Preservar a Identidade na Unidade
Sarah McKechnie

A globalização, uma palavra que escutamos amiúde nestes dias, não existia nos dicionários sequer faz uns poucos anos; teve que ser criada no intuito de descobrir as tremendas mudanças que estamos experimentando ao aproximar-se o final de século. Nos mercados bancário e financeiro, na cultura, nas comunicações e no meio ambiente, observamos uma crescente tendência para o amalgamento e a fusão. O notável experimento chamado União Europeia está demandando a combinação de interesses nacionais numa Europa mais unificada. Compreensivelmente, muita gente se pergunta para onde está nos conduzindo a globalização, e quais serão as suas consequências. Alguns temem o crescimento de um tipo de homogeneização que corroerá muitas das diferenças e gradações de diversidade que proveram a vida humana de uma textura tão rica.

A globalização diz respeito essencialmente aos níveis externos dos acontecimentos mundiais. Não obstante, se a humanidade responder sabiamente a tal fenômeno, despertará para a percepção da unidade que subjaz em toda a vida. A raça humana deve desenvolver o sentido de universalidade.

Parece que a globalização, de algum modo, está ocorrendo antes que este sentido de universalidade esteja suficientemente ancorado na consciência humana. Faz 35 anos, o presidente americano Lyndon Johnson nos advertiu sobre isto, dizendo: “Desejamos que o mundo não se contraia a uma vizinhança antes de tornar-se uma irmandade”. O sentido de universalidade depende da pronta resposta do ser humano individual, um reconhecimento manifestado ao longo de toda a literatura de Alice Bailey, a fundadora de Lucis Trust e da Escola Arcana. Seus escritos são uma continuação da apresentação da Sabedoria Antiga, um ensinamento espiritual que tem estado ao alcance da humanidade através das idades. Num de seus primeiros livros, Um Tratado sobre o Fogo Cósmico, Alice Bailey alude ao impacto que exerce o sentido da totalidade sobre a consciência, o que resulta alarmante, como também profundamente reconfortante. Quase predizendo o iminente fenômeno da globalização, escreve: “...apesar de estarmos submergidos no todo, não perdemos nossa identidade, mas permanecemos sempre como unidades separadas de consciência, ainda que somos uno com tudo o que vive ou é.” Esta promessa é o tema de nossa dissertação de hoje.

A Sabedoria Antiga ensina que existe um Plano, que a evolução não se desenvolve meramente por acidente ou casualidade, mas sob o esboço de um Plano concebido pela mente de Deus e reconhecido pelas mentes humanas que são receptivas à sua impressão. Diz que o Plano para este particular ciclo da história humana tem três objetivos: elevar o nível da consciência humana, aclarar a situação internacional através do estabelecimento de retas relações entre as nações do mundo, e promover o crescimento da ideia de grupo.

Já podemos contemplar o desenvolvimento deste Plano na expansão da consciência revelada pela crescente disponibilidade da educação de massa, e do reconhecimento, cada dia mais amplo, de culturas e experiências de indivíduos cujas vidas são muito diferentes das nossas. Podemos apreciar a elucidação da situação internacional na nascente receptividade coletiva das nações para a solução de problemas através da mediação de agências multinacionais, tais como as Nações Unidas e suas diversas afiliações regionais. E também podemos ver o crescimento da idéia de grupo em formas tanto positivas como negativas: na crescente influência exercida pelas organizações não governamentais em muitos aspectos dos assuntos humanos, e na notória tendência dos seres humanos, nesta era de globalização, para circunscrever sua filiação grupal a um círculo cada vez mais estreito. De alguma maneira, às vezes, parece que a reação da humanidade ante a globalização é o desenvolvimento de uma consciência tribal – uma visão cada vez mais estreita do que constitui o próprio grupo, sua própria identidade e filiação.

A exigência de liberdade, um elemento tão definitório do pensamento e aspiração humanos, é um passo necessário na evolução. Entretanto, quando está erroneamente orientada, a busca da liberdade pode manifestar-se em desejo de se independer do todo e em ênfase sobre a diferença – sobre a própria distinção, desejos e necessidades – dos demais. Isso conduz a um potencial para o que é, segundo se diz, o único verdadeiro mal: a separatividade. “O mal é, depois de tudo, apenas um estimulador do sentido de diferença, que conduz inevitavelmente à ação separatista” se diz nos escritos de Alice Bailey.

Este século foi testemunha do grande mal perpetrado a favor da causa da separatividade. Muitos anos atrás, na semana de festa do Novo Grupo de Servidores do Mundo, em 1977, Robert Muller, ex-Assistente do Secretário Geral de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, foi nosso orador convidado. Falando do impacto da guerra sobre a sua família na Alsace Lorraine, ele fez um comentário que nunca me esqueci: “Quanto a mim, tendo vivido uma horrível guerra e incerteza da paz, depois de ter visto a minha própria família dividida entre duas nações, decidi há longo tempo atrás que as únicas realidades que realmente me importam são o planeta Terra, a humanidade, minha família e minha própria vida. Todos os demais grupos se encontram em constante mudança... São estas as realidades permanentes.”

Uma visão ainda mais insinuante do lugar do ser humano sobre nosso planeta é oferecida nos escritos de Alice Bailey. Falando das necessidades da infância, afirma que são duas as coisas que se devem inculcar nas crianças de cada nação: “O valor do indivíduo e a realidade da Humanidade Una.” É a justaposição da integridade inerente de cada vida humana, e o fato de que cada vida é um fragmento da única família humana, o que pode elevar a criança acima da consciência coletiva ou inconsciência do rebanho, conduzindo-a para o reconhecimento de que ela é uma parcela – vital e muito necessária – da humanidade inteira. A maior parte das pessoas não recebe esta instrução na sua infância; convertem-se em adultos com a crença de que sua identidade enraíza-se em filiações alheias à integridade da própria alma e ao fato mesmo de pertencer à Humanidade Una. Seu sentido de filiação e identidade assenta seus fundamentos sobre uma base ainda mais débil e estreita: a nacionalidade ou religião, a raça ou cultura.

Vaclav Havel, presidente da República Checa, disse que tais padrões de identidade refletem uma tendência particular dos seres humanos, que, sob um estado de incerteza, “buscam um falso sentido de certeza submergindo-se numa multidão, numa comunidade, e defendendo-se a si mesmos em contraste e contra outras comunidades”. Este é um atributo da natureza humana que é curioso: a necessidade de definir-se a si mesmo, a própria identidade, por um grupo maior e separado. Pensei longa e arduamente sobre isto – talvez vocês também o farão – mas não pude chegar a nenhuma explicação, exceto a que parece indicar a tendência humana a separar-se e permanecer afastado da totalidade com o objetivo de sentir-se vivo e importante. Trata-se de uma predisposição que encontramos não só em indivíduos, mas também em grupos e também em nações. O conflito na ex-Iugoslávia é um excelente exemplo da necessidade de afirmar a identidade através da separação e seu inevitável fomento da superioridade e inferioridade de acordo com a própria filiação grupal, como também a relação do próprio grupo com os demais. Quando isto acontece com grupos maiores, o racismo e o nacionalismo são os resultados desta tendência.

O período em que vivemos é um tempo de incertezas. Curiosamente, o fenômeno da globalização parece ser a causa da manifesta tendência para o aparecimento de lealdades quase tribais. Um número de observadores iluminados, incluindo a Comissão para o Governo Global, encabeçada por Ingmar Carlsson e Shridath Ramphal, estão assinalando os aspectos tanto positivos como negativos da globalização. Os cambiantes modelos econômicos, os meios de comunicação, e especialmente a rede mundial e os desenvolvimentos tecnológicos, estão redefinindo as antigas relações que uma vez delimitaram e organizaram o mundo. As fronteiras nacionais são mais permeáveis em termos de tráfico de drogas, contaminação ambiental e lavagem de dinheiro. Como indica um recente informativo do Programa para o Desenvolvimento da ONU, “a globalização não implica convergência. A onda de globalização das últimas décadas é somente o começo. O mundo globalmente integrado requererá um governo mais firme, se é que há de preservar as vantagens da competição comercial mundial, e redirecionar suas forças em apoio do progresso humano.”

Sem o necessário controle a globalização pode criar, e criará, desequilíbrios na distribuição, não só de dinheiro e recursos, mas de informação e cultura. Isso redundará numa maior vulnerabilidade de algumas pessoas, algumas sociedades, particularmente as mais pobres, para uma maré de mudanças nas quais não terão voz nem voto. Mahatma Gandhi, citado em tal informe, expôs isto muito bem: “Não quero minha casa fortificada, nem minhas janelas fechadas. Quero que as culturas de todas as terras circulem por minha residência o mais livremente possível. Mas resisto a qualquer um que tente barrar o meu progresso”.

Creio que muita gente, não somente nas sociedades mais vulneráveis, mas também nas nações desenvolvidas, ao observar as mudanças que acontecem no mundo, pressentem tal perigo. Não sabemos realmente para onde nos conduzem, mas é claro que a humanidade determinará coletivamente o seu destino. Cada um de nós pode ter nossa parte na determinação do tipo de mundo que desejamos que nossos filhos herdem. Mas fazê-lo requer o que Vaclav Havel denominou “uma sociedade civil”. O crescimento da democracia na década passada significou uma poderosa mudança, mas, como alguém já disse, a democracia é somente a melhor de uma série má de escolhas. A democracia outorga a cada cidadão voz e voto, mas a menos que a cidadania esteja verdadeiramente informada e educada nas questões em jogo, só expressará um tipo de consciência de rebanho. A sociedade civil a que o Sr. Havel se referia é aquela na qual toda pessoa se sinta estimulada a atuar como cidadão na melhor acepção da palavra. Creio que por trás deste reconhecimento de cidadania jaz algo profundamente espiritual. É o reconhecimento da responsabilidade para e pelo todo maior. Para alguns isso significa seu grupo, tal como o entendem. Para outros envolve responsabilidade para sua comunidade e nação. Para aqueles que são verdadeiramente inclusivos em sua visão, significa uma responsabilidade planetária para a totalidade, na maneira em que alguém vive a própria vida e desenvolve o seu trabalho, na expressão da escolha e gosto pessoais, e na qualidade do próprio pensamento e aspiração. Por todos estes meios, cada um de nós contribui para o todo, ou se separa dele.

Aqueles que são mais conscientes disto têm maior responsabilidade. Para grande número de habitantes da Terra, a vida é demasiado difícil, circunscrevendo-se em nada mais que a mera subsistência. Não obstante, aqueles que têm tempo para pensar e creem na fraternidade mundial, na liberdade da alma humana, nos direitos do indivíduo e nas retas relações humanas, têm a responsabilidade de atuar em concordância com o que sabem. Vemos aqui um dos maiores benefícios dos meios de comunicação: já não podemos dizer que não fomos informados disto. Não podemos dizer, ante o dilema mundial, que “não sabíamos”. De algum modo os meios estão simples e definitivamente atuando, assim como o faz um gato ao se lançar sobre uma presa morta aos nossos pés. Somente realiza a sua tarefa, tal como ele a entende. Nós, ao contrário, devemos decidir como responder – não emocionalmente, mas com compaixão e sentido de responsabilidade pessoal para o nosso pequeno recanto do mundo. Os cidadãos de uma sociedade civil devem responder, não enterrar suas cabeças.

A razão pela qual o Plano de Deus, que promove a evolução de toda vida sobre a Terra, demanda responsabilidade individual, não podendo ser forçado o seu cumprimento, está em estreita relação com o tema desta jornada: Preservar a identidade na unidade. A unidade humana sem a consciência do indivíduo seria somente a expressão de um rebanho. De alguma maneira, o Plano depende do consentimento deliberado do indivíduo autoconsciente, a comprometer-se livremente a submergir sua identidade no todo, não perdendo, entretanto, aquela identidade. Este é um estágio que não tem nada da separatividade da personalidade, mas só um preponderante reconhecimento consciente da divindade interna em cada estrato de manifestação, até os níveis celulares. O Plano de Evolução progride através da expansão da consciência, até incorporar mais amplas e inclusivas esferas do ser; ainda assim, nunca renuncia à identidade.

Isto nos traz de volta à afirmação no Tratado sobre o Fogo Cósmico, anteriormente citada. Permitam-me repeti-la com mais detalhe: “Cada um de nós, durante o processo de evolução, forma parte de um dos Homens Celestiais, que por sua vez formam os sete centros nesse Homem Celestial maior, o Logos. Entretanto, apesar de estarmos submergidos no todo, não perdemos nossa identidade, mas permanecemos sempre como unidades separadas de consciência, ainda que somos uno com tudo que vive ou é.” A separação, a diferença, a qualidade de ser únicos, são abandonadas na medida que a evolução avança, mas a identidade sempre permanece, “ainda que una com tudo que vive e é”.

Ao refletir sobre este conceito tão profundo, parece-me, encontramos os meios – talvez somente os meios – de entrarmos no futuro e no crescente inter-relacionado “mundo globalizante” sem nos ver “destituídos” das nossas próprias bases espirituais. Ainda assim, ao olhar ao nosso redor, parece claro que muita gente não compartilha esta visão das coisas. Elas veem o seu lugar no mundo como algo que deve ser protegido, preservado e defendido do ataque de forças de fora.

Por isso, provavelmente, se diz que “o mal é apenas um estimulador do sentido de diferença, que conduz inevitavelmente à ação separatista.” A única maneira de combater o mal da separatividade é trabalhar pela unidade – uma unidade baseada na identificação com o todo e no amor pela Humanidade Una. Este, segundo parece, é o objetivo que as pessoas de boa vontade devem manter firme ante os olhos da raça humana como uma meta alcançável, razoável e indispensável.

Como trabalhar para tal união num mundo de incrível diversidade e conflito nos níveis externos? Talvez o começo possa estar na compreensão da diversidade como algo não só inevitável, mas como parte do Plano de Deus. Em nenhuma instância da Sabedoria Antiga se intercede pela abolição das diferenças em cultura ou tradições. É-nos dito, sim, que tais diferenças devem estar subordinadas ao bem maior da totalidade. Na realidade, a diferenciação externa, propriamente dita, não faz mais que afirmar a síntese subjetiva: este é um reconhecimento que hoje emerge na humanidade e que conduzirá a uma mudança muito vasta na maneira em que vemos as diferenças na cultura, na história, na linguagem, na tradição, e noutras, percebendo-as como enriquecimentos do todo, mais do que como declarações de separação e isolamento.

Por cima de tais apreciações sobre diferenciações externas, precisamos identificar o que constitui nosso terreno comum. Não faz muito tempo, ao tomar o metrô, passaram por mim dois operários que estavam trabalhando no túnel. Eram de diferentes raças e um deles fez um comentário sobre a grande diversidade de gente que diariamente circula por aquele lugar: “Brancos, negros, amarelos, brancos, negros, amarelos”, disse, evidenciando certa agudeza em seu humor, como se somente pudesse ver diferenças na pessoa, as quais lhe produziam certo incômodo. Mas o outro trabalhador se limitou a rir, dizendo: “sim, e todos eles necessitam de amor”. Eis aqui um aspecto básico de nossa humanidade comum: todos necessitamos amar e ser amados.

Quê mais? Alice Bailey escreveu: “duas qualidades matizam o ideal da civilização vindoura... a liberdade e segurança espiritual”. A liberdade expressada como direitos humanos é hoje um poderoso incentivo para muitos habitantes do mundo e representa um profundo reconhecimento espiritual: que o ser humano possui direitos inerentes simplesmente por virtude de sua humanidade. O que é interessante é o debate, hoje em processo, sobre o que constitui os direitos humanos, e tal discussão ainda não terminou.

A segurança espiritual, penso, está na tomada de consciência da síntese ou sentido de totalidade subjacente na estrutura do nosso planeta. Todas as parcelas, todos os reinos, estão inter-relacionados, e não estamos dando conta da delicadeza do equilíbrio da vida, assim como da facilidade que ressalta conseguir tal equilíbrio com a crescente homogeneidade do mercado e do meio ambiente. Não obstante, a unidade subjacente afirma uma ordem que pode, e será, restituída com a ajuda humana. Por quê a raça humana desempenha um rol tão crucial na evolução do nosso planeta parece ter que ver com o fator da mente. É na mente, no seu estrato mais inferior e analítico, onde se localiza o princípio da separatividade. E também é na mente, na sua mais elevada aplicação, que a unificação – a unidade – é possível. Quando nos enfocamos sobre a forma – a aparência – empregamos a mente para discriminar, analisar, separar, distinguir, escolher ou rechaçar. E tal capacidade pode alimentar “a grande heresia da separatividade”. Mas a mente também pode ser uma ponte para a intuição – para a tomada de consciência da universalidade, na qual desaparece todo separatismo. A intuição “é aquele Amor Universal cuja natureza é a da identificação com todos os seres”, escreveu Alice Bailey. A intuição revela o centro de luz inerente a toda forma, mas sem nenhum sentido de separatividade – somente o engrandecimento do todo.

Podemos imaginar estes conceitos influenciando a consciência da humanidade em geral? Creio que é nossa obrigação, já que os tempos assim requerem, e penso – oxalá todos concordem comigo nisto – que a humanidade está pronta para isso. Este foi o século mais sangrento de toda a história humana, nos dizem os historiadores. Fomos testemunhas de horrores perpetrados por seres humanos contra outros, e ainda existentes em abundância nesta era das oportunidades de educação em rápida expansão, as viagens e comunicações globais, e o estabelecimento das Nações Unidas para promover um foro no qual as nações do mundo tratem coletivamente seus problemas e necessidades. Por quê isto não é suficiente?

Outro fator relevante é o nacionalismo. Estamos todos impregnados dele; provavelmente fomos educados nele desde nossos anos mais remotos, sendo agora difícil pensar além ou livres das formas mentais de nossas particulares herança e cultura nacionais, mas devemos fazer o esforço. As nações podem ser separatistas em seu enfoque e ideais, mas no que concerne aos seres humanos, as nações têm uma natureza dual: uma personalidade ou aparência que apresentam e representam perante o mundo, e uma alma. Diz-se que “no coração de cada nação reside latente a alma mística”. Como no caso dos indivíduos, as nações também podem ser antissociais, orientarem-se egoisticamente para seus próprios fins materialistas, ou podem contribuir para a unidade internacional. Muito depende da qualidade de seus líderes, mas se é verdade, como se afirma, que temos geralmente o governo que merecemos, a responsabilidade traslada-se então para a qualidade dos cidadãos. O crescente impulso para a democratização está criando uma grande obrigação para a humanidade, já que implica que os indivíduos devem informar-se e refletir detidamente sobre cada questão com clareza, altruísmo e preocupação pelo bem-estar comum. A maioria das pessoas o concebe como um desafio, embora dentro da esfera de sua própria sociedade. Pensemos agora o que significará quando a humanidade e as nações puderem pensar em termos de nossa própria vizinhança global.

Outro obstáculo proeminente é o tremendo desequilíbrio econômico no mundo e o sofrimento que ele causa. Quando começava a organizar meus pensamentos para esta carta, o Programa para o Desenvolvimento da ONU deu a conhecer o seu “informe do Desenvolvimento Humano” para 1999. Durante os dez anos passados, este Programa fez uma análise da condição dos habitantes do mundo, país por país, baseando sua avaliação na expectativa de vida de cada nação, as taxas de alfabetização de adultos, e o produto interno bruto. É este um informe impressionante, já que dá testemunho do que o cérebro global é capaz de rastrear e advertir sobre as condições mundiais, aguçando a percepção sobre o estado dos habitantes do mundo. O que evidencia tal informe, sem embargo, é alarmante. Em somente dez anos, que transcorreram desde que começou esta pesquisa, a brecha entre as receitas da quinta parte mais rica e os da quinta parte mais pobre dos habitantes do globo, cresceu de 60 pra 1 para 74 pra 1. Comparando com anos anteriores, em 1960 esta brecha de divisão entre ricos e pobres era de 30 pra 1, e em 1820, de 3 pra 1. Nos quatro anos que culminaram em 1998, as 200 pessoas mais ricas do mundo duplicaram para mais o seu valor líquido. E os ativos das três pessoas mais ricas sobre a Terra excederam a soma do produto interno bruto de todas as nações menos desenvolvidas em conjunto, as quais têm uma população total de 600 milhões de pessoas.

Cifras como estas nos são úteis, creio, já que nos ajudam a enfocar a nossa atenção sobre a magnitude do problema mundial. Mas os fatos por si sós não são suficientes. O desequilíbrio superlativo na distribuição material do mundo é só um sintoma de um problema que é, em sua raiz, espiritual. Como nutrir a capacidade para nos interessarmos, interessarmos profundamente, pelas pessoas cujas vidas resultam imensamente diferentes – nos níveis externos – das nossas, mas cuja humanidade essencial é exatamente a mesma? Uma maneira de fazê-lo é desenvolvendo a apreciação pela diversidade de culturas e civilizações nacionais no quanto elas contribuem para o bem da totalidade. Se pudéssemos substituir o bem de uma nação ou grupo de nações pelo bem da família inteira de nações, veríamos que não há nenhuma perda de identidade nacional ou de cultura individual. Ela deve permanecer e ser desenvolvida de acordo com o seu mais elevado potencial espiritual, para o enriquecimento do bem coletivo de todos.

Ao tempo em que cresce o desequilíbrio entre os ricos e os pobres, uma fome espiritual cada vez mais profunda desperta entre muitos membros das sociedades mais poderosas, surgindo da sensação de que “algo está faltando” numa vida de abundância material sem bases espirituais. Mas onde encontraremos tais fundamentos? Para muitos, as instituições religiosas já carecem da autoridade suficiente para reclamar nossa lealdade. O mesmo se aplica a muitas outras instituições. Na medida que o Século XX chega ao fim, quase todos os velhos e aceitos valores estão sendo questionados, e em última instância isso é bom, ainda quando resulta algo incômodo no presente. Precisamos reconsiderar, refletir e meditar sobre o que ganhamos até agora, e para onde se dirige a humanidade. A intensa importância outorgada ao milênio gerará, sem dúvida, um certo excesso de entusiasmo e esperança mal direcionada, mas também servirá como um ponto de balanceamento e avaliação coletiva, em que a humanidade poderá reexaminar sua direção e propósito neste formoso planeta.

A Sabedoria Antiga profetisa que o ano 2000 marcará outra excepcional liberação de potente energia espiritual dos mais elevados níveis de nossa vida planetária. Somente duas vezes anteriormente, nos tempos modernos, foi liberada esta energia, chamada "Força de Shamballa", diretamente para humanidade: uma vez durante a Guerra Mundial, e novamente em 1975. O ano 2000 será testemunha de outra grande liberação de uma energia cujas qualidades são vontade divina e síntese. Menciono isto pela sugestão implícita que leva: a humanidade encontra-se frente a uma profunda oportunidade de dar um passo adiante em sua evolução – para um sentido de totalidade, para a síntese, manifestando-se numa unidade maior e mais sábia do que até agora foi possível. Mas corresponde à própria humanidade aproveitar tal oportunidade.

Não é casualidade que o proeminente experimento denominado União Europeia se encontre em marcha nestes momentos. “Europa”, disse Alice Bailey, “é o campo para educar o mundo nas ideias de uma verdadeira unidade mundial, e para a sábia apresentação do Plano”. A Sabedoria das Idades ensina que existem cinco entradas ou canais planetários para o ingresso de potentes energias espirituais que vertem-se no mundo, as quais são distribuídas por todo o planeta através destes cinco centros. Em cada um deles manifestou-se uma cidade, e o centro para a Europa, incluindo a Rússia, é Genebra. O “lema” esotérico de Genebra é “Busco fundir, mesclar e servir”. Não é isto acaso o que acontece na Europa no presente? A fusão e a mescla estão acontecendo entre as almas das nações europeias, embora sem perda – nos é assegurado – de identidade, ou da beleza e valor de suas variadas culturas. Sem embargo, além da diversidade externa e da beleza da forma, está se manifestando uma síntese que – se tudo progredir satisfatoriamente – estabelecerá um modelo para o mundo da idade vindoura.

Aqueles grandes Seres conhecidos como os Mestres de Sabedoria, Que observam e guiam a humanidade, estão trabalhando para a síntese nos assuntos mundanos, que preservará a liberdade na unidade. É uma síntese subjetiva para o que trabalhamos, nos é dito, uma síntese que eventualmente inaugurará a paz e a compreensão sobre a Terra – uma paz que preservará as culturas nacionais e individuais, mas que as subordinará ao bem da totalidade da raça humana.

Ao aproximar-se o final do século, a paz ainda não é uma realidade. Ao longo deste, o mais sangrento dos séculos, a humanidade passou através do fogo da guerra, e experimentou um sofrimento incomensurável. A esperança da humanidade está agora em que o fogo seja aplicado para reduzir a cinzas as barreiras na consciência, as que erguem em forma de prejulgamento, ódio religioso e étnico, e desigualdade econômica. Há um fogo benéfico chamado “sentido de universalidade”, que pode transformar a globalização em uma elevação inclusiva de toda a humanidade. Reflitamos agora, em nosso intercâmbio grupal, sobre como podemos desempenhar nossa parte para suscitar tal transformação.

Início