elas possam, novamente, ser carregadas com a perfeição. Esta Chama Violeta é ainda uma contínua força operante de amor, misericórdia e compaixão que afasta causas criadas pelos seres humanos e cuja expansão traria as piores desgraças. Quando a humanidade chegar a esta compreensão e, conscientemente fizer uso desta Chama Violeta, ela não mais terá que sofrer, sempre e sempre, pelas causas passadas de antigos Carmas que geram infortúnios.

Até há pouco tempo esta Chama Violeta só era conhecida nos Santuários, nos Templos Etéricos de Luz dos Mestres Ascensionados. Como o tempo é curto e determinadas coisas deverão ser concluídas, estes conhecimentos foram trazidos ao mundo externo onde todos poderão adquirir, usar e viver a liberdade.

No ano do Cavalo de Madeira (1954) começará a Era da liberdade para Terra! Estamos atravessando agora, uma época bastante especial na história do nosso planeta onde deve e vai reinar eternamente, a Liberdade. Quer dizer: a energia que envolve a humanidade e a atmosfera - que está carregada de impurezas, discórdias e maldades - será transformada pela divina Chama Violeta; quando isto for conseguido, o homem será, novamente, LIVRE. Poderá receber instruções diretamente de sua Presença Divina EU SOU e das Ascensionadas Legiões de Luz. Portanto, todos receberão a liberdade, não somente os humanos, mas também o reino dos elementais, as criaturas quadrúpedes e tudo o que vive, passarão a existir como era no princípio dos tempos, a Vontade de Deus se manifestará em amor, paz, harmonia e liberdade.

O Grande Mestre Ascensionado SAINT GERMAIN é o Ser que dirige os dois mil anos já iniciados desta Era de Liberdade. Ele já viveu outrora no Oriente com outros nomes, e agora sua gigantesca missão é libertar todos os viventes, como também a Terra, e isto será realizado por meio da Chama Violeta. Separadamente e em grupos, as pessoas apelam desejando dissolver toda criação inferior que obscurecer a luz dos homens.

Se apelamos para nossa Presença Divina "EU SOU" e ao Mestre Ascensionado Saint Germain para chamejar a Chama Violeta através de nós, ele começará a afastar todas as criações negativas, em nossos corpos do sentimento, do pensamento, etérico e físico; iremos constatar uma acentuada leveza e expansão em nossos sentimentos, uma notável clareza em nossos sentidos e mudanças sutis em nosso corpo físico. Alguns discípulos veem esta Chama Violeta quando apelam por auxílio; outros, a sentem. Mas mesmo quando não a vemos ela está agindo sobre nós. Parece ser invisível, mas chegamos a ver as coisas mais importantes da vida? Não são visíveis aos nossos olhos a vida a eletricidade, o amor, o ódio e a paz. No entanto são bem reais os seus efeitos...

O uso diário da divina Chama Violeta pode afastar muita coisa que está acontecendo em nosso mundo. Mas, talvez deva ser esclarecido que, quando empregamos sinceramente a Chama Violeta e "acontecem" pequenos efeitos - isto não quer dizer que a Chama Violeta não faça a obra completa; significa que as nossas criações humanas vêm à luz antes que as tenhamos dissolvido!

O Emprego da palavra EU SOU em todos os apelos das Chamas Cósmicas é muito importante. Ela é a chave da vida, das vibrações divinas e da energia que produz a perfeição, individual, nacional ou internacional. Pelo emprego desta frase "BEM-AMADA PRESENÇA DIVINA EU SOU EM MIM", todos nossos problemas podem ser consumidos pela Chama Violeta. Estas palavras seguidas dos apelos devem ser pronunciadas em voz alta, firme, para que o poder vibratório do som criador se manifeste no plano físico. Os Mestres, os Anjos, Elohims ou Filhos de Deus, Devas e Arcanjos nada podem fazer por nós se não os chamarmos em voz alta, pois eles não têm a palavra, o verbo que vibra e que faz vibrar a matéria em torno dos seres e das coisas que eles querem purificar, com as Chamas Cósmicas.

Estes apelos às Chamas Cósmicas não são como uma prece comum, pela qual pedimos uma graça a um determinado santo, sem estabelecer maior vibração com os planos superiores.

A oração comum é um conjunto de palavras, criando uma forma mental que atrai o santo invocado.

Os apelos às Chamas Cósmicas e aos Mestres Ascensionados que as dirigem, ajudam a desdobrar a consciência, erguendo-a, a planos etéricos mais sutis, onde as vibrações são diferentes e que podem nos dar rosas ou espinhos, poderes ou perigos...

É preciso que você compreenda que há muita diferença entre retirarmos nossa consciência do plano físico e atuarmos num nível mental superior, ou ficarmos passivamente orando, com a mente ligada ao plano físico, esperando ajuda dos santos. A ciência oculta exige de seus adeptos muito mais do que a prece comum. O caminho do ocultismo é estreito "como o fio de uma navalha", mas o verdadeiro iniciado conhece o caminho do fio da navalha, e pode percorrê-lo sem nenhum perigo...

Existem sete raios cósmicos que emanam da Divindade Suprema. Para cada dia da semana, existem um Ehohim ou Filho de Deus, um Arcanjo e um Chohan ou Mestre que se dedicam ao serviço de irradiação da luz de um dos Sete Raios Cósmicos, aquela Luz que, também, forma o corpo causal de cada pessoa.

Domingo - Primeiro Raio

Chama Azul-rei com raios brancos cristalinos. Suas Virtudes são a Fé, Força, Poder, Proteção, Vontade Divina.

Este primeiro raio azul é regido pelo bem-amado Mestre EI Morya, pelo Arcanjo Miguel, Elohim Hércules e seu complemento divino Amazon.

Todos os juízes, governantes e reis estão em harmonia com este raio azul do poder e da vontade de Deus.

Segunda-feira: Segundo Raio, Amarelo-Dourado.

Suas virtudes são a Sabedoria e Iluminação. Este segundo raio cósmico é regido pelo Mestre Ascensionado Kuthumi e pelo Mestre Lanto, pelo Arcanjo Jofiel e pelo bem-amado Elohim Cassiopeia. Todos aqueles que se dedicam ao estudo da ciência, os professores, instrutores têm em seus corpos astrais uma larga faixa dourada correspondente a este raio.

Terça-feira - Terceiro Raio. Chama Rosa.

Suas virtudes são o Puro Amor Divino, Reverência e Adoração, Beleza e Tolerância.

Este raio ou chama rosa é regido pelo bem-amacio Mestre Paulo, o Veneziano, pela Mestra Rowena, Arcanjos Samuel e Cáritas, Elohins Órion e Angélica. Este raio ou chama cósmica rege todos aqueles que amam a delicadeza e a beleza. Quando invocamos esta chama e a mentalizamos ou imaginamos que a estamos vendo em volta de alguém, esta pessoa sempre se beneficiará e ficará mais harmoniosa e feliz.

Quarta-feira - Quarto Raio. Chama Branco-cristal.

Suas virtudes são a Pureza, Artes, Ressurreição e Ascensão.

Este quarto raio branco é regido pelo Mestre Ascensionado Serapis Bey, que em épocas remotíssimas, antes das primeiras dinastias faraônicas, foi rei do Egito e chamou-se Saofis. Junto com ele trabalham os grandes Elohins Claire e Astreia, e o Arcanjo Gabriel. Esta Chama Branco-cristal tem o poder de ascensionar qualquer situação em que nos encontramos, ascensionando toda limitação e levando-a à perfeição.

Quando em seu mundo apresentarem-se situações difíceis, quando sua alma estiver deprimida, quando surgir um abatimento ou desânimo profundo, quando apresentarem-se situações financeiras em declínio, faça um apelo à Fraternidade de Luxor regida pelo Mestre Serapis Bey. Peça que ele lhe envie a Chama Branca da Ascensão, fazendo ascensionar toda força de expansão e alegria, retornando tudo à bem-aventurança e harmonia. A Chama Branca da Ascensão é um antídoto maravilhoso contra a depressão, seja individual ou coletiva.

Quinta-feira - Quinto Raio.

Chama Verde com raios dourados. Suas virtudes são as da Cura, verdade, dedicação e concentração. Ela é regida pelo bem-amado Mestre Hilarion, ajudado pelo Arcanjo Rafael e seu complemento divino Mãe Maria, e pelo Grande Elohim Vista ou Ciclope o Olho Divino que tudo vê.

A este raio verde como a folha da alface, pertencem todos os médicos, enfermeiras e irmãs de caridade que se dedicam à cua.

Sexta-feira - Sexto Raio. Chama Rubi com Dourado.

Suas virtudes são a Paz, Devoção, Misericórdia e também Curas.

Este sexto raio cósmico é regido pelo bem-amado Mestre Ascensionado Jesus Cristo - que segundo provam nossos livros santos - também foi iniciado nos templos tibetanos.

Juntamente com o meigo Jesus trabalham neste raio a mestra Nada, o Arcanjo Uriel e o Elohim Tranquilitas. Todos os monges e monjas católicos ou não, pertencem a este sexto raio da devoção crística.

Sábado - Sétimo Raio

Chama Violeta. Suas virtudes são o Amor, Misericórdia, Compaixão, Transmutação e Liberdade. Esta divina Chama Violeta tem o dom de queimar o nosso Carma desta e de outras vidas, purificando nosso corpo físico e nossos corpos inferiores. Ademais, tem também o dom da cura.

O Sétimo Raio Cósmico é regido pelo bem-amado Mestre Saint Germain, que numa de suas numerosas encarnações anteriores foi S. José, o doce carpinteiro pai de Jesus. Juntamente com ele trabalham no sétimo raio cósmico o Arcanjo Ezequiel e o Elohim Arcturos.

Quanto mais utilizarmos os apelos e as mentalizações das Chamas Cósmicas, mais elas nos protegerão e elevarão espiritualmente.

Agora, vou ensiná-la a fazer o apelo do Manto de luz Branca, ou tubo de luz eletrônica. Repita comigo em voz alta:

Ó Tu, Presença Infinita do Cosmos em meu coração!

Projeta em volta de mim um longo tubo branco de luz eletrônica. Torna-o tão possante que nenhum malefício possa tocá-lo.

Faz com que eu seja invulnerável a tudo o que não é teu poder, a tudo o que não é teu amor, tua sabedoria.

Graças vos dou, Presença Infinita do Cosmos, pois atendestes à minha invocação!

Imagine um longo tubo de luz branca em volta do seu corpo, a um metro e meio de distância.

- Obedeci. Como estava acostumada a constantes mentalizações, consegui ver diante de mim o tubo de luz eletrônica. Mais tarde soube que mesmo que eu não pudesse ver o tubo de luz, bastaria que eu o imaginasse, facilitando assim a mentalização para quem não está habituado.

Prossigamos - falou o Lama Kazi, percebendo que a minha visão espiritual estava aberta. Nós, lamas tibetanos, conhecemos muitas palavras especiais para invocarmos a Presença Divina. Entre estas encontra-se a palavra sagrada "EU SOU", que significa a atividade plena do Pai Celestial. EU SOU tem um grande poder vibratório e por isso foi usada pelo Mestre Jesus quando disse: EU SOU o caminho, a verdade e a vida...

Agora, repete e aprende esta segunda invocação:

Ó Tu, Presença do Pai Celestial
em meu coração!
Ó Sanat Kumara, ergue um poderoso
tubo de Chamas Azuis em volta do
meu tubo de luz branca.
Que ele seja uma proteção
contra todos os malefícios.
Conserva-o eternamente em volta
de todas as criaturas até que a
humanidade inteira encontre
a libertação pela ascensão espiritual!
Eu te agradeço Pai Celestial.
EU SOU EU SOU EU SOU
EU SOU EU SOU EU SOU
Eu sou o EU SOU.

Após uma breve pausa o lama Kazi continuou falando:

Em volta do tubo de luz eletrônica branca, imagine agora que vem pousar um espesso tubo de chamas azuis, que aumentam o poder do tubo branco.

Com os olhos fechados mentalizei o tubo de chamas azuis e logo senti sua doce vibração passar pelo meu corpo físico e meus corpos inferiores.

- Continuemos - disse Kazi - E com cálido timbre fez outro apelo:

Ó Tu Presença Infinita do Pai
Celestial que estás no meu coração!
Ó Marte, nosso planeta irmão, ó Mestres
Excelsos do espaço, conjugai vossos poderes
para nos proteger, para dispor em volta de nós,
um tubo invencível de luz azul. Faz com que subam
estas luzes cintilantes até a oitava dos
Mestres Ascensionados e dos Grandes Seres
da Hierarquia Divina.
Que estas luzes santas brilhem deslumbrantemente
e que destruam as influências maléficas
que tentarem nos atacar!
EU SOU EU SOU EU SOU.
Eu vos agradeço, Marte, meu irmão e
todos os bem-amados Mestres invisíveis!

Agora, imagine que em volta do seu tubo de luz azul, há um tubo de chamas rosadas. Estas chamas sobem bem alto e vão ter à presença dos Mestres da Fraternidade Branca do Oriente.

Em silêncio, obedeci a todas as sugestões do lama Kazi. Quando sua voz voltou a soar era como se tivesse um timbre celestial.

Invocaremos agora a divina Chama Violeta, que conforme já lhe disse, tem o poder de consumir nosso Carma. Esta Chama Violeta deve ser mentalizada sobre nossos amigos e parentes, e bem como sobre nossos inimigos, pois ela os envolve, protege e purifica. Podemos ainda enviar ondas de Chamas Violetas para beneficiar os rios, os lagos, os mares, vales e montanhas, bosques e matas, casas e jardins. Podemos ainda envolver com a Chama Violeta todos os animais e em especial nossos animais de estimação, que assim sobem na escala da evolução. A Chama Violeta purifica tudo em que toca, liberta também os pequenos seres elementais da quarta dimensão: gnomos, fadas, duendes, sílfides, salamandras e ondinas...

Novamente o lama Kazi reatou o fio dos seus apelos:

Chama Violeta do Grande Sol Central!
Chama Violeta do Grande Sol Central!
Chama Violeta do Grande Sol Central!
Desce em meu coração
desce em minha alma
desce sobre o meu corpo físico e espiritual,
desce sobre toda a natureza.
Desce sobre toda a humanidade,
Desce, desce, desce.
Defende-me, defende-me, defende-me!
Toma posse de todo o meu ser!
EU SOU EU SOU EU SOU
EU SOU EU SOU EU SOU
Pai Celestial, eu sou EU SOU!

Agora, imagine que está envolta por um pilar de Chama Violeta, que brota do chão e vai até sua cabeça. Sinta que ela consome todos os seus erros desta e de outras vidas, todos os maus pensamentos, tudo o que é impuro...

Mantive minha atenção calma e concentrada na divina Chama Violeta. Imaginei que ela subia pelos meus pés, e envolvia todo o meu corpo, dando a impressão de um leve calor, muito suave e agradável.

Com grande fervor repeti com Kazi um outro apelo:

Bem-amada Presença Divina EU SOU em mim,
Bem-amado Arcanjo Ezequiel, Bem-Amado
Elohim Arcturos e Vós, Bem-Amadas Divindades que
manejais o Fogo Violeta para a Terra!
Eu vos amo, eu vos abençoo!
Agradeço por vossa assistência a mim e
a toda humanidade. Em nome da Bem-Amada
Presença Divina EU SOU em mim e de toda
a humanidade e através da força magnética
do Fogo Sagrado, com o qual estou investido,
apelo por Vós como sacerdote da Ordem de Ezequiel:
Bem-Amados Anjos da Chama Violeta, Bem-Amados
Anjos da Chama Violeta, Bem-Amados
Anjos da Chama Violeta, vinde, vinde, vinde
e flamejai o fogo violeta do amor pela
liberdade, através da minha aura, de meu
mundo dos sentimentos e pensamentos, através
do meu corpo físico, através do meu lar, meus
negócios, minhas finanças e interesses.
Fazei isto para toda vida deste planeta, até
que sejam dissolvidos e transmutados as causas
e os germens da criação humana, na Pureza e
Perfeição. A Terra em verdade é uma
Estrela Sagrada e Livre!
Eu vos agradeço por terdes atendido às
súplicas de meu coração. O Fogo Violeta
do Amor pela Liberdade nunca falha em
trazer a Pureza e a Perfeição.
Eu Sou a Chama Violeta!

Por algum tempo ficamos ali parados, com os olhos fechados, sentindo a vibração das chamas cósmicas.

Afinal, ouvi o lama Kazi dizer calmamente:

- Vou lhe falar agora sobre a lei da Precipitação ou Criação, treinando suas ondas cerebrais para pensar na terceira dimensão e atuar na quarta. Estes ensinamentos foram revelados pelo bem-amado Maha Chohan, o Mestre Ascensionado Paulo, o Veneziano, um dos mais importantes membros da Fraternidade Branca do Oriente.

"A luz eletrônica que preenche o Universo, contém o núcleo central da chama azul branca cristalina, pertencente ao primeiro raio cósmico. Ela está no coração dos seres humanos formando a divina Chama Trina: azul, dourada e rosa. Esta Chama trina pode multiplicar-se a si mesma, sem limite, e produzir novos pontos de consciência em qualquer parte do mundo.

Eis aqui os quatro passos necessários para criar o átomo permanente do seu desejo no plano físico, desde que seja um desejo altruísta e bom. Caso contrário a luz eletrônica da chama trina não se manifestará e o desejo não é realizado.

O primeiro passo é o seguinte: Encontre uma posição confortável e relaxe seu corpo completamente.

Agora, faça um quadro mental daquilo que deseja realizar. Sinta que do seu coração brota um lindo raio rosa, que representa o poder coesivo do amor.

Imagine que o seu quadro mental está emoldurado por uma linda luz dourada cintilante. Do alto da sua cabeça brota este raio dourado, que é o quadro mental da Luz Divina, criador do plano divino em uma matriz, um molde.

Sinta que da sua garganta brota um raio azul que dá força ao seu desejo, durabilidade e habilidade para manter-se inalterável à desintegração do mundo exterior.

Agora estes raios, rosa, dourado e azul convergem para dentro de você mesma, realizando assim o seu desejo no nível mental exterior.

Os elétrons, quando fluem da Presença Divina EU SOU para o coração físico, contêm dentro de si o Fogo Criador. Cada Elétron pode tornar-se o núcleo de qualquer forma que a pessoa queira trazer à realidade. Assim este elétron pode tornar-se o núcleo de qualquer forma, a semente de uma ideia espiritual.

Através desta mentalização o elétron que entra no coração e se torna parte da emanação de vida de uma inteligência autoconsciente pode projetar-se na Substância Eletrônica e, em torno de uma minúscula partícula do Fogo da Criação, congregar parte desta substância Universal.

Toda criação é Trina daí termos que usar as três chamas ou três raios coloridos que descem para o coração, e sobe através da garganta e cabeça.

A Luz Eletrônica desce para o nosso coração que é a taça que recebe a luz, e então de acordo com o plano divino, os elétrons sobem novamente, atravessando a garganta até a cabeça. Isto faz funcionar mais ativamente os chakcras ou centros vitais da garganta e do alto da cabeça.

Fazendo esta mentalização diariamente várias vezes por dia, você conseguirá realizar seus objetivos no plano físico.

E agora, com profundo amor e reverência, ao nosso Bem-Amado Mestre Maha Choham vou repetir-lhe ainda outro ensinamento de Mestre El Morya, sobre a Transmissão das Chamas, para expandir, aqui na Terra, as potentes energias irradiadas dos Santuários dos Mestres Ascensionados. Graças ao seu conselho e sua orientação, este ensinamento pode ser divulgado na Terra.

Imagine que no centro do seu coração existem três chamas coloridas em forma de três grandes pétalas. Uma é azul, outra é dourada e outra é rosa. Estas três Chamas coloridas formam a Chama Trina que vive no coração de cada ser humano. Ela é a força purificadora do amor divino e da libertadora Chama Violeta. Pois a Chama Trina desdobra-se em sete. Esta Chama Trina de nossos corações tem o poder de sublimar as energias inferiores.

Agora, fique em pé, com a coluna reta e os braços caídos naturalmente ao longo do corpo.

Respire fundo e silenciosamente pelas duas narinas.

Imagine que está absorvendo todas as impurezas do seu corpo físico e de seus quatro corpos inferiores.

Retenha a respiração o mais que puder.

Durante a retenção imagine que está purificando estas impurezas nas Chamas azul, dourada e rosa que vivem dentro do seu coração.

Exale a energia já purificada e convide-a a voltar ao seu corpo já transformada.

Retenha a respiração fora do seu corpo e envie esta energia purificada a toda a humanidade.

Assim cada exalação purificada da sua respiração vai beneficiar toda a humanidade. Este último tempo da respiração pertence ao Serviço Cósmico dos Mestres Ascensionados. Chama-se respiração projetada para abençoar o mundo.

Este exercício respiratório da Transmissão das Chamas deverá ser feito todos os dias, pela manhã ao acordar.

É uma respiração dividida em quatro tempos. A inalação lhe parecerá relativamente fácil. A retenção também é simples enquanto envia seu pensamento com as energias impuras, à Chama Trina do seu coração. Na exalação, você deve prestar toda atenção quando exala a energia purificada e a convida a voltar ao seu corpo. No momento da respiração projetada você deve sustentá-la e enviá-la pura e perfeita ao mundo em geral. Portanto, pense nestas quatro fases: inalar, reter, exalar, reter. É imprescindível que tenha sobrado bastante para poder abençoar o mundo.

O último ritmo, ou respiração projetada, pertence ao uso, ou Serviço Cósmico dos Mestres Ascensionados.

Com a continuação do exercício sua respiração ficará cada vez mais forte, e poderá, sem esforço, projetá-la tranquilamente para trazer a bênção a você e ao seu próximo. Isto é um maravilhoso processo que a fará progredir espiritualmente e lhe trará equilíbrio e paz. Se várias vezes ao dia e também à noite, antes de dormir, você quiser dedicar alguns momentos a esses exercícios, você sentirá uma considerável mudança em sua vida.

Após uma breve pausa o lama Kazi continuou:

Segundo uma mensagem do bem-amado Mestre El Morya, "nossa vida ainda contém muitos apontamentos negativos de outras encarnações que poderão ser totalmente sublimados, esquecidos e apagados se usarmos intensamente e concentradamente a purificadora Chama Violeta. Nesta mensagem o Mestre apresenta um valioso exercício de mentalização que com a devida vênia passo a revelar:

Em sua visualização imagine que está segurando com a mão direita, um archote em cuja ponta flameja uma grande Chama Violeta. Em pensamento plante este archote fundo e firme no chão. Avive com sua respiração o poder de atividade da Chama até tornar-se uma gigantesca fogueira, maior do que você mesma. Agora, penetre dentro d'este fogo violeta. Sinta em você o vivente efeito como se estivesse dentro de uma fonte de calor, porém suave e brando; penetrando em você com suas irradiações benéficas e libertadoras. Elas purificam seu corpo físico e seus corpos inferiores, dissolvem todas as trevas e máculas desagradáveis; todo desejo negativo; são, também, dissolvidos todos os pensamentos perturbadores e obstinados, mágoas e ressentimentos.

Você pode erigir e manter permanentemente em seu lar um Foco de Irradiação semelhante. E sempre que desejar, poderá penetrar diretamente no Fogo Violeta e até mesmo, apenas imaginando que assim é.

Se esta experiência for aceita positivamente pelos discípulos, então, serão dados em sequência, outros exercícios para que a força e o poder da visualização sejam incentivados.

Repita comigo o Apelo à Tocha da Chama Violeta:

Em nome da Bem-Amada Presença Divina EU SOU, apelo por vós, Bem-Amado Mestre Saint Germain: neste momento eu visualizo uma Tocha de Chama Violeta (levante a mão direita como se tivesse segurando uma tocha) esta é a Tocha que purifica a todos e a tudo...

Agora eu deposito esta Tocha de Chama Violeta aqui no solo (fazer o gesto). Avivo com minha respiração o poder da atividade da Chama expandindo-se, expandindo-se, abrangendo, purificando e curando a tudo e a todos...

Entro agora no centro desta Chama Violeta (dê um passo como se entrasse realmente) e sinto esta Chama penetrando-me completamente e purificando todos os meus corpos inferiores (físico, etérico, emocional e mental) célula por célula, átomo por átomo...

Sinto também esta Chama Violeta transmutando todos os meus Carmas de vidas passadas e presente, curando-me de toda doença ou deficiência, renovando-me completamente, tornando-me assim, uma nova criatura em Cristo...

Agora eu retomo esta Tocha de Chama Violeta (faça o gesto) e em nome de Saint Germain eu a lanço ao Universo (faça o gesto) para que sejam purificados todos os Carmas de vidas passadas e presente da humanidade em geral e sejam curadas todas as suas doenças e deficiências, de modo que em todo lugar e em toda a parte, haja perfeição, paz, sabedoria, santidade, amor, sanidade e pureza.

E assim será!
Eu vos agradeço".

Terminado o apelo, o lama Kazi sorriu, mandou que eu sentasse num almofadão perto dele e falou:

- Esta foi a fase final da tua iniciação. Agora, teu corpo é um canal da Divindade. Lembra-te sempre disto e procura conservá-lo livre, para não impedires a manifestação do Pai dentro do santuário do teu próprio ser.

Já fiz descer sobre ti os fluxos cósmicos abençoadores. Assim como me iniciaram eu te iniciei. Mas não penses que atingistes o Mestrado nem que aqui termina tua iniciação. Diante de ti está o mundo e ele será teu grande mestre. Sei que mais tarde, depois que voltares ao Ocidente, sucumbirás a muitas atrações mundanas... talvez esqueças alguns dos ensinamentos que te foram dados aqui. .. para além do tempo vejo que sofrerás muitas calúnias ... traições ... sentirás muita solidão... envelhecerás sozinha... e então, depois de muito sofrer cumprirás tua missão espiritual. Não te aflijas, porque tuas quedas são necessárias para que possas sentir a dor do erro e a doçura do triunfo... Ficarás tão só que te sentirás perdida no meio da multidão. Poucos amigos ficarão contigo... mas tua grande salvação será a Chama Violeta... somente ela te libertará quando chegar a hora das grandes mágoas...

Baixei os olhos comovida, enquanto o lama prosseguia:

- Agora vou ensinar-te uma invocação de proteção pessoal que também serve para toda pessoa que o fizer sinceramente. Trata-se do autopasse magnético de purificação com a Chama Violeta. Levante-se e estenda as mãos abertas para o alto como se estivesse recebendo bênçãos.

Agora repita em voz alta:

Bem-Amada Presença Divina Eu Sou em mim, Bem-Amado Mestre Ascensionado Saint Germain, purificai, purificai, purificai estas mãos com a transformadora Chama Violeta!

(Passe as mãos da cabeça aos pés e sacuda-as enquanto diz:) Retirai do meu corpo toda substância impura e escura e pegajosa e transformai-a com a Chama Violeta!

(Passe as mãos pelo lado esquerdo, depois pelo lado direito, sempre sacudindo os dedos e as mãos para expelir a energia negativa.)

Repita as palavras e os movimentos sete vezes e termine dizendo em voz alta:

Bem-amada Presença Divina Eu Sou em mim, bem-amado Mestre Saint Germain, purificai, purificai, purificai esta energia e transformai-a em paz, saúde, alegria, prosperidade e sabedoria para mim e para toda humanidade!

Terminado o passe magnético da Chama Violeta, senti um grande bem-estar. Voltamos a nos sentar sobre os almofadões e o lama Kazi explicou:

- Com este passe magnético podemos limpar completamente nosso corpo das más vibrações. Um vidente poderá ver sair de nosso corpo uma substância escura e pegajosa que estava aderida em nossa aura. Praticando este passe diariamente, ficaremos com nossos corpos espiritualmente limpos.

Houve um breve silêncio. Um vento suave entrou pela janela e agitou as longas mangas da túnica amarela do lama.

- Pequenina irmã, divulga estes ensinamentos nos teus escritos. Mentalizei tua vinda aqui hoje, para que a sós, eu pudesse transmitir esta iniciação final.

- Honorável lama - disse eu - por favor fale um pouco mais sobre meu futuro no Ocidente!

- Pouco é o que posso revelar... para além do tempo meus pobres olhos veem algumas alegrias e muitos sofrimentos... reencontrarás aquele a quem amaste em outras vidas... viajarão juntos por terras estrangeiras... mas após vinte anos o perderás... serás mãe de cinco filhos homens, mas todos com Carma muito curto... Terás uma linda mansão oriental, junto a um lago dos lótus brancos além das Montanhas do Poente... e a perderás... viverás algum tempo em terras altas e frias no teu país, numa outra mansão feita com lágrimas... serás caluniada e traída por quase todos os amigos... só te restará a Chama Violeta... depois... um dia... irás viver sozinha, longe do lugar onde nascestes... numa pequena cidade perto do mar, numa casinha branca e simples rodeada de flores... trabalharás, escreverás muitos livros, sofrerás e aprenderás a ser humilde... então... quando tiveres cerca de sessenta e cinco anos, é possível que voltes ao Grande Além e reencontres a paz ...

E erguendo a mão direita, o lama Kazi abençoou-me dando por encerrado nosso encontro.


Última Visão da Cidade Proibida

Deixamos Lhassa no quinto dia da primeira Lua das Faias Amarelas. Foi nas primeiras horas da manhã que saímos da rua Dekyi Lingka, cruzamos o mercado, as lojas do quarteirão de Sho e afinal chegamos às margens do rio Xyi. Deixávamos a cidade sagrada de Lhassa talvez para sempre, iniciando nossa longa viagem de volta ao mundo ocidental.

Levamos pouco tempo para alcançar o lugar do embarque. Dali em diante íamos atravessar cerca de sessenta milhas através do rio, até chegar à junção de suas águas com o famoso rio Tsang Po.

Senti uma certa nostalgia quando a grande barca quadrada começou a mover-se, ao ritmo da canção bizarra dos remadores. A cidade dos deuses foi ficando distante. O enorme palácio Potala e a bela colina de Chakpori, com seu imponente Colégio de Medicina os templos da Cerca da Rosa Silvestre e do Montão de Arroz, logo diminuíram de tamanho. Talvez do alto de alguma janela do Templo de Chakpori, meu amigo e mestre, o lama Kazi, me acenasse um adeus...

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Muita coisa ocorreu no Oriente e no mundo desde o dia em que deixamos pela última vez o País das Neves. Cumpre dizer que escrevi este livro há quase trinta anos atrás (esta edição é de 1978 - NR), logo após minha chegada ao Brasil. Os originais ficaram guardados, adormecidos na gaveta de minha mesa de trabalho, confundidos com a minha papelada. Creio que me faltava estímulo para publicá-lo, pois sabia que naquela época o livro causaria um impacto na mente dos leitores, que faziam do Tibete uma visão de maravilha, quando a realidade é bem outra...

Hoje, resolvi trazer a público esta nova edição, acrescida de muitos ensinamentos que antes não podiam ser divulgados. Daquela época distante em que estive no Tibete, que evoco a cada momento, não posso deixar de assinalar o fatal cumprimento de profecia do 13º Dalai Lama que morreu em 1924, cujas palavras transcrevo nesta obra. Como é do conhecimento geral, em maio de 1950, o Tibete foi invadido pelas tropas chinesas. O atual rei lama, o 14º Dalai, fugiu para Tzepur - última estação antes dos Himalaias - fronteira da Índia com o Tibete. Voltou de novo à sua pátria, para anos depois fugir outra vez para a Índia, em 1959, onde permanece até hoje. Esta fuga ocasionou uma forte altercação entre o Governo indiano e o Governo chinês, fato que culminou com um ataque das tropas chinesas à Índia em 1962, chegando depois os dois países a um acordo de paz.

De Paris, nosso amigo Pierre Julien Lafoil envia uma reportagem sobre o último Dalai Lama, que refugiado há dezoito anos no nordeste da Índia, ainda é o chefe espiritual de oitenta e cinco mil tibetanos que o acompanharam no exílio. E nesta reportagem ele diz:

- Eu sou o último Dalai Lama!

Protegido pela polícia, por guarda-costas e pelo exército indiano, o Dalai Lama, sabe que suas esperanças de ganhar a batalha pela volta ao Tibete, são remotas. O rei-deus, atualmente com quarenta e um anos, diz que será o último da sua espécie, e que a era dos reis-deuses terminará com ele...

O cenário onde ele vive parece saído de um conto de fadas: acolchoados de nuvens flutuam no céu de um azul pálido maravilhoso. No ponto de encontro entre o céu azul e a terra, enormes montanhas nevadas brilham na luz branca e dourada do entardecer. Da colina poeirenta que atravessamos, sobem ocasionalmente algumas vozes e latidos de cães, são os Lhassa-apso - os cães sagrados do Dalai...

Fora isto, tudo é silêncio. Perante nossos olhos erguem-se colinas verdejantes, por trás das quais se elevam gigantescas montanhas de gelo cristalino. Numa destas colinas fica a casa do Dalai Lama, tão inacessível, aparentemente, como um ninho de águia. Mas o castelo deste conto de fadas é uma verdadeira armadilha. A estrada na montanha é íngreme e tortuosa, e conduz à casa de telhado verde, e termina num beco sem saída. A estrada é tão estreita que um único soldado armado pode bloqueá-la completamente.

Há nos arredores muita gente armada. Por toda parte, soldados, soldados e mais soldados. A estrada atravessa dezoito quilômetros de território militar. Depois, vem um vilarejo, onde a polícia secreta se sente perfeitamente em casa.

O nome do vilarejo é Dharamsala, o que, na linguagem budista, significa uma casa que pode ser utilizada por qualquer peregrino - uma casa-asilo - para os mais pobres dos fiéis. Em Dharamsala vive um homem que os budistas consideram o ser mais crente de todos os crentes, o Dalai Lama, o rei-deus dos tibetanos. Ele e dez mil de seus adeptos fugiram em 1959 do exército de ocupação da China comunista, indo para a Índia. Há duas versões. Segundo uma dessas versões, os anfitriões indianos teriam trazido o Dalai Lama para aquele vilarejo isolado no Nordeste do país para protegê-lo da eventual vingança dos agentes chineses. Mas, de acordo com a outra, os indianos teriam enviado seu hóspede eminente àquele lugar afastado para que sua presença não atrapalhasse as negociações de paz entre a Índia e a China comunista.

O Dalai Lama não governa mais o Teto do Mundo, mas vive praticamente enclausurado naquela floresta de ares puríssimos. E não pode sair de lá, a não ser quando o protocolo o permite. O protocolo é o governo da Índia, que cuida do Dalai. A Índia não reconhece o governo no exílio do Dalai Lama, como aliás não o reconhece nenhum país do mundo ...

Mas o governo indiano se sente responsável por ele, paga-lhe uma diária de cerca de 20 rúpias (uns 40 cruzeiros) e põe à sua disposição os soldados e a polícia secreta que guardam sua residência chamada "Barco da Fé", vinte e quatro horas por dia.

É a única casa que não tem número. Os tibetanos compraram-na de um rico comerciante indiano, com toda a preciosa mobília antiga. Ela comporta dependências para empregados e um templo anexo às celas de um mosteiro. A casa sozinha é um verdadeiro povoado, e em tibetano é chamada "Thekchen Choeling" - o Barco da Fé. A julgar pela quantidade de soldados deve ser um verdadeiro barco de guerra também...

Um soldado indiano, magro e moreno, usando um turbante amarelo, é o primeiro a nos barrar o caminho. Três guarda-costas do Dalai se aproximam. Na casa de guarda estão sentados três agentes da polícia secreta indiana. Somos obrigados a preencher questionários, explicando o sentido e o objetivo de nossa visita ao Dalai. O questionário deve ser preenchido em três vias. Depois disso, os guarda-costas nos acompanham até a sala de audiências. De longe, e muito discretamente, somos seguidos por agentes indianos à paisana, os quais, por sua vez, são seguidos por tibetanos disfarçados à sombra de árvores, que exalam um perfume intenso.

E então, de repente, há paz e silêncio. Ao fundo, homens de cabeça descoberta e túnicas amarelas passam silenciosamente. Uma lareira de ferro está acesa no centro da sala de audiências. Dharamsala está situada a 1.800 metros de altitude.

São exatamente 10 horas da manhã. Na sala de conferências à nossa direita, outra lareira de ferro acesa. Há quatro homens esperando, com seus uniformes surrados de algodão azul-cinza. Estão sentados num sofá acolchoado cheio de almofadões.

O ministério do governo do Tibete no exílio está em sessão. Entre os Ministros da segurança, religião, finanças, economia e educação está sentada Sua Santidade o Dalai, chefe espiritual e ao mesmo tempo primeiro Ministro.

Com sua túnica cor de vinho sem mangas, sua estola de seda amarela sobre o ombro direito, seu relógio de pulso suíço, o décimo quarto Dalai Lama é o único ponto colorido nesta conferência de personalidades grisalhas.

O pulso apoiado na testa, o braço direito mostrando as marcas de varíola, ele é a própria imagem do "O Pensador", de Rodin. Nenhum gesto, nenhum sussurro. Os ministros fazem exposições sobre o déficit do orçamento, os trabalhos de reparação necessários, as perspectivas de penúria na Colônia de Mysor, no sul da Índia. Eles falam em tibetano, e Tenzin Geyche, o secretário particular do Dalai, dá algumas breves explicações sobre o que está acontecendo na reunião. A julgar pelos semblantes fechados dos ministros eles parecem estar tratando do bem-estar universal. Nada indica que eles não representam os seis milhões de tibetanos, quando na realidade eles só governam seus oitenta e cinco mil súditos que fugiram para a Índia. São homens do antigo regime. Ocasionalmente, o Dalai surpreende quando toma a palavra. Ele levanta a cabeça e fala num tom suave, mas intenso, como se estivesse cantando uma canção, e vai sublinhando as palavras com seu indicador direito e algumas vezes explode em gostosa gargalhada.

Os ministros tomam a liberdade de sorrir. Antigamente, em Lhassa, capital do estado feudal do Tibete, eles não ousariam nem mesmo levantar os olhos para o Dalai. Somente os membros das três mais altas, das sete classes nobres, tinham permissão de se dirigir ao rei-deus no trono do Leão, e, naturalmente, somente quando eram especialmente convidados. Dezoito anos no exílio não podem extirpar uma tradição que, durante quatrocentos anos, foi fortalecida pela fé e pela lei. Este homem, que parece ser humano, é na realidade, segundo a crença tibetana, a encarnação do deus Avalokiteshvara - o deus da Bondade e da Misericórdia. Mesmo os ministros às vezes se prostram aos seus pés.

É possível que tudo isto represente para o Dalai um grande peso.

Quando ele tinha uns 14 ou 15 anos, e já era considerado como rei-deus, tomou plena consciência da realidade do mundo moderno ao inaugurar a luz elétrica e a força na cidade medieval de Lhassa. Por esta ocasião, ele pôde assistir a alguns filmes ocidentais, coisa absolutamente inédita no Tibete, e notou então o quanto seu regime era ultrapassado. Atualmente, ele retira delicadamente os pés do alcance de todos os crentes que fazem menção de querer beijá-los, e ajuda rapidamente o fiel a se levantar.

Os políticos tibetanos da velha guarda veem com maus olhos esta mudança no protocolo. Eles continuam apegados aos velhos costumes e estão dispostos a fazer por eles os maiores sacrifícios. Os salários dos que servem ao governo tibetano no exílio são tão baixos que os próprios ministros são às vezes obrigados a vender algum tesouro de família que conseguiram levar consigo, para poder fechar o balanço do fim do mês.

O Dalai parece cansado da tripla função que tem de exercer, como deus, sumo-sacerdote e primeiro ministro. Durante sua última aparição pública, no festival de "Kalachakra" (Roda do Temmpo) na provínc:a de Ladakh, no Himalaia indiano, ele provocou um choque nos vinte e cinco mil peregrinos ao insinuar que talvez não pudesse mais permanecer muito tempo entre eles. Os assessores logo espalharam que, com aquela frase, Sua Santidade não quisera se referir à morte, mas apenas a um regime de enclausuramento ainda mais severo. Mas a declaração chocou. Uma coisa é certa: o Dalai ainda continua cumprindo sua tripla função, mas com muitas restrições. E, assim mesmo, somente porque seu povo quer que ele continue a exercê-la e porque o destino do Tibete e o da minoria sem lar que ele governa o exigem. Quando ele diz que será o último Dalai Lama, tem perfeitamente consciência do que está afirmando. Ele sabe que aquela situação não pode continuar e que seu povo deve ir se acostumando, aos poucos, à transição.

O Dalai nasceu no Tibete, numa atmosfera inteiramente medieval, e conseguiu, por seu próprio esforço, adaptar-se à realidade do mundo atual. Os observadores acreditam piamente que mais cedo ou mais tarde ele voltará ao Tibete. Ele representa, na realidade, para o país, a imagem do pai responsável, em quem todos podem ter confiança, e só ele pode reunificar esse povo profundamente dividido.

Quando o décimo terceiro Dalai morreu, dizem que sua cabeça se inclinou subitamente em direção ao Leste. Isto foi considerado como um primeiro sinal das mudanças radicais. Mais tarde nasceu um cogumelo numa das pilastras do palácio Potala e começou a crescer inclinado para o Leste. Um monge teve a visão de uma casa refletida num lago, de onde, em princípio, deveria sair a reencarnação do novo Dalai. Esta casa foi encontrada e também o menino de cinco anos que subiu ao Trono do Leão do Tibete em fevereiro de 1940 - o Ano do Dragão de Ferro -, como o décimo quarto Dalai.

Mas... segundo a profecia do próprio 13º Dalai, ele seria o último rei do Tibete e o 14º Dalai seria um falso rei...

Contudo, o Ocidente recebeu o 14º Dalai como um filho perdido, por ocasião de sua fuga para a Índia. O mundo moderno vive de publicidade. O atual Dalai - falso ou não - também tem de fazer a própria publicidade em favor do seu povo. Com este objetivo, ele procura se mostrar e revelar o lado desconhecido da intimidade do rei-deus. É unicamente assim que se pode explicar o fato de ter consentido que uma equipe de jornalistas europeus e americanos o tenha acompanhado durante vários dias na intimidade de seu palácio-templo, mesmo nos aposentos privados que ninguém antes pudera visitar. O Dalai, sentado com as pernas cruzadas, em seu escritório, alimentando seus pássaros de estimação, repousando em seu leito simples e austero, protegido por uma rede de algodão e plástico. Ou com sua mãe e seu irmão, que é tenente pára-quedista do exército indiano. O Dalai lançando repelentes contra insetos e tomando ovomaltine para restaurar as forças, rezando de chinelos, brincando com relógios antigos ou tomando suas refeições.

Ele trata com carinho as criaturas e as flores. Quando um fotógrafo queria caminhar indiscriminadamente pelo jardim, ele exclamou delicadamente: Por favor, não pise aí. É um canteiro de flores e eu acabei de semear tulipas.

Numa jaula há um coelho branco.

- Foi minha irmã quem me deu. Prefiro outros animais como gatos, porque são limpos e meio selvagens - diz o rei-deus.

Quando um fotógrafo pede para fotografar a palma de suas mãos, o Dalai fica nervoso: "Para que? Você quer mostrar as linhas de minhas mãos a alguém, para saber quanto tempo tenho ainda de vida?"

E fechou as mãos num gesto decidido.

Com o passar do tempo, sua desconfiança foi aumentando.

Quando era mais novo dizem que ele confiou um dia cerca de um milhão de cruzeiros a um homem de negócios indiano para "um investimento seguro". O homem desapareceu para sempre. O Dalai tem de financiar seu governo no exílio, e está à beira da falência. Sua decepção é muito grande. "Apesar de tudo - diz ele -, temos que aguentar firmes. Estamos investindo na Índia o que conseguimos trazer. Esperamos poder recuperar tudo isto para voltarmos à pátria. O tempo não tem importância."

O Dalai Lama mantém um relacionamento especial com o fator tempo. Quando dispõe de uma pequena folga, seu divertimento preferido é consertar relógios. Para isso possui um jogo completo de ferramentas especializadas. Quando tenta colocar uma lente de aumento no mostrador de um relógio, fica rindo de prazer, como uma criança.

A isto ficou reduzido o rei-deus do Tibete. Onde estão os seus tão propalados poderes supranormais? Onde sua grande sabedoria?"

Sem dúvida, tudo acabou. Hoje, obedecendo ao ciclo da evolução espiritual podemos dizer sem medo de errar, "é do Ocidente que virá a luz!".

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